Meus avós sequer utilizaram a 1ª tec do ar, o ventilador elétrico por falta de energia na cidade
Tasso Franco , Salvador |
05/11/2025 às 22:40
A casa dos meus avós paternos na Guariba, Matão, 1905, com varanda para captar o ar
Foto: sERAMOV
8 – O AR
Dos quatro fenômenos da natureza que estamos analisando neste livro – terra, água, fogo e ar – segundo o Velho Testamento da bíblia (Gênesis) vitais para a sobrevivência e perpetuação das espécies humanas e animais, vegetais e tudo mais que está na terra (planeta) olhando a perspectiva no tempo dos meus avós, sertão da Bahia (1880-1960), o ar era o mais democrático.
Embora todos tenham sido criados por Deus a terra, na Bahia, quando meus avós nasceram e se criaram em Serrinha já tinham donos. No inicio da colonização portuguesa na Bahia, o rei Dom João III, que morava em Lisboa era dono de tudo no Brasil e dava terras aos fidalgos da corte.
Com a implantação das Capitanias Hereditárias a Capitania da Bahia foi doada a Francisco Pereira Coutinho, em 1536. Com sua morte e implantação do Governo Geral, em 1549, Salvador como sede, o governador Thomé de Souza, retomou as terras que pertenceram a Pereira Coutinho e distribuiu várias sesmarias na capital e no interior.
As terras onde se situavam o território de Serrinha foram doadas a Antônio Guedes de Brito latifundiários com terras entre o Jacuipe e Itapicuru. A área onde se situa o povoado da Serrinha foi comprada aos descendentes Isabel Guedes de Brito, herdeira da Casa do Ponte.
Á água era um bem público – a dos açudes – e a que caía do céu. Para armazenar a água em tanques cada família tinha que fazer um investimento construindo um tanque de cimentou ou no solo.
O ar, de todos os fenômenos da natureza era o único totalmente democrático porque ninguém pagava por ele em quaisquer classes sociais.
A bíblia descreve o ar como um presente de Deus, essencial para a vida. Em Gênesis 2:7. “Deus soprou de suas narinas o fôlego da vida” numa conexão com a vida humana. Portanto, ar limpo e não prejudicial.
Ar em hebraico significa vento e a população do interior da Bahia na época dos meus avós usava os dois termos associando mais vento a ventania; e ar era aquilo que se respirava normalmente. Se dizia: “aqui está um ar fresco” e/ou “um ar quente” e não um vento fresco ou vento quente. Quando o ar era (vento) forte se dizia ventania.
Até hoje a religião cristã explica por que Deus só colocou esse ar limpo na Terra, uma vez que sendo o criador do Universo, os humanos, nem animais e nem plantas conseguem sobreviver em Marte ou qualquer dos outros planetas do sistema Solar.
Nesses planetas também existem ar alguns sulfurosos, outros gelados demais, e Vênus tem o ar mais venenoso e inóspito. São os mistérios do universo e que a ciência vai desvendando ao longo dos séculos.
A bíblia registra ventania como punição de Deus. Em Oseas 8:7 registra-se a metáfora: semeiam vento, colherão tempestades”. Ou seja, más ações levam a consequências ruins. Tempestade se tornou sinônimo de destruição (e é, na real).
O vento também representa uma ação do Espírito Santos. É difícil entender esse enunciado. No evangelho de João 3:8 Jesus usa a comparação do vento para explicar a ação do Espirito Santos: “O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito Santos.
A passagem bíblica mais conhecido do vento está em Êxodo na travessia do Mar Vermelho quando o vento abre as águas do mar, permitindo que o povo de Israel atravesse com segurança.
Por ordem de Deus, Moisés estendeu um cajado sobre a água e o mar abriu a passagem. O cinema popularizou esse feito e existem vários filmes sobre esse episódio, o mais famoso e popular o de Cecil B. DeMille, de 1954, com Chralton Heson no papel de Moisés.
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Vamos, então, ao que interessa que era como usar o ar (vento) no território de Serrinha no tempo dos meus avós (1880-1960). Parece uma coisa simples uma vez que todo mundo respirava e vivia numa boa.
Havia, no entanto, algumas peculiaridades e detalhes importantes de serem observados e praticados para que as famílias se beneficiassem do ar. Uma dessas questões era escolher o local onde se construía uma moradia urbana ou rural. Era, portanto, necessário observar o movimento do ar (vento) para que a residência fosse o mais agradável de se morar, uma vez que não existam (ainda) as tecnologias do ar condicionado, ar refrigerado e ar renovado através de ventiladores.
A casa devera ser erguida num altiplano (rural) e com o frontispício voltado para à nascente, nunca para o poente. E deveria ter várias janelas e uma varanda exatamente para circular o ar. As pessoas mais pobres e que não podiam ter varandas procuravam sempre colocar uma ou mais janelas nas casas.
Assim sendo, respeitava-se, em princípio, os ensinamentos da bíblia e temia-se a ventania embora, em Serrinha, não tivesse mar, rio, montanhas e canyons.
A terra (planeta) como sabemos é imensa 510.000.000 quilômetros quadrados e tem dois polos bem identificados: o Norte e o Sul, ambos gelados e com ventos fortíssimos. Mas essas áreas também são habitadas pelos homens, peixes e animais. Cada qual no seu espaço: um urso polar não resistiria se viesse morar em Serrinha; assim como um jegue no polo Norte.
Veja, portanto, como o ar (vento) tem uma importância muito grande pois determina onde se faz frio, calor, onde tem tempestade, onde o mar é mais agitado e onde é mais calmo. Precisou então, o homem dividir o tempo em estações – verão, inverno, outono primavera – e criar os serviços meteorológicos para se proteger.
Serrinha foi privilegiada nesse campo porque o tempo varia pouco e salvo às noites que esfria não há variações muitos grandes.
Na Europa, por exemplo, as pessoas só saem de casa depois de observam o que dizem os serviços de meteorologias. E, como base nesses dados usam blusões, botas ou uma vestimenta mais leve.
E ninguém navega no mar sem observar o vento nem mesmo na Baía de Todos os Santos.
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Voltando ao tempo dos meus avós eles estavam livros desses problemas, mas o calor, a falta de ar com a seca era o maior problema. Como se livrar deles, no campo, era plantando árvores em volta da residência e na cidade a posição da casa.
De maneira rudimentar o primeiro aparato para produzir ar foi o abano de pindoba ou palha trançada do licouri, que se transformava num leque artesanato, auxiliado, às vezes, pelo sopro de Deus. Sim, lembram de Gênesis quando “quando Deus soprou de suas narinas o sopro da vida”, o homem, no tempo dos meus avós (e até) soprava com a boca brasas e o fogo nascente nos fogões de lenha. E também usava os abanos.
Os leques estilizados só apareceram à venda nos armarinhos de Serrinha nas décadas de 1920/1930 e eram usados apenas pelas senhoras da classe média, considerados pelo povo de esnobes.
O leque, no entanto, data de 3.000 e era usado no Egito. O dobrável, que vendia em Serrinha, surgiu no Japão e na China no século VI e se popularizou muito na Espanha, ainda hoje, muito usado. Foi esse da influência ibéria que chegou em Serrinha, mas, não me recordo de meus avós e meus pais usando leques.
Serrinha também experimentou poucos foram os existentes uma torre com pás metálicas chamada catavento, que girava como as pás de energia eólicas atuais pela força dos ventos e captava água.
Na atualidade, os cientistas que ganharam o Nobel de Química, 2024, Susumu Kitagawa, Ricard Robson e Omar M. Yaghi desenvolveram estruturas metal-orgânicas (MOFs), nova arquitetura molecular na captura de CO2 da atmosfera e na coleta de água do ar.
No futuro próximo, portanto, teremos água do ar.
Meus avós, no entanto, sequer puderam usufruir da primeira tecnologia de captação do ar, o ventilador elétrico, inventado pelo engenheiro americano Schuyler Skaats Wheeler, em 1882, e que chegou ao Brasil no inicio do século XX. Em Salvador, nos anos 1910, já havia modelos à venda.
A questão é que Serrinha não tinha energia. Portanto, não adiantava comprar um ventilador e os armarinhos locais só começaram a comercializar a partir da segunda metade dos anos 1960, quando meus avós já tinham falecido.
Eu que convivi com eles entre 1945/1960 também só vim conhecer o ventilador quando me mudei para Salvador, em 1963.
Outra tecnologia que também não conheci quando criança e meus avós idem foi o da câmara de ar das bicicletas (1845) e John Dunlop, em 1888, desenvolveu o primeiro pneu com câmara de ar para a bicicleta do seu filho.
Meus brinquedos e dos meus avós, na Serrinha do final do século XIX e meados do XX eram carros com rodas de madeira.
Os jeeps Willys que começaram a circular em Serrinha depois da II Guerra Mundial, por volta de 1950, tinha pneus com câmeras de ar. Quando furavam já tinha conserto, porém, enchia-se as câmaras com bombas manuais, inventadas por um alemão Otto Von Guericke, no século XVII.
Essas bombas que conhecíamos desde menino (1945/1950) tinham umas maiores que se prendia com o pé e usava os dois braços para acioná-la e umas menores que encher bolas de futebol que se usava apenas um braço.
Os ferreiros de Serrinha também usavam uns foles de pedal para ativar as brasas de sua fornalha.
O ar artificial, portanto, no tempo dos meus avós eram como na era dos faraós do Egito, com abanos e depois leques. Em seguida, evoluímos para o século XX com as bombas pneumáticas e os foles manuais e a pedal.
Lembrando que ninguém morreu por isso. Pelo contrário, Serrinha, registra o Jornal de Serrinha, 1918, era local de veraneio para algumas famílias e para curar doenças (ou evitar doenças) porque tinha “bons ares” tanto que a temerosa gripe espanhola que infectou 500 milhões de pessoas e matou milhões na Europa e EUA), entre 1918 a 1920, em Serrinha, não houve registro de mortes.
Relata o Jornal de Serrinha, número 54, de 12 de outubro de 1918: “Da capital, onde residem, chegaram na quarta-feira, o dr. Mario Cardoso Costa, ilustre advogado e sua digníssima esposa Constança de Freitas Costa e seus filhinhos os quais vieram em passeio de veraneio”.
E lembrar que Serrinha, no inicio do século tinha um campo de aviação e dr Gravatá, o engenheiro que comandou as obras do açude que tem seu nome, o avião que ele vinha de Salvador se orientava por uma biruta de pano (uma espécie de coador) que mostrava ao piloto a posição do vento.
*** No próximo capitulo as comunicações social e tecnológica.