Direito

Miriam Leitão relata torturas sofridas durante a ditadura militar

Ao portal 'Observatório da Imprensa', jornalista contou detalhes da prisão.
Grávida do primeiro filho, foi deixada nua junto a cobra em quarto escuro.
G1/RJ , RJ | 20/08/2014 às 15:54
Ficha de Miriam Leitão
Foto: ARQ
Mais de 40 anos se passaram e a jornalista Miriam Leitão ainda aguarda um pedido de desculpas das Forças Armadas. No final de 1972, grávida, ela foi presa pelo regime militar. Levada ao quartel do 38º Batalhão de Infantaria do Exército, em Vitória, no Espírito Santo, foi trancada nua em um cômodo, tendo uma cobra como companhia e ameaça. 

Em dois meses de prisão, chegou aos 39 quilos – 11 a menos do que quando chegou. Em depoimento ao jornalista Luiz Cláudio Cunha, publicado nesta terça-feira (19) no "Observatório da Imprensa", ela revela os detalhes do que sofreu no cárcere.
Miriam diz que Luiz Cláudio vinha tentando convencê-la a contar sua história para o público, mas ela resistia. "Nunca achei que minha história fosse importante, não quis tornar público detalhes, outros brasileiros sofreram mais que eu, muitos perderam a vida. Minha história ficou apenas no primeiro capítulo diante do que aconteceu com outras pessoas", disse ao G1.

É desse ato de reconhecimento do erro que nasce a certeza de que o erro não vai ser repetido"

Miriam Leitão

Mas, segundo disse, sem mágoas ou ódio, nem nunca ter pedido indenização nem querer isso, decidiu contar, mesmo não achando seu caso relevante dentro do contexto das perseguições políticas.

"Acho que é fundamental do ponto de vista institucional as Forças Armadas pedirem desculpas ao país pelos erros que cometeram, porque assim foi em outros países. Assim se começa uma nova história. Hoje, alunos de colégios militares estudam em livros com narrativas que não correspondem aos fatos. É desse ato de reconhecimento do erro que nasce a certeza de que o erro não vai ser repetido", declarou.

Apesar do impacto do novo relato, a jornalista ressalta que o depoimento ao 'Observatório da Imprensa' não foi a primeira vez em que denunciou a tortura sofrida e os requintes de crueldade, como o uso de animais para aterrorizar os presos. "A primeira vez que falei essas coisas publicamente foi em 1973 diante do Tribunal Militar. Está no processo que me julgava, a cobra, os cachorros. Colocaram de forma reduzida, mas falei isso em 1973", explicou a jornalista, que foi processada com base na Lei de Segurança Nacional.

Seu companheiro à época, Marcello Neto, preso juntamente com ela, passou nove meses em uma solitária.

A jornalista disse que falando sobre o caso quer contribuir "um grãozinho que seja" para o reconhecimento de erros cometidos pelo Estado durante a ditadura:
"Decidi comigo mesma e minha consciência e estou tranquila com isso. Sei que estou me expondo, é uma história dolorosa, mesmo sabendo que foi menor, comparando com a de outras pessoas. Tenho cicatrizes, mas não me arrependo de ter dado esse depoimento. Não tenho mágoa nem ódio, só gostaria que minha palavra ajudasse num esforço nacional para que reconheçam o erro".

Segundo Miriam, as Forças Armadas recentemente fizeram um documento "desrespeitoso à nossa inteligência e à nossa memória".

"Afirmaram que não houve desvio de função dentro das instituições militares e nós sabemos quantos foram torturados e mortos dentro das instituições militares. Hoje, as Forças Armadas prestam um serviço maravilhoso ao país em várias áreas. Mas é preciso romper com esse passado, e reconhecer o erro para o próprio bem das Forças Armadas", completou.
Dr. Pablo