Cultura

SERRINHA NO TEMPO DOS MEUS AVÓS (1880-1960): AS ATIVIDADES ESPORTIVAS

O futebol foi o único esporte praticado na cidade a partir de 1918 e predominou por 60 anos, como pioneiro e único
Tasso Franco , Salvador | 11/12/2025 às 14:52
O Serrinhense, década de 1930, era comum jogadores com toucas
Foto: BJÁ
     13. ATIVIDADES ESPORTIVAS


  Durante os primeiros 200 anos da história de Serrinha (1723-1923) ninguém praticou atividades esportivas numa população estimada entre 500 (1750) a 20.000 (1920) habitantes e no tempo dos meus avós (1880-1960) somente era praticado o futebol amador. 

   Com a inauguração do Ginásio Estadual do Nordeste, 1952, iniciou-se a prática de exercícios físicos numa matéria obrigatória que se intitulada Educação Física e foi ministrada por um tenente da PM, Brito, que não tinha formação universitária.

   Ora, a pergunta que se faz é: o que aconteceu com essa população que não praticava exercícios físicos e atividades esportivas? Morreu? Sofreu consequência graves?

   Ora, a pergunta que se faz é: o que aconteceu com essa população que não praticava exercícios físicos e atividades esportivas? Morreu? Sofreu consequência graves?

    Nada. Não aconteceu nada. Claro, uma ou mais pessoas podem ter morrido de infarto, como acontece também nos dias atuais em que se propala, se difunde, se vende, atividades físicas – cooper, academias, pilates, natação, musculação, etc – como se fosse a salvação.

    Então, o que se observa é que as atividades físicas são práticas saudáveis, porém, quem não as praticam não estão condenadas à morte.

   Há um excessivo marketing em torno desse tema e as pessoas precisam de orientações para não embarcarem, como muito o fazem, em exercícios e práticas esportivas muito pesadas que estouram joelhos e outras articulações do corpo.

   No tempo dos meus avós, em Serrinha, dividiria essa temporalidade entre 1880-1919 quando nasceram e se tornaram jovens e depois adultos sem nenhuma prática esportiva; a segunda fase vai de 1919 até 1952 quando surge o futebol, ainda chamado de “football” – em inglês (foot – pé; ball – bola; ou seja jogo de bola com os pés) e o ginásio estadual que tinha matéria educação física; e a terceira fase, de 1952 até 1964, quando o último dos meus avôs faleceu, o início das práticas do handeball (hand = mão, ou jogo da bola com as mãos e do volleyball (volley – voleio, o jogo da bola sendo rebatido sem deixar cair no chão, o que também era praticado pelas mulheres.

   Em Serrinha, o futebol foi uma prática esportiva reservada aos homens e as mulheres, no máximo, tinham o direito de ser madrinhas de algum time.

   Com o passar do tempo esses esportes aportuguesaram para futebol, vôlei e handebol. 
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  Quando o futebol foi implantado em Serrinha pelo comerciante José Pinheiro Alves os times por ele fundados também tinham nomes em inglês: Sport Club Football Botafogo e Sport Club Football Guanabara e o goleiro era chamado de “goalkeeper”, o zagueiro de “back”, o centro avante ou atacante era “center forward” e o campo na praça Miguel Carneiro (hoje, conhecida como praça da Catedral Basília) era “ground” (chão).

    O Jornal de Serrinha edição de 17 de janeiro de 1919 assim noticiou: “O sportismo na cidade: Nasceram agora duas sociedades de footbaal por inspiração dos moços do nosso commercio; Guanabara (cores verde e branco) e Botafogo (vermelho e branco) () Eles se apresentaram em campo, pelejando intrepidamente para a defesa dos seus goals, a fim de que o inimigo não consiga vara-los () O campo preferido para o encontro dos dois teams é o da Praça Miguel Carneiro () Serviu de referee (juiz) o negociante desta praça José Pinheiro Alves, presidente da coligação”.

   É provável que meus avós tenham assistido esse jogo e até meu pai que, a essa altura estava com 9 anos de idade, mas não tenho certeza dessa afirmativa. Como a cidade era pequena e o futebol uma novidade, segundo o JS a população compareceu em massa “e vae despertando entusiasmo pelos applausos que partiram de lado a lado”.

    O certo é que meus avós não jogaram futebol. Já estavam com mais de 30 anos de idade, meu pai, nessa época com 9 anos e minha mãe com 2 anos, esporte que era praticado pelos jovens de 17 a 18 anos, destacando-se Carlito Nogueira, Mário Simões, Antônio Máximo e Ismael Marques os bons de bola.

 É Pinheiro Alves, organizador dos dois times que deram inicio ao futebol em Serrinha, comerciante na praça-campo e também juiz que organiza a primeira seleção serrinhense, intitulada Serrinhense Foot Ball Sport Clube para enfrentar o Sport Club Rio Branco, de Alagoinhas, match que aconteceu no dia 21 de fevereiro de 1919. 

   Os registros da época são fantásticos, desde a recepção ao Rio Branco na gare do trem, flores, discursos, salva de 21 tiros de revolver, solenidade no hall do hotel até a partida no “ground” (chão) da Miguel Carneiro, que terminou 0x0, evento coroado com um baile no Paço Municipal.

   A seleção serrinhense jogou com Trasybulo, Mário, Carlito, Euvaldo e Ranulfo; Ismael, Victor e Antônio. Nozinho, Zelinho e Cardosinho.   

   Vale observar que o futebol nasceu organizado pela elite, pela classe dominante, porém, desde os primórdios – também em Serrinha – era (e ainda é) um esporte democrático que abrigava todos os filhos da terra, sem discriminações sociais ou de etnia, tanto que um dos destaques da seleção de Serrinha, o meio campista Victor, era marceneiro e o jovem zagueiro Euvaldo (Campos), um classe média, posteriormente, nomeado delegado de Polícia, diante seu porte físico. Era um “back” (zagueiro) viril.

   O futebol foi a tábua de salvação do esporte e predominou praticamente sozinho durante 60 anos até que surgiu de forma organizada o judô, o basquete e atletas isolados no atletismo e em corrida de rua, mas, essa é uma história que não vale contar aqui porque temos um momento temporal 1880-1960.

   Se meus avôs e meu pai, nem meu irmão Bráulio, jogaram futebol, eu, nascido em 1945, portanto dentro do período do tempo dos meus avós com quem convivi por 15 anos, me entreguei de corpo e alma ao futebol. 

  Morava na Miguel Carneiro, a essa época (1945) também chamado Largo da Usina porque abrigava os motores que forneciam energia à cidade, somente nas ruas, num barracão (hoje, sede da catedral basílica) que se chamava Usina de Energia, largo já ocupado por casas e armazéns e o campo de futebol da cidade para os jogos dos times amadores foi transferido para área onde hoje há uma Policlínica da SESAB, mas, a praça era livre e ainda sem calçamento e local onde praticávamos os babas (peladas) desde criança.

   Não havia técnica alguma e era como dizíamos na época: 10 na linha e 1 no gol. Correr atrás da bola, quer fosse de plástico (a maioria) ou de couro. Jogar com uma bola número 5 de couro era a glória, porém raríssimo. 

   Claro, o futebol entre os adultos era mais organizado, os times tinham padrões de camisas, os jogadores usavam meiões e chuteiras, alguns portavam gorros nas cabeças, havia uma liga e os jogos tinham juiz com os campos sinalizados e uso das traves, redes e regras a seguir.

  Mas, no geral, era tudo amador, sem técnica apurada, sem técnicos, sem preparo físico adequado, sem massagistas, sem suporte de profissionais da educação física ou da medicina. Mas, claro, com paixão, torcidas organizadas.

   Na Serrinha do tempo dos meus avós o clássico era Vasco x Serrinhense, este último o mais destacado time local, quase imbatível.  Sua equipe era constituída por: Bacalhau, Benjamin e Zé Ramos; Eurico, Albino e Neco; Nelson, Panema, Santana, Aurelino e Zequinha (1930).  

  Destaque para os irmãos Ramos e Eurico (Paes) primo de minha mãe filho de Cornélio Paes. A Liga Serrinhense de Desportes Terrestres nasceu em 1947 organizada por Pedro Burgo, Zé Ramos de Menezes e José Dusdédito de Carvalho e ao longo dos anos surgiram outros times como o América, Flamengo e Ferroviário.
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   Ainda no tempo dos meus avós o que vai modificar esse panorama foi a instalação do Ginásio Estadual, em 1952, com a obrigatoriedade das aulas em educação física e a prática de esportes alternativos – vôlei, handebol – que nasceu mais por iniciativa dos alunos do que da direção do colégio. 
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  Vale uma lembrança: Nos primeiros jogos das Olimpíadas da Era Moderna, em Atenas 1896, havia 9 esportes com um total de 43 provas: Atletismo, Ciclismo, Esgrima, Ginástica, Halterofilismo (Levantamento de Peso), Lutas, Natação, Tênis e Tiro, sendo que o Atletismo foi o carro-chefe, com corridas, saltos e lançamentos, e as mulheres eram proibidas de competir. Catorze países participaram dessa olimpiada. 

  Quatro anos depois, em Paris,1900, foram disputadas competições em cerca de 20 a 24 modalidades esportivas: Atletismo, Esgrima, Natação, Tênis, Golfe, Hipismo, Remo, Vela, Futebol, Críquete, Rugby e Tiro marcando a primeira vez que mulheres competiram oficialmente. O basquete surge na Olimpíada de Berlim, 1936; e o voley, em Tóquio, 1964. 

   Veja que curiosidade: Em Serrinha não se praticava nenhum desses esportes, salvo o futebol que estreou nos Jogos Olímpicos de Paris, 1900. E até 1960, as informações sobre esses esportes eram rarefeitas, ninguém sabia o que era esgrima, tênis, remo, hipismo, embora tivéssemos muitos cavalos, animal essencial na comunidade.

  E outra curiosidade é que jogávamos voley numa quadra improvisada do ginásio, eu estava na terceira série (1959) e era o levantador de Renatinho Nogueira. 

   Mas, quem foi que armou a rede e conseguiu a bola para jogarmos? E quem nos ensinou a arte de tocar a bola (mais leve) com as pontas dos dedos? 

   Não me recordo. Sei que antes do voley se tornar um esporte olímpico já jogávamos em Serrinha, no ginásio, ao nosso modo usando as regras básicas desse esporte – três toques na bola (recepção, levante e cortada) em direção ao adversário.

  Fechemos o pano: meus avós faleceram nas décadas de 1950 e 1960 e não conheceram nada disso.

 Quando aconteceu no Brasil, Rio, a Copa do Mundo de Futebol, em 1930, vencida pelo Uruguai, somente os apaixonados pelo futebol em nossa cidade tiveram informações sobre esse episódio. Enquanto houve uma comoção no Rio, em Serrinha, sem comoção.

Próximo capítulo: o Natal e a Virada do Ano