A autora inglesa dá os primeiros gritos pela libertação da mulher na sociedade machista e patriarcal em que vivia
Rosa de Lima , Salvador |
22/02/2025 às 09:29
Orgulho e Preconceito de Jane Austen
Foto: BJÁ
No início deste ano o jornal norte-americano The New York Times apresentou uma lista dos 52 melhores destinos do mundo para visitar em 2025. E, em primeiro lugar, posicionou a Inglaterra de Jane Austen, sudoeste daquele país.
Não chegou a ser uma surpresa, porém, causou admiração em muita gente que sequer já ouvira falar neste lugar e nesta autora, deixando para trás a ilha de Galápagos, os museus de Nova York e a Groelândia – os outros dois entre os três primeiros.
Muitos internautas queriam saber com mais detalhes sobre essa região da Inglaterra e quem foi Jane Austen, personagem desconhecida da maioria.
Vamos então mostrar nessa crônica literária traços desse sudoeste da ilha inglesa e também comentar o livro mais destacado dessa escritora intitulado “Orgulho e Preconceito” (Editora Principis, 287 páginas, tradução de M. Ângela Santos, Jandira, SP, 2019, R$45,00 Amazon) uma obra sublime escrita em 1796, quando a escritora tinha apenas 21 anos e publicada em 1813, que traduz em sua linguagem todo o encantamento da sociedade inglesa no final do século XVIII, seu modo de vida, e como o próprio nome do livro aconselha, o orgulho da aristocracia rural e os preconceitos reinantes naquela época.
Quando digo que é um romance sublime destaco exatamente no âmago desse termo o admirável texto escrito por essa autora, a leveza da linguagem, as expressões em uso na época, as gentilezas, as formas de tratamento entre as pessoas e as famílias, as metáforas, as ironias, os humores, as intrigas e devaneios postas de uma maneira encantadora.
Daí, o sucesso de Austen (1775/1817) até os dias atuais passados mais de 200 anos do seu falecimento e 250 anos do seu nascimento, em 2025, como grandes comemorações na sua terra natal e região.
Jane nasceu de condado de Hampshire uma região onde as carruagens eram o meio de transporte mais relevante e as mulheres andavam elegantemente portanto luvas e vestidos volumosos. Este é o cenário dos seus livros com críticas sutis à sociedade em que vivia sendo considerada por seus biógrafos – ela já falecida - uma mulher à frente de seu tempo em pensamentos e atitudes.
Isso se configura através de personagens femininas que criou, mulheres com personalidades fortes, altivas, insubmissas, porém, sem perderem a ternura e os encantos, o que tem sido copiadas como modelos até nos dias atuais. Esse é o segredo da permanência da leitura dos seus livros e da quantidade de seguidoras de sua obra.
Em “Orgulho e Preconceito” a autora nos presenteia com um romance onde os conflitos nas relações entre famílias e homens e mulheres são permanentes.
Onde os casamentos por interesses – dotes financeiros – eram a tônica, as famílias se organizavam nessa direção inclusive treinando as filhas com “bons modos” (no sentido amplo cuidando da beleza, instruindo-se, dedicando as artes, etc) para fisgar o amado, nem sempre amado por amor, em muitos casos com interesses que se sobrepunham as paixões, os afetos e quereres. Que assim fosse e que, o tempo, mais adiante faria essa parte, esse ajuste. O que, obviamente, nem sempre acontecia.
Nesse romance, pois, a personagem Elizabeth Bennet vai contestar esse modelo machista e conservador tão enraizado na aristocracia rural inglesa daquela época se insurgindo contra e adotando uma postura independente onde, somente ela, é quem decidiria com quem se casar. A escolha não caberia a terceiros.
Importante observar que Jane Austen fazia parte dessa aristocracia rural e o romance – pelo menos este – não rompe de vez com o conservadorismo. Pelo contrário, a trama dá asas ao machismo e ao estabelecido nos padrões da época, mas, ao mesmo tempo e de maneira sutil usando a personagem Elizabeth abre para a mulher algumas janelas (ou aponta rebeldias) colocando-a numa posição mais independente na sociedade sendo a guia do seu destino e espelho para outras mulheres.
A autora, ao tempo em que valoriza a mulher através das atitudes rebeldes de Elizabeth sobretudo contra os desejos de seus pais alarga essa visão para a sociedade de uma forma geral. No entanto, mantém no contexto da obra o conservadorismo praticamente quase imutável porque as suas irmãs participaram desse jogo familiar e ela, embora tenha resistido ao seu rico pretendente (Mister Darcy), a quem, de início, o rejeita por ser um esnobe pretensioso e anti “gentelman” vai mudando de ideia na medida em que conhece melhor sua personalidade.
Eis, pois, a sutileza da autora: de como ser uma representante dessa sociedade conservadora cuja formação cultural era forjada em casa com os livros, sem abdicar dela, completamente; e encaminhar sopros de rebeldia, abrir os olhos dessa sociedade e conduzir os entendimentos (para se casar e outros) com novos valores morais onde o dinheiro não representava o básico.
E Elizabeth vai dando exemplo disso ao longo da narrativa. Numa das reflexões sobre Darcy a autora contextualiza: - Não chegou a uma conclusão sobre os seus sentimentos em relação ao pretendente e ficou duas horas acordada, tentando ler seu coração. Certamente não o odiava. Não, o ódio há muito se dissipara, e há muito também que se envergonhava de ter alguma vez antipatizado com ele. O respeito as suas valiosas qualidades lhe inspiravam, embora a princípio admitido com relutância, já há bastante tempo deixara de repugnar aos seus sentimentos.
Essa dama adulta, alegre e sincera se vê diante de um “lorde inglês” sedutor, mas não se deslumbra de imediato com seus apontados dotes em terras e modos de viver – diante informações que lhes foram repassados por terceiros - e trilha seu caminho sem dar ouvidos a mãe, a Sra. Bennet, descrita como uma dondoca deslumbrada, afetada e indutora; vai observando o comportamento do seu pai, um aristocrata rural culto e discreto e tira as suas próprias conclusões.
De início, era-lhe desagradável e presunçoso Mr. Darcy e com o passar do tempo, observando-o melhor e participando de uma corrida de obstáculos, onde as intrigas e armadilhas das concorrentes eram a norma, tira suas conclusões e se afeiçoa e casa com ele.
O painel de personagens para compor o cenário da trama e apimentar os conflitos é amplo. O homem tinha papel preponderante na sociedade e, como chefe da família, patriarca, era o responsável pela coesão familiar e mais do que isso, no planto das salvaguardas aristocráticas, ampliar o patrimônio familiar.
Em “Orgulho e Preconceito” habitam esse universo a família Bennet (pai e mãe) filhas Jane, Mary, Catherine, Lydia e Beth; o clérigo Collins e Catherine de Bourgh – aristocrata dominante, intempestiva; Mr Darcy, o militar Wickham, o coronel Foster e esposa e outros.
Os casamentos e as disputas de terras são o foco e nada melhor do que casamentos bem sucedidos e arranjados para que esses patrimônios engordassem e a mulher se mantivesse como uma peça secundária, quase um objeto nessa engrenagem.
Jane Austen inicia, pois, com seus textos, uma nova caminhada para as mulheres colocando-as (sobretudo através de Elizabeh) numa situação de combate (ela decidindo sua própria sorte), mas, ainda sem abdicar do conservadorismo.
Elizabeth não chega a ser uma insubmissa total que rompe com a família e vai se aventurar por Londres ou outra cidade de maior porte abdicando do seu condado com colinas, lagos, carruagens e mansões e se tornar uma mulher independente de toda essa configuração.
Estamos falando de uma ambiente no final do século XVIII, a autora é cautelosa, porém, dá os primeiros gritos pela libertação da mulher.