Cultura

BEBER ENGORDA: TEM GORDO QUE COME MENOS, PARA COMPENSAR.p OTTO FREITAS

vie
| 06/08/2012 às 08:00
Esse pirata é um terror e o famoso cuba -libre com coca cola, uma delicia
Foto: DIV
  Tem gordo que só come. Tem gordo que come tanto quanto bebe. E hHá oHhhhhhá o que bebe mais do que come, mesmo não sendo alcoólatra, que só come água. Gordo que sabe viver alia com equilíbrio os prazeres da mesa e do bar, mas está sempre em busca daqueles 80% da felicidade do mundo que estão engarrafados.


  Jeffinho é assim, uma espécie de seguidor de Dionísio, o deus grego do vinho, e de Baco, seu correspondente romano, deus da festa, do vinho e do prazer. Sempre beliscando uma comidinha, não há outro senão esse o sentido de beber: encontrar a felicidade, intensificar e celebrar a alegria.


   Há, inclusive, a teoria do amigo Benjamim. Ele afirma que a euforia e a embriaguês vêm do riso e não da bebida: quanto mais você dá risadas durante a farra, mais alegre fica - e ri mais ainda, gerando um divertido ciclo vicioso.


  A relação de Jeffinho com a bebida começou ainda na adolescência, com os licores de São João que roubava das garrafas de cristal expostas sobre a mesa redonda da casa da avó, durante os festejos juninos.


  Por conta própria, aprendeu a gostar do cambuí de infusão, bem curtido, mas foi o tio Ioiô quem o iniciou nas cachaças de folha, de pau e de raiz, nos bares da Ribeira de antigamente. Naquele tempo ainda não havia o Barcaça, primeiro boteco da Penha, até então um lugar bucólico à beira-mar, calmo e silencioso, pouso de passarinho e de casais de namorados.


   Em festinhas familiares, Jeffinho conheceu o uisque com água de coco ou guaraná Fratelli Vita, mistura bem fraquinha, preparada pelo tio Maneca, que o ensinou a equilibrar a mistura e a beber lentamente, sorvendo cada gole como se fosse o último.

  
  Logo vieram a Cuba-libre (ron e Coca-Cola) nas festas de escola e em casa de amigos; o leite-de-camelo (cachaça com leite condensado) no Mercado Modelo; as baianíssimas batidas de frutas em Diolino, no Rio Vermelho; o rabo-de-galo (cachaça com vermute) e o samba-de-Berlim  (cachaça com Coca-Cola) nos botecos da ilha ainda sem energia elétrica e sem gelo.


  Quando bebeu demais, de enjoar e ter ânsia de vômito só de ver uma garrafa de ron Bacardi na prateleira, Jeffinho trocou a Cuba pelo gin tônico ou com soda e este, logo em seguida, pela vodca. Primeiro em caipirosca (vodca, gelo, limão e açúcar), que só se fazia com limão. Depois inventaram a vodca com caju (cajurosca) - e daí foram criando as demais, até chegar à variedade de roscas disponíveis atualmente, de todas as frutas possíveis, regionais ou exóticas.


  Houve também a fase dos baratíssimos vinhos brancos e dos tintos de garrafão. Bem gelados, ofereciam alegria instantânea, ressaca com gosto de guarda-chuva na boca e dor de cabeça insuportável, de precisar botar a cabeça dentro do congelador da geladeira, para aliviar, como fazia o Dr. Nidalvo.


  Jeffinho nunca foi de cerveja, mas durante uma viagem a Santa Catarina aprendeu a gostar de chope com Steinheger (cachaça alemã), preferencialmente separados. De vez em quando, se aventurava no traiçoeiro submarino - um copinho de Steinheger dentro da caneca de chope. Três doses dessa mistura deixam o sujeito aceso, completamente doido, no bom sentido.


  Teve ainda o tempo de drinques como bloody Mary (vodca com suco de tomate), Hi-Fi (vodca com refrigerante de laranja) e o refrescante vodcatini  (vodca com Martini seco, gelo picado e uma casquinha de limão). O leve saquê, aguardente feito à base de arroz, também é ótimo, mas só no restaurante japonês e bem gelado.


@@@@@@

   A qualidade na seleção das bebidas só chegou com a experiência de vida, algum capilé no bolso e a liberação na importação de bebidas. Assim, tornaram-se bebidas preferenciais, além da cachaça boa, um scoth (só com gelo e umas gotas de água gaseificada) honesto e os vinhos de melhores safras e procedências.


   Foi também com a maturidade que Jeffinho aprendeu a beber cachaça boa. Gosta das produzidas na Chapada Diamantina, como a branca de Abaíra e a Cabeceira do Rio, de Utinga, envelhecida em barris de umburana, Mas as mineiras são mesmo as melhores, não tem concorrência.


   Não há bebida mais saudável e saborosa do que uma cachaça de qualidade para acompanhar comidas fortes (feijoada, sarapatel, rabada ou mocotó), seja como aperitivo, como digestivo ou os dois. Quente ou gelada, mas sempre pura (no máximo uma rodela de caju com sal, entre um gole e outro), pois a tradicional capirinha (cachaça com limão, gelo e açúcar) esconde o sabor e o aroma da bebida - e também seus defeitos, no caso da cachaça ruim.


   Mas Jeffinho, que não come por comer, também não bebe por beber. Gosta de fazer as duas coisas ao mesmo tempo, juntinhas, agarradinhas. Preferencialmente, compartilha com a família e os amigos esse momento que enobrece o homem e eleva o espírito.


   Como disse o crítico literário americano H. L. Mencken, em 1947 do século passado, "todas as grandes vilanias da história, desde o assassinato de Abel, foram perpetradas por homens sóbrios e, principalmente, por abstêmios. Mas todas as coisas bonitas e encantadoras, desde o Velho Testamento até a sopa bouillabaisse, das nove sinfonias de Beethoven ao coquetel martíni, foram ofertadas ao mundo por homens que, no momento certo, trocavam a água da torneira por líquidos mais coloridos e com algo mais do que oxigênio e hidrogênio na composição".



* Otto Freitas (otto.freitas@terra.com.br), 59 anos, é jornalista, formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atua na imprensa baiana há quase 40 anos, em revistas, jornais e TV; comunicação corporativa e jornalismo digital.