Política

OS NEGROS EM PARIS EM BUSCA DE MAIS ESPAÇOS NA SOCIEDADE FRANCESA (TF)

Muitos ainda são invisíveis e ocupam posições subalternas na sociedade
Tasso Franco , sALVADOR | 26/08/2022 às 08:56
Negros confabulam num café na Place Républicque
Foto: BJÁ
   Paris é uma cidade que abriga gente de todas as partes do planeta. A "ville" nos circuitos do turismo tem mais cidadãos estrangeiros do que franceses, quer entre os visitantes; quer entre aqueles que atendem os visitantes nos pontos do turismo, bares, restaurantes, tendas de souvenirs e outros. Falam-se várias línguas embora a oficial da cidade seja o francês. Há uma montanha de asiáticos e muitos negros. 

  A capital da França tem um considerável percentual de negros e eles ocupam as mais diversas posições na sociedade, embora, a maioria deles, em trabalhos considerados menos qualificados - lixeiros, entregadores de comidas, bebidas e encomendas diversas, cozinheiros, garçons, ajudantes na construção civil, ferreiros, atendentes em  lojas, guardadoras de crianças, técnicos de enfermagem e outros - ainda há muitos deles nos esportes olímpicos na seleção de futebol da França, nas áreas de saúde e na assistência social, segurança, mecânicos e nas Forças Armadas, em especial no Exército.

  A região norte da cidade tem bairros com grande quantidade de negros, sejam africanos ou caribenhos: Château d’Eau, Château Rouge, área da estação do metrô de Clignancourt onde se situa o Mercado das Pulgas, e também nas bidonville (favelas, cidade de lixo) instalada em uma linha de trem abandonada, a mais famosa o Boulevard Ney onde vivem búlgaros, ucranianos, moldávios, sírios e imigrantes do norte da África. 
 
   O tema racismo como conhecemos no Brasil não é tratado de forma permanente na midia francesa. Os destaques ficam por conta de um ou outro caso que venham a ocorrer e até na última campanha presidencial que terminou em 24 de abril último, a abordagem se deu dentro do campo dos imigrantes, quer africanos ou de outros países, mais posto pela candidata da direita, Marine le Pen, que se manifestou contra o acolhimento à imigração defendendo uma França para os franceses. 

   Esse discurso tem dado bons resultados para o seu partido o RN - Reagrupamento Nacional  - mais conhecido como Front National (FN) - e a levou a disputar o segundo turno contra Emmanuel Macron, o presidente reeleito, um centrista. A esquerda de Melechon (Niupes) trata o tema defendendo uma política de melhor salário mínimo em torno de 1.800 euros sem descontos. Não trata a questão do negro de forma diferenciada.

  A França é simpática a imigração e ao acolhimento de expatriados, hoje, os ucraniados expulsos do país diante da guerra contra a Rússia, em maior escala, mas, há resistência e limites dentro do próprio governo temendo que haja uma deteriorização na sociedade. 

  Paris, que havia extinguido as favelas na década de 1990 voltou a tê-las e isso preocupa o governo, como urbanizar decentemente essas áreas invadidas muitas com barracas de lonas e como integrar esse pessoal ao mercado de trabalho. Há uma quantidade enorme de barracas tipo camping instaladas a beira do Rio Sena, na Bastilha, onde as assistentes sociais cadastram esse pessoal e procurarm fazer encaminhamentos.

  Os negros estão integrados na sociedade francesa, evidente, a maioria num segundo plano, mas, isso não significa dizer que o racismo foi suprimido. Há casos e casos e eventuais protestos na Place da République, sempre. Mas, nada que se assemelhe ao que aconteceu nos Estados Unidos com o assassinato de George Floyd, afro-americano que foi morto em 25 de maio de 2020, depois que Derek Chauvin, então policial de Minneapolis, ajoelhou-se no pescoço dele durante oito minutos e quarenta e seis segundos, enquanto estava deitado de bruços na estrada.

  AS GUERRAS MUNDIAIS

  Escrever sobre esse tema é de uma imensa complexidade mesmo se tratando de uma crônica como a que faço.  A presença de negros na sociedade francesa se inicia de forma mais intensa a partir da I Guerra Mundial, em 1917, segundo o historiador Pap Ndiaye, quando cerca de 200.000 soldados negros norte-americanos chegaram no território francês para descarregar barcos e participar da guerra e tiveram seu primeiro contato com outra sociedade, na qual negros e brancos se misturavam sem nenhum linchamento ou ameaça. Logo, perceberam que a realidade que viviam nos Estados Unidos era muito diferente.

  A França, então, passou a ser um dos lugares para fugir da segregação racial nos EUA após a Iª Grande Guerra. No embalo, artistas negros americanos fugiram da segregação racial e encontraram asilo em Paris, com uma primeira onda mais visível desembarcado na década de 1920 entre eles: Joséphine Baker, Sidney Bechet, Langston Hughes, Harlem Renaissance, entre outros.

  Durante a II Guerra Mundial (1939/1945) a imigração se tornou mais intensa. A França celebrou no último dia 15 de agosto, em Saint-Raphael, Costa do Mediterrâneo, os 75 anos do desembarque de tropas na região da Provença. Em 1944, mais de 350 mil militares franceses chegaram às praias na reta final da Guerra Mundial homens que foram trazidos das colônias na África, na Ásia e na Oceania para reagir à ocupação nazista, numa grande ofensiva contra as forças de Adolf Hitler.

  Foram colônias francesas até meados do século XX: Marrocos, Tunísia, Guiné, Camarões, Togo, Senegal, Madagascar, Benin, Níger, Burkina Faso, Costa do Marfim, Chade, República do Congo, Gabão, Mali, Mauritânia, Argélia, Camarões, Djibouti, República Centro Africana. Com o fim da IIª Grande Guerra muitos africanos não retornaram aos seus países de origem e passaram a residir na França. Se consideravam franceses uma vez que integravam o Império.

  Ao longo dos anos, sobretudo nas décadas de 1960/1970, esses paises se tornaram independentes, mas, o caldo de cultura permaneceu. E, em alguns deles (a maioria), a língua oficial é o francês e, embora as culturas locais tenham se modificado e voltado às suas origens, permaneceu a influência francesa, nas artes, na música, na economia, no direito e assim por diante. 

  Há, portanto, ainda nos dias atuais, uma relação muito forte entre a França e essa parte da África, a chamada África Ocidental Francesa. Os espetáculos musicais no Marrocos até se confudem com os franceses. E os negros de familias ricas mandam seus filhos estudarem em Paris e outras cidades francesas, especialmente nas universidades.

  Ademais, já que seus antepassados lutaram em defesa da França contra o nazismo os africanos desta região se sentem franceses e muitos querem morar sobretudo em Paris. A França com seu lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” é o país onde eles podem exprimir suas ideias livremente. É certo que muitos dos países africanos que se livraram do jugo do Império francês se transformaram em ditaduras, algums sanguinárias.

   Vale observar, também que, a partir dos Estados Unidos houve uma relação muito forte entre o mundo negro e o jazz, Paris sendo a capital do jazz para eles, ainda hoje como muitas casas de shows de jazz.

   O Paris Preto de hoje se descobre nos bairros populares que envolve Chatêau Rouge, Goutte d’Or e a parte baixa Montmartre. Apesar de ser uma área urbana sensível, a região possui sinais de imigração com uma grande diversividade cultural. É possível observar maior movimentação, variedade de lojas/produtos e presença de comércio informal, reforçando a identidade negra de Paris dos dias atuais. Na feira livre de Montemartre existem muitas tendas com produtos africanos, de obras de arte a tecidos.

   Os estudiosos do assunto dizem que os negros dos anos 30 eram mais aceitos pelos franceses que a força de trabalho imigrante dos anos 70. Porém, cada componente da diversidade precisa que sua história seja reconhecida, para então se fundir às massas e se tornar visível. Uma boa parte desses negros compõem uma massa ainda invisível considerando que ocupam posições menos relevantes na sociedade. Por exemplo: os entregadores de comidas e bebidas delivery em motos, bikes e a pé, estão passando por um momento que esperam não sejam permanentes. Essa enorme categora, não existia na década de 70/90.

  Os dados do estudo feito pelo instituto Sofres, em 2007, revelam a existência de 1 milhão e 865 mil negros com mais de 18 anos, o que representa 3,8 porcento da população francesa. Essa pesquisa quebra a tradição republicana da França que sempre evitou censos baseados na etnia. Desta vez, a contagem foi pedida pelo Conselho Representativo das Associações Negras, o Cran, para o qual é indispensável mostrar representatividade quando se quer chamar a atenção dos candidatos em campanha para a eleição presidencial. 

  O presidente do Cran, Patrick Lozès, confessou que ficou chocado ao saber que 61 por cento dos negros da França se sentiram discriminados nos últimos doze meses. Para reagir contra esse sentimento, Lozès quer que 8 por cento dos deputados e membros do governo sejam negros. Louis-Georges Tin, porta-voz do Cran, disse que se trata de corrigir uma deficiência social e ser negro é uma deficiência social.

  Vê, pois, o quanto ainda têm que conquistar. É uma luta permanente passando sobretudo pela requalificação profissional. (TF)