Cultura

ROMANC: ROSA DE LIMA COMENTA "A OUTRA PRINCESA", DE DENNY S. BRYCE


Livro, portanto, que analisa o comportamento humano e como uma pessoa pode enfrentar tantas mudanças e adversidades e sobreviver com dignidade
Rosa de Lima , Salvador | 07/11/2025 às 15:16
A Outra Princesa de Denny S. Bryce
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  A história, de fato, é fascinante. Em meados do século XIX guerreiros do Reino de Daomé invadiram o Reino de Egbá numa guerra tribal e provocaram uma carnificina. A princesa Aina, menor de idade, vê sua família ser exterminada e é raptada e escravizada pelo despótico rei Guezo. Por milagre sobrevive e, adiante, numa ação diplomática de Guezo com a Inglaterra foi presenteada a rainha Vitória, típico da época, ‘presente de um rei negro a uma rainha branca’.

  Claro que, na vida real, além desse tipo de gentileza, a Inglaterra negociava armas e outros produtos e pilhava áreas do continente africano levando para seus cofres pedras preciosas, em especial, os diamantes. O Império Britânico dominou durante muitos anos vários países no continente africano até que as revoltas dos anos 1960 os expulsaram. Mas, até os dias atuais, inclusive, a língua predominante e a cultura inglesa são os modos de vida da maioria dos africanos, na educação, no direito e assim por diante.

  A historiadora Denny S. Bryce, escritora e autora entre outros de “Wild Woman and the Blues” – história romanceada de mulheres negras que viviam do jazz durante a Lei Seca nos Estados Unidos, pesquisou a história de Sarah Forbes Bonetta, a princesa iorubá que cresceu na corte da rainha Vitória e escreveu o livro “A Outra Princesa” (BERTRAND BRASIL, RJ, 2024, tradução de Felipe Ficher e Petê Rissatti, 400 páginas, R$62,00 nas livrarias e internet) um romance histórico em que narra exatamente a trajetória de Aina, seu sofrimento, sua mudança de status e comportamento, a resiliência, enfim, como enfrentou todos essas alterações em sua vida sem perder de vista a sua ancestralidade.

  Afinal era uma princesa do Reino de Oiá e a cultura estava enraizada em sua personalidade embora no momento em que foi sequestrada fosse menor de idade. Mas, com o passar dos anos e querendo recompor sua identidade não consegue retirar a África de si e busca conhecer o seu passado e a história do seu povo. 

   Uma obra no estilo visceral que evoca emoções intensas, profundas e instintivas e a autora, desde o início na parte I se utilizando de um capitulo intitulado “A irrigação das sepulturas” retrata as condições de vida na África Ocidental, 1848, o cotidiano entre os egbás e a rivalidade com os daomés, antes povos integrantes do todo poderoso Império Oió, agora inimigos diante de contendas por produtos comerciais.

   Dá-se, nas primeiras linhas, o massacre dos egbás e da família de Aina, a pequena se tornando a única sobrevivente da sua prole e jogada numa tenda com centenas de outras pessoas da cidade de Okeadon, onde, inicialmente, vai conhecer Monife, uma juvenil ladra e esperta, que, ao menos lhe dá suporte inicial para se manter viva, até que é doada como presente a corte da rainha Vitória , inicialmente levada a Sociedade Missionária da Igreja em Badagri e conduzida para Londres no encouraçado HMS Bonetta, onde começou a aprender a falar inglês com o grumete William.

   A autora evoca a memória ou puxa pela memória de Aina durante a travessia do Atlântico: “Quando o HMS Bpnetta se aproximou da costa da Grã-Bretanha, eu estava pensando nas histórias. Aquelas que minha mãe me contava. Tinha um valor moral ou espiritual, transmitiam paz de espírito e ensinavam lições sobre a vida e o viver, mesmo que a maioria das coisas preciosas tivesse sido tirada de mim”.

   Quando o Bonetta chegou ao porto de Gravesend, lembra Aina, “as pessoas estavam por toda a parte, pessoas de todos os jeitos, pretos, brancos, altas, baixas, gordas, magras, vestidas com saias e blusas, calças e camisas () O comandante Forbes disse que íamos de carruagem para minha nova casa. Um mordomo enviaria nossa bagagem e outros itens para a casa mais tarde () Fiquei decepcionada que a rainha não estivesse esperando por mim no píer, mas outras coisas tomaram meu pensamento. () Meu primeiro passeio de carruagem foi memorável”.

   O leitor pode perceber um corte diferenciado na narrativa e na vida de Aina, que deixa a condição de uma humana tribal para ir viver numa civilização diferencial e que ele não conhecia, não só pela língua, mas, também, nos usos e costumes, na indumentária, na gastronomia e assim por diante. Uma mudança cultural muito grande e intensa a qual ela precisava de um esforço enorme para se adaptar.

   E, claro, ela se esforçou muito para isso e até tentou se inserir na corte como se fosse estimada pela rainha Vitória, o que, de fato acontecia, porém, só em termos ou ocasiões fortuitas. Na real, ela era vista como uma pessoa exótica e integrante de uma outra cultura. Havia, portanto, um choque de identidade dos dois lados e quem mais sofria com isso, ou sentia esse drama era a africana.

  Ou seja, entre a África Ocidente e o Castelo de Windsor existiam obstáculos e barreiras senão instransponíveis, mas, difíceis de serem superadas. Na corte, no entanto, Aina descobre o amor, se apaixona por um inglês (Freddie) e quando diz que o ama, ele hesita, também diz que a ama, mas, talvez ela o veja como um “amor de irmãos.

  Afinal, mais adiante, Aina se envolve num arranjo matrimonial com um capitão da armada inglesa (James Davies), a rainha exige que ela aceite o pedido do casamento senão poderia ser exilada em Brigthon, ela se casa e retorna a África para a Colônia de Lagos onde vai se moldar a nova realidade (Um ano depois, finalmente percebi que meu marido fazia o possível para me agradar), com altos e baixos, a concepção de filhos e o retorno a sua origem.

  O leitor pode perceber que o livro tem um enredo aparentemente simples, de uma princesa africana que, na inicial vive o drama de perder a família numa guerra tribal, é ofertada a rainha da Inglaterra como mimo de um rei negro, de acultura em Londres e se ambienta no mundo da corte e se vê obrigada a aceitar um casamento com um britânico que sequer conhecia, não o amava (seu coração já estava pendente a outro), mas, é obrigada a aceitar o matrimônio e retorna a África como uma espécie de missão.

Livro, portanto, que analisa o comportamento humano e como uma pessoa pode enfrentar tantas mudanças e adversidades e sobreviver com dignidade.