Houve um acordo entre Lima e Silva e o visconde do Rio Vermelho por uma capitulação sem derramamento de sangue e Madeira de Melo retornou a Portugal
Tasso Franco , Salvador |
20/06/2023 às 18:27
Coronel José Joaquim de Lima e Silva, herói desprezado pelos historiadores
Foto: REP
Com a prisão do general Pedro Labatut, o Exército Pacificador passou a ser comandado pelo coronel José Joaquim de Lima e Silva e na Ordem do Dia de 28 de maio de 1823 o comandante em chefe estabeleceu a nova composição da força militar composta por duas divisões e quatro brigadas, sendo a 1ª Divisão comandada pelo ten-coronel José de Barros Falcão; e a 2ª Divisão, pelo coronel Felisberto Gomes Caldeira.
No dia 28 de maio dirigiu aos brasileiros e portugueses que ocupavam a capital uma proclamação: "A causa da nossa independência está próxima a terminar-se felizmente; os vossos esforços nessa grande lide vão a ser recordados com o maior louvor na mais remota posteridade...() lembrar-se-hão sempre com enthusiasmo que fosteis vos quem os libertastes dum jugo estrangeiro, e pezado, e vos abençoarão, recordando-se como vós desarmados no meio de inimigos ferozes, perseguidos pelos mais horríveis meios, soubestes arvorar o estandarte da liberdade!!!, narra I. Acicioli e Braz do Amaral, em "Memórias Históricas e Políticas da Bahia.
Adiante, na mesma proclamação, o coronel cita a situação de fome que viviam as famílias em Salvador com o cerco à cidade. "Ilustres concidadãos, auxiliem-me nesta grande empreza e ajude-me pois com os vossos socorros a manutenção desses bravo e invicto exército: elle generoso tem até hoje encarado as mais urgentes precisões, e mesmo do pouco que era destinado à sua sobrevivência, accedeu a fome de sem número de familias, que, oprimidas na infeliz cidade, tem vindo buscar um abrigo entre nós, aumentando a verdadeira admiração que merece: ainda mesmo agora ele continuará a suportar as mesmas e maiores necessidades, mas todavia é do meu dever não só como seu chefe, mas como seu compatriota, acudir a poupar-lhe tantas privações".
Na Ordem do Dia de 7 de junho, o coronel Lima e Silva relata uma ofensiva "para atacar os inimigos da nossa Pátria, e independência, à linha defensiva dos seos entrincheiramentos" por ele determinada em Brotas e no Rio Vermelho, que aconteceu no dia 3 de junho, combates assim narrados pelo coronel Felisberto Caldeira, em ofício: "Participei da marcha da tropa em duas colunas com direção à trincheira de Joaquim José de Oliveira e a trincheira do Rio São Pedro, igualmente pela estrada de Brotas e fui avisado que se batia toda tropa parte na povoação de Brotas e parte no Rio Vermelho...() Neste momento fiz marchar o coronel Joaquim Francisco das Chagas para o ponto da Pituba, o qual marchou com a rapidez que era esperada ocupando o ponto...() e o capitãp Ignácio Joaquim Ferreia Pitombo marchou a ocupar o ponto da Arêa, com praças dos batalhões 4 e 7...() reforcei aguarda e não houve paizano que não tomasse armas mas há falta de armamentos para dispor de homens que por vontade de apresentarão...()
No balanço desses combates morreram o ajudante José Thomaz Vila Nova, do batalhão 1; 1 segundo sargento do batalhão de Pernambuco; 1 soldado do batalhão do Imperador; e soldado do batalhão 3: total de mortos: 4. E mais 19 feridos em estado grave, entre eles, o tenente Martinho Baptista Tamarindo; e 14 feridos levemente incluindo o tenente Roberto Joaquim Cuibem; 8 contusos, entre eles, o major João Chrisostomo. Sumirão (extraviados) 4 soldados. Diz ainda o coronel que "o inimigo teve considerável perda, ficarão mortos no campo muitos, e as paviolas ocuparse-ão em grande número, e por lago espaço de tempo a condução dos feridos; e de sua sua guarda avançada na Cruz do Cosme, que foi apreendida pelo Batalhão 3".
O coronel, no entanto, não cita o quantitativo dos mortos, feridos e prisioneiros portugueses, relatando ainda o "zelo, que a nossa civilização e generosidade atende os feridos e presos".
No relatório enviado ao SMI, Lima e Silva, narra a "fome a nudez que flagelava os soldados" e alertava: "como hei de levar a fogo corpos carcomidos de fome e intemperança da estação? Taes solicitações anteriormente havia feito Labatut por muitas vezes, e sempre o resultado era quase nenhum".
"Consumia regularmente o exército todos os dias, afora os pontos de Itaparica, 253 alqueires, 2 quartas e 8 décimas de farinha, e 60 cabeças de gado vacum, calculado o termo médio de 8 arrobas a cada uma" (Nota 20, Accioli e Brqaz). Há, demonstrativo da Intendência chamado Bocas Consumidoras. total 10.148. Brigada de Pirajá: 3.280 combatentes, em hospital 101, empregos e serventes 291; Brigada de Itapoan 2.791, em hospital 703, empregados 243; Engenho Novo combatentes 138, em hospital 433, empregados 168; São Thomé Costa combatentes 854, 180 empregados; Maré e Boca do Rio 861 combatentes, 105 em hospital. Total de combatentes: 7.919
Os comandantes militares não dão nomes específicos a esses combates em Brotas, Rio Vermelho e Pituba.
A essa altura, meados de junho, a situação da Bahia era a seguinte: Havia um governo constitucional em Salvador com uma junta governativa na Câmara e um comandante militar português rebelado e que dava ordens com a força das armas que dispunha (não se sabe o número de homens). Possuía sob seu controle uma armada marinha e os homens de negócios, mas perdera apoio da Câmara (nunca teve integral) e o rei de Portugal, Dom João VI, pai do proclamado imperador Pedro I, não lhe dava atenção; e do outro lado, uma junta de governo provisório (patriótico) instalada em Cachoeira, um exército com o brazão de SMI, fiel ao imperador, mas sob o comando de um oficial que havia destituido o general indicado por dom Pedro I (Labatut) e uma Marinha estacionada em Morro de São Paulo comandada pelo almirante Lord Crochane (enviada por dom Pedro I) e uma flotilha estacionada em Itaparica sob o comando do capitão de Mar e Guerra, Tristão Pio dos Santos, ambos sem forças suficientes para atacar a "Marinha" de Madeira ancoradas em Salvador entre as pontas de Santo Antônio (Forte da Barra) e Monte Serrat.
O conflito então entrou na fase diplomática no momento em que Madeira, ao tentar um último cartucho de apoio da Câmara, a junta indicada em carta vinda de Lisboa assinada pelo rei em guarda, Felippe Ferreira de Araújo Castro, em 12 de abril, e a chegada dos navios Conde de Peniche e Heroina, com apenas provisões de boca, o presidente nomeado Manoel Thomaz Peixoto não tomou posse , Madeira nomeou três vogais. A essa altura organizava sua retirada para Lisboa.
Ora, por que Lima e Silva não determinou que o exército avançasse mais e tomasse Salvador na bala e na ponta das baionetas?
Como vimos, anteriormente, desde Labatut, o exército pacificador era mal armado, alguns batalhões com voluntários que não sabiam participar de uma "guerra clássica", não tinha provisões adequadas e estava "esfarrapado". Portanto, imagina-se que temia, um derramamento de sangue e o melhor era ocupar alguns pontos estratégicos nas frentes de combates - Pirajá, Brotas, Pituba, Rio Vermelho - e vencer pelo cansaço e também pela fome como fizera Afonso Henriques contra os mouros em Lisboa, no "Cerco de Lisboa", em 1147.
No dia 24 de junho, uma deputação de negociantes da capital foi recebida por Lima em Silva em Pirajá "pedindo-lhe segurança de suas pessoas e propriedades, o que foi satisfeito". Em 30 de junho, no palácio do governo da Vila de Cachoeira, exarou o despacho garantindo a segurança dos suplicantes e Lima e Silva envia um longo comunicado aos comandos militares destacando que não houve "nada mais de sangue ou vingança" e que o governador Beléns e outros pudessem ser embrcar em paz na costa da Praia Grande, Plataforma. A junta governativa da Bahia em Salvador era presidida por Francisco Beléns, José Antônio Rodrigues Vianna e Francisco de Souza Carvalho (secretário).
Madeira de Melo, ainda temeroso de um ataque, indicou o Visconde do Rio Vermelho, Manoel Ignácio de Cunha Menezes, para intermediar sua capitulação e o visconde foi até o quartel de Pirajá e negociou a capitulação, pacífica, permitindo o embarque de Madeira e os que quisessem ir para Lisboa nas 86 embarcações que possuía.
Os historiadores Accioli e Braz do Amaral dizem que "não foi possível encontrar nos rgistros os nomes do oficiais indicados para a referida capitulação".
O certo é que na madrugada de 2 de Julho ao sinal ajustado de um tiro de canhão do forte de Santo Alberto, as 4 da manhã as tropas embarcaram nos portos da Gamboa, Arsenal e Noviciado e ao romper do dia a cidade estava semi-deserta. Somente horas depois foi que o Exército Pacificador entrou em Salvador, sem derramamento de sangue, sem lutas, porém, com toda honra e glória. (É o que veremos na terceira matéria)