Política

EMPREENDEDORES DE RUAS INVISÍVEIS EM SALVADOR, 5: O RELOJOEIRO XAVIER

Uma vida de trabalho num cantinho da Avenida Sete do comércio popular ocupando um espaço de 1 metros quadrado
Tasso Franco , Salvador | 19/05/2023 às 13:20
Esdras Xavier, 59 anos de idade, 40 de Avenida Sete
Foto: BJÁ
  A Avenida Sete de Setembro, em Salvador, concentra na atualidade o comércio de rua popular da capital baiana mais movimentado e abriga no trecho que vai das Mercês ao Convento de São Bento uma quantidade enorme de profissionais autônomos empreendedores de pequenos negócios em comercializações de brinquedos, confecções, bolsas, sapatos, sandálias, alimentos, livros, verduras, frutas, baianas de acarajé, relojoeiros, manicures, técnicas de enfermagem que medem a pressão arterial, enfim, um mundo multicolorido. A maioria desses agentes de negócios e serviços têm permissão da Prefeitura para atuarem nesses espaços, pagam taxas e impostos, mas vivem na informalidade.

  É um mercado imenso difícil de mensurar os ganhos de cada qual e quanto movimenta na economia da cidade, porém, sabe-se, pela quantidade de pessoas e de clientes que é uma cifra alta, milhões de reais ao mês, ainda que os produtos e serviços à venda e em oferta sejam de preços baixos se considerarmos os preços de produtos similares nos shoppings da cidade. A diferença pode estar na qualidade de um e de outro, mas a população de menor poder aquisitivo sabe disso, porém, pouco importa. E, claro, as cópias e falsificações das grifes são comuns e aceitadas com bom humor.

  Na Sete pode-se comprar um "perfume francês" por R$20,00 obviamente com a fragrância de um francês autêntico, o frasco assemelhado, a embalagem idem, mas se trata de um falsificado. Vende? E como. São muitas bancas de perfumes na avenida assim com de jeans - calças, blusas, saias, etc - cujos preços variam entre R$20,00 e R$30,00 no máximo a unidade quando nos shoppings e até nas lojas da Sete giram em torno de R$70,00 a R$100,00. Pouco importa. O importante é que se parecem com uma autêntica e são boas, duram muito tempo.

  E é na Sete, por posto, que estão as lojas dos chineses ou dos produtos baratos da China que vendem feito água, as farmácias populares, as óticas, médicos, dentistas, oculistas com preços módicos, um mundo onde a palavra de ordem é o preço baixo e o bom atendimento.

 RELOJOEIRO XAVIER

  Então, vamos falar de um desses personagens que trabalham na Sete, o relojoeiro Esdras Xavier, 59 anos, 40 na avenida com sua tenda que mede apenas 1 metro quadrado onde conserta relógios, troca micas, encurta ou aumenta as pulseiras, ajusta pinos, troca baterias, enfim, como ele mesmo diz: "Aqui tenho que dar um jeito no pedido do cliente e fazer o melhor para que ele fique satisfeito e volte sempre".

  Como Xavier consegue essa proeza?

  Ele responde: "Com dedicação, com trabalho, com paciência, e como estou na Sete há muitos anos já tenho minha freguesia de pessoas que presto serviço há muitos anos".

  Enquanto estava conversando com Xavier chegou uma senhora residente na Cidade Nova dá bom dia e diz: - Sêo Xavier trouxe esse relógio (tira o objeto de uma bolsa) para encurtar essa Pulseira que está folgada em meu braço.

  Entro na conversa e pergunto: - A senhora já conhecia o Xavier?

  "Oxe, de muitos anos. Trabalhei por quase 20 anos na Livraria As Paulinas aqui do lado (a livraria dista 20 a 30 passos da tenda de Xavier) e já sou cliente dele há muito tempo", diz.

  Mas não é longe sair da Cidade Nova (bairro de Salvador distante da Sete) e vir aqui concertar uma pulseira de relógio?

  "É nada. Eu trabalho atualmente na Boa Viagem (outro bairro de Salvador localizado na cidade baixa também distante da Sete e da Cidade Nova) mas venho sempre na Avenida e só quem conserta meus relógios é Xavier", confessa.

  Ele sorri, pega o relógio da senhora e inicia o serviço de encurtar a pulseira. Demora em torno de 12 minutos para concluir o trabalho após medir o encurte no braço da senhora, a qual, permanecia em pé (todos os clientes ficam em pé esperando a conclusão de um trabalho quando é rápido; quando não é ele dá um prazo) até a conclusão do serviço.

  Ajusta daqui, ajusta dacolá serviço feito.

  "Quanto Sêo Xavier?", ela pergunta; e ele responde R$10,00. Ela tira o dinheiro da bolsa R$50,00 e lhe entrega. Ele diz: Vou aqui na farmácia rapidinho trocar para lhe dar o troco. Levanta-se, vai na farmácia e volta em menos de 5 minutos com o dinheiro trocado e devolve R$40,00 a mulher. Operação concluída ela diz: "Tchau Sêo Xavier, tchau moço pela conversa". E partiu entrando no beco da Farmácia (ao lado do Edificio Totônia) e se dirigindo a Carlos Gomes para pegar o ônibus.

  A conversa segue com Xavier: - Você não usa pix e cartões para atender seus clientes.

  "Não. Os serviços são baratos R$10,00 a R$20,00 um conserto maior chega a R$50,00 e é tudo no dinheiro vivo. Aqui na Avenida muita gente já recebe pix mas estou ainda na antiga e tudo bem".

  E há quanto tempo você está aqui?

  "Tem muitos anos. Comecei como ajudante de um relojoeiro que tinha no Beco da Forca" num ponto quase em frente da Praça da Piedade e foi astuciando o que ele fazia e aprendendo. Quando ele saia para almoçar ou ir nalgum lugar por aqui eu ficava tomando conta da banca e fui atendendo os seus clientes, fazendo pequenos serviços e com o tempo aprendi essa arte, desmontei um relógio e depois montei minha tábua (banca pequena) alí onde é o banco Itaú, em frente a Piedade, e depois vim pra aqui, ao lado desse beco e que fica em frente  à igreja de São Pedro".

  Você não tomou curso para aprender essa arte?

  "Aprendi tudo na Avenida, na rua, e vivo desse trabalho, eu e minha família. Essa Avenida é o nosso mundo, meu e de muitas pessoas".

  Natural de Salvador, Xavier diz que está satisfeito com a vida que tem, diz que dá sua contribuição ao país, mesmo como pequeníssimo empreendedor que é (também vende pulseiras de relógios) e nem perguntei a ele se pretende mudar, ampliar seu negócio diante dos cabelos brancos de sua cabeleira e da paz interior em que vive.

  Última pergunta: com as novas tecnologias e relógios sendo vendidos a R$10,00/R$20,00 ainda tem gente que conserta relógios? Seu negócio diminuiu?

  "Continuo trabalhando como sempre trabalheir. Tem esses relógios baratos que duram pouco e ninguém conserta, mas, as pessoas sabem disso e tem muita gente, a maioria, que tem relógios mais caros, bons relógios e que precisam sempre de manutenção, de trocar bateria, mica, pinos, peças. Às vezes a pessoa bate o relógio em algum luygar, estraga, né, e estou aqui para consertar e deixar novo.