Economia

CARNAVAL SALVADOR: AMBEV E PMS RESPONSABILIZADAS POR TRABALHO ESCRAVO

A fiscalização foi realizada por uma equipe no circuito Barra-Ondina entre os dias 19 de fevereiro e 4 de março, e coletou documentos, tomou depoimentos de vendedores e verificou condições de trabalho.
Tasso Franco ,  Salvador | 12/03/2025 às 18:52
Ministério do Trabalho considerou trabalho escravo
Foto: BJÁ
   Em matéria  do Repórter Brasil assinada por Leonardo Sakamoto e Diego Junqueira, lê-se que "a AMBEV E A PREFEITURA DE SALVADOR (BA) foram responsabilizadas por auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) pela exploração de trabalho análogo ao de escravo de 303 vendedores ambulantes de bebidas durante o Carnaval da capital baiana neste ano. A empresa e a administração municipal foram notificadas nesta quarta-feira (12).

A fiscalização foi realizada por uma equipe no circuito Barra-Ondina entre os dias 19 de fevereiro e 4 de março, e coletou documentos, tomou depoimentos de vendedores e verificou condições de trabalho.

A empresa de bebidas, na avaliação da fiscalização, não foi apenas patrocinadora e fornecedora, mas era de fato empregadora dos vendedores, devendo arcar com salários e direitos. Eles não possuíam autonomia para realizar a atividade econômica por causa da forma desenhada pelo município e pela Ambev para a venda de bebidas, colocando-os “em situação de total subordinação”.

Já administração municipal foi corresponsabilizada pelo trabalho escravo por ter firmado contrato com a empresa de bebidas, cedendo-lhe exclusividade, e assumindo não só a seleção dos trabalhadores, mas também a fiscalização da execução da atividade. Mas isso teria ocorrido em benefício da empresa, pois esse microgerenciamento não atuou para impedir a submissão a condições degradantes.

Em nota, a empresa afirmou que “toda a comercialização de produtos durante o Carnaval na cidade é realizada por ambulantes autônomos credenciados diretamente pela Prefeitura, seguindo as regras estabelecidas em edital de patrocínio, e sem qualquer relação de trabalho ou prestação de serviços com a Ambev”.

Ainda segundo a nota, a empresa sustenta que está prestando esclarecimentos ao MTE, fornecendo toda a documentação solicitada. “Seguimos à disposição para colaborar com qualquer informação necessária. Nosso compromisso com os direitos humanos e fundamentais é inegociável e não aceitamos qualquer prática contrária a isso”, diz a nota.

A Prefeitura de Salvador informou que tem adotado nos últimos anos “diversas medidas para melhorar as condições de trabalho dos ambulantes durante as festas populares”. A gestão municipal disse ainda que “não foi autuada pelo Ministério do Trabalho e Emprego em relação a esse assunto”. Veja a íntegra da nota ao final do texto.

Segundo a Secretaria Municipal de Ordem Pública, 2,5 mil vendedores de bebidas foram selecionados a atuar no Carnaval. O governo federal configurou situação de trabalho escravo entre essas 303 pessoas em pontos de venda fixos. Avalia que o número poderia ser ainda maior, ou seja, o que foi constatado foi apenas um recorte do problema.

“Configurou-se o trabalho dos vendedores aqui listados como realizado em condições análogas às de escravizados, tendo como responsáveis por essa conduta as pessoas jurídicas notificadas: Ambev S.A. e Município de Salvador”, afirma o relatório. A prefeitura é comandada por Bruno Reis (União Brasil).

Nas últimas semanas, reportagens na imprensa trouxeram reclamações de denúncias quanto às péssimas condições desses trabalhadores.

‘Jornada de 14 a 20 horas por dia’

De acordo com a fiscalização, os vendedores foram submetidos a condições de trabalho que afrontavam os princípios da dignidade da pessoa humana. Para garantir pontos de venda, vendedores passaram a residir ao relento dias ou mesmo semanas antes das festas, sem infraestrutura para descanso, higiene ou segurança, expostos à violência urbana, intempéries e privação de sono e com jornadas exaustivas.

“A maioria dos vendedores entrevistados repousavam sobre pedaços de papelão encharcados pelas chuvas, ou em pedaços de espuma e colchões, sob lonas improvisando barracas ou barracas de camping sempre ao lado dos respectivos pontos de vendas”, diz o relatório de fiscalização.

As jornadas iam de 14 a 20 horas de trabalho por dia, sem intervalos para descanso e alimentação adequados. Não havia condições sanitárias e de higiene mínimas para realização das necessidades fisiológicas, além de ausência de fornecimento de água potável em quantidade suficiente e em condições higiênicas.

“Muitos relataram não conseguir adormecer, mesmo pela manhã, após o encerramento do movimento de foliões, fosse por receio de furtos e violência, fosse pelos barulhos de passantes e testes de sons em trios elétricos ou camarotes, pelo calor do sol pleno do dia ou pelas chuvas constantes no período da festa”, aponta o relatório.

“A gente faz o Carnaval acontecer e somos escravizados”, afirmou um dos ambulantes à fiscalização.

Trabalhadores vão receber seguro-desemprego

Os auditores fiscais avaliam que os vendedores de bebidas estão obrigados a cumprir regras laborais impostas por um empregador. “O contrato em questão, ainda que firmado entre poder municipal e Ambev, gera obrigações específicas a serem cumpridas pelos trabalhadores atuantes no comércio de rua, quanto aos meios de trabalho e objeto da execução dos seus serviços”, afirmam.

E avaliam que o trabalho dos vendedores faz parte da atividade econômica da empresa, não sendo apenas patrocínio ou apoio. Tampouco, segundo a fiscalização, são apenas revendedores, pois não exerceriam livre iniciativa de sua atividade, com preços e padrões determinados e fiscalizados.

“Sanções rígidas são impostas ante o descumprimento das regras, chegando à perda do direito de o trabalhador laborar no comércio de rua”, aponta o relatório.

Uma audiência foi convocada na manhã de 26 de março com os envolvidos. Por enquanto, os trabalhadores terão acesso a três parcelas do seguro-desemprego pago a vítimas de trabalho escravo.