Cultura

GORDO é cheio de mania para curtir a praia no verão, por Otto Freitas

Antigamente, não saia da barraca de Pirilo, na praia de Placafor, em Itapuã. Jeffinho chegava geralmente no fim da manhã
Otto Freitas , Salvador | 18/02/2013 às 09:02
Gordo detesta praia com muita gente, como o Porto da Barra
Foto: BJÁ
Enfim, Jeffinho tomou o primeiro banho de mar do ano. Aproveitou o 2 de fevereiro, dia de festa e agradecimento, quando foi levar seu presente para a Mãe D’Água e renovar sua fé na força de Iemanjá. Depois, deu um mergulho, banhou a cabeça com as mãos, para reenergizar o corpo e o espírito - e ficou um tempo relaxando no mar, para tirar a urucubaca. 

Mas gordo não é muito chegado a praia - e quando vai não tira a camiseta nem a pau, sob a falsa alegação de que precisa se proteger do sol. Mentira pura. É que os olhares insistentes e preconceituosos ferem muito mais do que os raios ultravioletas, que atingem a pele mesmo através da roupa. 

Para não expor muito o corpito de dançarino do ziriguidum, o gordinho prefere ficar de prega na barraca, discretamente (se é que isso é possível, dado o seu tamanho), apreciando o movimento, comendo um acarajezinho quente e beliscando uns mariscos, entre goles de várias geladas. 

Se não for assim, fica na areia (o mais próximo possível da água, para não ter que andar muito quando quiser dar um mergulho), sentadinho na cadeira sob o sombreiro, só chamando o garçon da barraca. Vai ao mar de vez em quando, molha o corpo, faz um xixizinho básico, e volta rapidamente, encolhendo a barriga. 

Gordo passa longe, principalmente, de certas barracas modernosas, como algumas de Stella Mares, Praia do Flamengo e Aleluia, as chamadas barracas-dos-homens-em-pé, onde rapazes musculosos nunca ficam sentados, que é para exibir o corpo malhado e a barriga de tanquinho. Fazem de tudo para chamar a atenção de moças tolas e para humilhar os gordos com baixa autoestima. 

Mas que ninguém duvide: tem muito gordo cagando para a opinião alheia, principalmente depois de tomar umas e outras. Com a autoconfiança lá em cima, eles se esbaldam no mar e na praia, e se lambuzam de areia, dos pés à cabeça, parecendo uma picanha a milanesa (a denominação comum é banana real, mas não serve para gordo, pois banana real é fina e esguia). 

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Jeffinho faz o gordo discreto, embora seja um cara cabeça, com a autoestima altíssima. Ele prefere ir à praia aos sábados, para fugir da agonia e da superlotação domingueira. 

Antigamente, não saia da barraca de Pirilo, na praia de Placafor, em Itapuã. Jeffinho chegava geralmente no fim da manhã e já encontrava, em plena função, Fefé, Pedro Bó, Paulo Coco, Bunda Podre, Botinho e Margarida, entre outras personalidades da boemia e da cultura praieira baiana. 

Sempre aparecia na barraca um pescador, trazendo peixe da hora. Caso fosse um beijupirá, uma cavalinha, um vermelho, ou qualquer outro de alta qualidade, bom de moqueca, Pirilo reservava, secretamente. 

Depois do por do sol e de fechar a barraca, escolhia uns três ou quatro amigos mais chegados, entre aqueles que só saiam no lixo, e os convidava para a saideira no Abaixadinho, bar que mantém até hoje, perto do Mercado de Itapuã.

Como naquela época o Abaixadinho só abria lá pelas 9 da noite, Pirilo ia para a cozinha preparar o peixe fresco que o pescador levara na barraca. Com a assistência dos amigos, fazia uma moqueca no capricho, apimentada (moqueca de verdade leva dendê e a pimenta vai junto com os outros temperos). Depois, todos compartilhavam, estalando a língua, aquela obra prima do mestre Pirilo. 

A barraca da praia ficava bem no começo da enseada que faz a curva mais linda do mundo, feita de mar, pedras, areia e céu azul, entre o coqueiral de Piatã e o farol de Itapuã. Foi naquela curva que Deus criou o verão, com a luminosidade magnífica que só a Bahia tem. Nesse dia, Deus estava de férias em Salvador.