Cultura

SALVADOR 476 ANOS:MANGABEIRA, O ENIGMA E A CAPITAL ESPELHO DA POBREZA

Problema histórico que ninguém consegue resolver e já dura 5 séculos
Tasso Franco , da redação em Salvador | 01/04/2025 às 17:35
Um contingente dos moradores da Sabina sobrevive de ganhos nas praias
Foto: BJÁ
   O jornalista, engenheiro e politico Octávio Mangabeira foi governador da Bahia (1947-1951) o primeiro após a Revolução Tenentista, o golpe militar que alçou Getúlio Vargas ao poder (1930) e apeou Washingon Luis. O vice-eleito na chapa vitoriosaa de Júlio Prestes era o baiano Vital Soares. Durante o periodo getulista a Bahia teve 11 interventores (governadores nomeados) o mais duradouro deles, Juracy Magalhães (1930-1937) já com divisa de capitão e que governou amparado pelas oligarquias locais.

   Não poderia dar certo, como não deu. Salvador teve no período 18 intendentes e a falta de continuidade administrativa foi um horror e a pobreza só fez aumentar, dado que nesse periodo algumas secas castigaram o estado e os trens para a capital pareciam ser a solução para as familias dos retirantes.

   No seu primeiro ano de governo na mensagem que leu na Assembleia Legislativa, em 7 abril de 1948, Mangabeira cunhou a expressão "Enigma Baiano" e esclareceu o que significava: uma contradição entre o poder econômico do estado, com grande potencial, e a miséria do seu povo. Claro: Salvador com maior população era a vitrine, o espelho da pobreza.

   Em sua fala, disse o governador: "Chego a não compreender o estado de penúria em que os deixaram (os municípios) na distribuição das rendas públicas, tanto a constitucional de 1891 como a de 1934. É possivel que esse erro fundamental esteja à base ou à raiz de algumas das grandes crises que vamos padecendo e que as vezes parecem irremediáveis. Municípios há cuja renda por ano não atingem 50 mil cruzeiros sendo inúmeros os que rendem cerca de 100 mil".

   Sobre Salvdor afirmou o seguinte: "Uma cidade com serviços deficientes, para não dizer lastimáveis, de iluminação, de abastecimento de água, e em geral de saúde pública e em geral de assistência; uma cidade mal tratada, na limpeza, no calçamento das ruas, na manuteção dos jardins, e onde o acesso aos pontos pitorescos, não raro, dificil, quando não mesmo impossivel, ou pelo menis incômodo, desprovida de hotéis, restaurantes, cafés ou bares, cinema, teatro - não basta que tenha beleza e natureza, templos, antiguidades, tradições".

   Esses dados e outros estão em "A Trilha Perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX, de Noélio Dantaslé Spínola (Editora Unifacs) o qual, ressalta na fala de Mangabeira que "a Bahia é o estado que mais fornece divisas ao país, pois ocupa o primeiro lugar entre os que tiveram saldo, de janeiro a novembro de 1947, entre importação e exportação". 

   Ainda era, a essa época, a Bahia do cacau e do fumo e Salvador (a elite) se inseria nesse contexto devido o porto e as empresas que se instalram no Comércio, cidade-baixa. 

   Mas, essa riqueza, não chegava ao povo, que vivia como caranguejo (desde a época de Thomé de Souza e segundo as citações) na borda, nas periferias da cidade e da riqueza.

   Salvador, em 1949, iria completar 400 anos de existência e o governador e o prefeito José Wanderley de Pinho (José era irmão de Joaquim que fora prefeito da capital no governo Góis Calmon, ambos filho de João Araujo Pinho (governador entre 1909 e dez e 1911 quando renunciou o cargo diante do bombardeio a cidade) e incrementaram ao menos 5 obras que ajustaram a capital a modernidade: o Fórum Ruy Barbosa que reuniu os órgãos dispersos do Poder Judiciário no Campo da Pólvora), o Estádio da Fonte Nova (que durantes anos se chamou Octávio Mangabeira), a Escola Parque (modelo até hoje copiado nos centros de educação integral), o Hotel da Bahia (grande hotel para o turismo e para eventos na cidade) e a Av Centenário.

   Nada, no entanto que fosse voltado para o emprego e renda.

   É também nessa época que Salvador dá o primeiro salto em população e atingir 417.235 habitantes, em 1950, ou 8.6% do estado 4.834.575 almas e uma enxurrada de pobres retirantes de mais secas e da promissora capital que se modificava ocuparam, nas proximidades da Av Centenário, uma área que era da Santa Casa da Misericórdia, e vai surgir o Calabar (de Calabares, África) com barracos de madeira e outros (algumas dessas pessoas trabalharam como peões nas obras da Fonte Nova, Centenário e outras) e a Roça de Bananas da senhora Sabina se transformou na Roça da Sabina, hoje, ambos com grande contingente de pessoas em melhores condições de vida do que nos anos 1950/1960, mas, ainda na baixa reda. 

  O Calabar se estendeu de tal maneira com três pernas que atingiu outro favelamento o Alto das Pombas, o bairro de Ondina na saída da Sabino Silva, e a área adjacente ao Hospital Santo Amaro até o sopé do Cemitério. A Santa Casa construiu um muro isolando as áreas das tumbas senão também seriam invadidas e o prédio do Santo Amaro impediu que os casebres chegassem a Ladeira do Campo Santo.

   Só que hoje são mais de 500 Sabinas e Calabares na cidade que os sofisticados técnicos chamam de assentamentos sub-normais embora um grupo de pessoas residente nesse locais querem afirmar o termo favela não como depreciativo e sim valorativo, mas o problema maior continua sendo a baixa renda.

  E essa grande massa, a maioria negro mestiça, trabalha, atua, mas nos serviços auxiliares e atividades intermediárias. Um exemplo está ne rede da hospitais e clinicas de Salvador grande empregadores dessa massa como técnicos e auxiliares da enfermagem, radiologistas e outros, que seguram e mantém essas casas de saúde em funcionamento as públicas e as privadas. 

  E a cidade tem feiras-livres em todos os bairros, nas ruas e praças do centro, em áreas de grande movimentação de pessoas como Av Joana Angélica, Largo 2 de Julho, Av Sete, etc, e se transformou numa babel. É possivel comprar bagos de jacas na Marques de Abrantes, Barra, a bananas prata no Campo GVrande em tendas mambembes. 

   Vou dar outro exemplo só para melhor compreensão desse texto. A Barra - bairro classe média - nos últimos dois anos estão subindo 25 prédios de apartamentos de 1 e 2 quartos, flats, etc, e quase todos os imóveis já foram vendidos e alguns entregues. Nenhum morador da Roça da Sabina conseguiu comprar um desses imóveis, isso sem falar naqueles que estão sendo construidos no Morro Ipiranga de 4 quartos, área a vizinha.

   Pronto ai está o problema ou a não ascensão da baixa renda à classe média e há poucos programas governamentais e empresariais nesse direção e a pobreza só aumenta. 

   Muitos moradores da Sabina vivem em função das praias Farol da Barra, Porto da Barra, fundo do Centro Espanhol e Ondina e disputam o mercado de vendedores ambulantes, vendedores de coco verde,  isoposeiros, promoteres de cadeiras e outros com moradores de outras áreas da baixa renda em Ondina, Rio Vermelho e áreas da Barra nas encostas do Morro Gavazza.

   Acompanhei as mensagens do prefeito Bruno Reis, na CMS, e do governador Jerônimo Rodrigues, na Assembleia, 2025, ambos bem intencionados e falando na melhoria da qualidade de vida da população e há até alguns projetos que executam nessa direção, o Minha Casa Minha Vida, os colégios em tempo integral, as escolas técnicas, o Mané Dendê, porém, infinitamente menores do que as necessidades da população e Salvador segue como espelho da pobeza, ou como já dizia Mangabeira em 1950, o "Enigma Baiano", no caso da capital também de beleza fisica porque abençoada pela Baía de Todos os Santos, colinas e enseadas, porém pobre para a maioria dos seus filhos e moradores. (TF)