Varrendo os confetes
Na terça-feira de carnaval o prefeito abusou dos microfones para propagar os resultados de uma "pesquisa" que apontou números sempre favoráveis a todas as ações da prefeitura durante os dias da folia. Saúde, limpeza, ordenamento urbano... tudo com aprovação de mais de 80 por cento da população, coisa nunca dantes vista. Parabéns!
Ah, não foi bem uma pesquisa, disse no final, mas dados colhidos pela sua ouvidoria.
Hum, bom. Emprenha-se pelos ouvidos.
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De uma vez por todas, caros amigos: Salvador é negra, branca, mulata, cabocla, sarará, parda, marrom, amarela...
É só abrir os olhos e ver. Graças a Deus, aos orixás, caboclos, encantados, voduns e inquices que assim seja. Essa é a nossa diferença. A nossa realidade não é em preto e branco. Cores? Todas! Deuses? Todos, inclusive o único!
Dizer que Salvador é africana é uma bobagem. De quê África estamos falando? Não custa nada dar uma olhadinha, vez em quando, no mapa imeeenso da nossa mãe África e debruçar sobre as diversas "realidades", de lá e de cá.
Chega de tanto divisionismo bobo e inconseqüente, que nada constrói. Baianos somos!
Iorubás barrocos.
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Desculpe o amigo Clarindo, mas no nosso Rei Mimo foi o grande mico dessa folia.
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Esperei, esperei em vão: imaginei ver a Mangueira ou a Portela desfilando no circuito Barra ou mesmo no Campo Grande. Fiquei ligado na tevê imaginando o Ilê Ayê, o Muzenza ou mesmo o trio de Armandinho no sambódromo do Rio. Queria ver um grupo de frevo pernambucano na avenida, uma escola de samba em Olinda, um boneco gigante na Mudança do Garcia ou Daniela no Galo da Madrugada.
Nada!!! Aquele papo do ano passado de integração e troca entre os carnavais de Pernambuco, Rio e Bahia não passou de conversa de político em camarote, factóide pra repórter ter como botar a cara deles nas folhas. Só. Esqueça. Né assim que toca o trio.
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A capoeira, uma das mais importantes manifestações culturais baianas, seria o tema do carnaval deste ano. Fora um ou dois grupos dando suas pernadas pela rua, nada mais se viu da arte baiana que encanta o mundo. Ora, se até a publicidade oficial, se até o marketing dos patrocinadores da folia, se todos esqueceram o tema... né Nizan ?
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Esqueceram todos também de Dom João VI, da chegada do príncipe-rei que abriu os portos, aqui em Salvador, há 200 anos, criou o ensino superior de medicina, propiciou todas as condições para nossa independência... Nada! Nenhuma referência, nem na Mudança do Garcia. Nossa história encarada como lixo imprestável. Lamentável, Sr. Bira, Sr. Meirelles.
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Aliás, como esteve bem comportada a Mudança do Garcia, hein! Placas padronizadas, quase todas "a favor", o discurso todo engajado, nenhuma esculhambação explícita, como era de praxe e da própria origem da Mudança. Fiquei com saudade do humor, das faixas e cartazes de protesto, anárquicas, dos "bons tempos" da repressão da ditadura. Dávamos um jeito de burlar a censura e malhar as "autoridades". Cadê aquele humor ácido contra o finado "carlismo"? ACM era o mote da graça, apenas? Ou será a seriedade do novo babaovismo democrático e republicano em exercício?
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Alô Emtursa! É preciso manter o horário previsto e a seqüência do desfile. Tivemos atrasos de mais de duas horas. Isso não é democrático e é penoso para quem está nas arquibancadas, sob o sol. A fila é grande e precisa andar.
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Ué, cadê o anunciado carnaval dos bairros? Até a entrega das chaves ao "rei mimo" foi um fiasco nas Cajazeiras. Cadê as atrações? Chega de enganação, broder!
... por falar em atrações... que pobreza geral e global !!!
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Muita violência, muita pancadaria na avenida, nas praças, na chegada e na saída do circuito. Grupos de jovens, de todas as cores, malhadinhos, distribuindo sopapos de graça, só pra se divertir. Um jovem trabalhador morreu na Carlos Gomes, de tanto apanhar e centenas foram quebrados para os hospitais. Uma covardia.
Além de uma repressão mais efetiva, é preciso se fazer uma campanha de paz, pré-carnavalesca, o ano inteiro. Precisamos cultuar o respeito humano. Desde cedinho.
Mas não sobra dinheiro pra esse tipo de campanha, não rende voto, né Geddel?
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Mesmice. A fórmula do nosso carnaval envelheceu. Como envelheceram nossos astros. Armandinho já é um jovem ancião. Luis Caldas, minha tia. Bell tá gordo. Durval nem guenta mais. Ivete e Daniela, como todo o carinho, passadinhas. O que tem de novo é cópia desses modelitos. Só Brown arrisca algo. Tá na hora de acontecer algumas novas "loucuras" na nossa folia, ou caímos de podre. Abadá, mamãe-sacode, colar de Gandhy e ‘sai do chão' ninguém merece mais. Fazemos o mesmo do século passado. Nossa "modernidade" está cheia de rugas. Quero o "depois do ano dois mil"! Danças novas, quero som, quero arte, quero manha, quero novas misturas, quero novos desbundes baianos. A Bahia sempre foi pródiga em novidades. Cadê?
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