Cultura

ROSA DE LIMA COMENTA HISTÓRIAS DE SALVADOR, DE LUIZ EDUARDO DOREA

A história da capital baiana de baixo para cima a partir dos seus logradouros R$50,00 na EDUFBA
Rosa de Lima , Salvador | 06/06/2025 às 20:51
Publicação da EDUFBA
Foto: BJÁ

 

  Salvador completou recentemente 476 anos de sua fundação pelo governador Geral do Brasil, Thomé de Souza, a mando do rei de Portugal Dom João III, o qual decidiu colonizar o país descoberto em 1500 passados 49 anos. Isso ainda não acontecera de maneira espacial porque a primeira tentativa com o sistema de Capitanias Hereditárias (1536) não dera certo. Para essa nova missão a proposta era erguer uma cidade que fosse uma fortaleza bem guarnecida por fortes e canhões para evitar invasões de franceses e holandeses povos que também desejavam se apoderar do Brasil.

   Aos olhos de hoje pode ser considerado um tempo longo (49 anos de espera) mas observando que se trata do inicio do século XVI onde as informações eram tardias e as decisões exigiam muita cautela e investimentos grandiosos em armas e embarcações, a decisão foi acertada e o Brasil, de fato, só passou a ser colonizado a partir desse momento. Em 1763, a colônia foi elevada à condição de vice-reino com a transferência da sede da Bahia para o Rio de Janeiro.

   Salvador, portanto, foi capital da colônia durante 114 anos até que, em 1763, o Rio de Janeiro passou a ter esse privilégio tornando-se capital do Vice-Reinado Unido de Portugal, Brasil e Algarves, do Império e da República durante 199 anos, quando, em 1962, o presidente Juscelino Kubitschek transferiu-a para Brasília.

   O livro que vamos comentar é de autoria do jornalista Luiz Eduardo Dórea intitulado “Histórias de Salvador nos nomes das suas” (Editora EDUFBA, colegão Bahia de Todos os Santos, 2006, capa Gabriela Nascimento, 6ª reimpressão 2024, 447 páginas, reproduções fotográficas do Tempostal - Walter Motta; fotos atuais de Paulo Mocofaia, R$50,00) que, como o próprio nome revela conta a história da capital baiana através de suas ruas, praças, logradouros.

   No prefácio, o pesquisador, escritor e publicitário Nelson Cadena, destaca que a “julgar pela definição do que significa uma rua, ajuntamento de casas, foi na Conceição da Praia que nasceu a primeira rua da cidade, o espaço onde os recém-chegados na comitiva de Thomé de Souza levantaram um acampamento, canteiro de obras e moradia provisória, enquanto o mestre de obras Luíz Dias escolhia a área onde seria construída a cidade murada no estilo acrópole recomendada pelo rei. Rua de chão batido à beira mar, com o nome imaginário de Nossa Senhora, na cidade consagrada a Jesus Cristo, banhadas pelas águas da baía que Américo Vespúcio um dia devotara a Todos os Santos”.

   A cidade nasceu geminada, uma baixa e outra alta. Na Alta, a fortaleza com o Palácio do Governo, a Casa da Câmara e Cadeia, o hospital hospício da Santa Casa de Misericórdia, a igreja de Nossa Senhora da Ajuda e as ruas e praça principal onde foram construídas as casas para a moradia da burocracia que iria administrá-la. Uma área cercada em fortaleza com quatro portas.

  A na cidade Baixa o cais do porto por onde chegavam as naus da Europa e se instalou uma rancharia, trapiches e residências na linha da praia, do bairro da Praia.

  O livro de Dorea não segue o linear da história e sim uma metodologia onde inicia com as avenidas por ordem alfabética – Bonocô (vale do), Contorno, Dendezeiros do Bonfim, Dorival Caymmi, Garibaldi, Jiquitaia, Joana Angélica, Jorge Amado, Ogunjá, Paralela, Sete de Setembro e Suburbana.

  Na medida em que vai citando o nome das avenidas contra a história de cada uma delas, o que vai representar, no conjunto, a história de Salvador. Sobre a Avenida do Contorno, por exemplo, diz que “desde que foi aberta ao tráfego (1962) tem sido a principal via de ligação entre as cidades Alta e Baixa, constituindo-se numa das mais importantes vias do sistema viário de Salvador.() Inicialmente ela deveria ser um prolongamento da Av. Beira Mar, que começa na Ribeira, mas ao chegar no trecho de Água de Meninos e Feira de São Joaquim, afastou-se do oceano e ocupou parte dos terrenos do primeiro edifício da Petrobras, atrasando o cronograma da obra”.

   Adiante, o autor fala dos bairros e cita Vilhena, 1799: “Não é só no corpo da cidade, em que consiste a grandeza dela, mas em seis bairros, que a circulam; e são o bairro de São Bento, o maior de todos, e o mais aprazível; todo ele fica ao Sul sobre a planície, com ruas espaçosas, asseados templos e algumas propriedades nobres. O bairro da Praia, opulento pela assistência, que nele fazem os comerciantes da praça, fica este ao Poente da cidade, ao correr da marinha, com não menores templos, fortalezas e melhores edificações. O de Santo Antônio Além do Carmo, pelo Norte da cidade, eminente à marinha, com edifícios de menores suposição em número e qualidade; os bairros da Palma, Desterro e Saúde que ficam pela parte do Nascente, não são menos aprazíveis, pela amenidade de suas situações, todos eles com lares livres e desembaraçados”.

   Dórea então relaciona a história dos bairros do Barbalho, Beiru, Boca do Rio, Bonfim, Brotas, Cabula, Calçada, Cosme de Farias, Desterro, Fazenda Garcia, Itapagipe, Narandiba, Pau Miúdo, Passo, Ribeira, Rio Vermelho, Santo Antônio Além do Carmo, Suçuarana, Tororó e São Pedro. Sobre o Tororó revela: “Segundo Edelweiss (Noticia do Brasil, 5, ed p 448) é formação onomatopaica do tupi tororama (sic) é rumor, rumorejante e y-tororõ (sic) = rumor de água corrente () e sua fonte de batismo seria a “fonte do Tororó” que emprestou seu nome a todo o bairro”.

   O autor segue adiante destacando o subitem Baixas: do Fiscal, de Quintas e Sapateiros; adiante os Becos – Açoguinho, Água de Gasto, Barbeiros, Bomba, Calafates, Dom Carlos, Funil, Maria Paz, Mingau, Mocotó, Quebrança, Vala e Xegais. Noutras páginas à frente cita os Caminhos – da Areia, Conselho, Mar, Novo Gravatá, Novo do Taboão, Soldados e Vila Velha. Enumera, em seguida, o que classifica de Estradas – das Brotas, do Coco, Cruz das Almas, Farol da Barra, Joquei, Liberdade, Linha Verde, Rainha e São Lázaro.

  As Ladeiras – Acupe, Aflitos, Água Brusca, Aljube, Aquidabã, Baluarte, Barra, Barris, Barroquinha, Boqueirão, Canto da Cruz, Castanheda, Conceição da Praia, Cruz da Redenção, Desterro, Ferrão, Fonte, Fonte Nova, Funil, Galés, Gameleira, Hortas, Lenha, Misericórdia, Molambo, Montanha, Ordem Terceira de São Francisco, Palma, Perdões, Praça, Preguiça, Pau da Bandeira, Santana, Saúde e Seminário; os Largos – Accioli, Aflitos, Alfândega, Boa Viagem, Campo Grande, Campo da Pólvora, Cruz do Pascoal, Cruzeiro de São Francisco, Curtume, Desterro, Dois de Julho, Dois Leões, Engenho da Conceição, Engenho Velho, Farol da Barra, Graça, Madragoa, Mariquita, Matatu, Mocambinho, Mouraria, Palma, Papagaio, Paranhos, Pelourinho, Quitandinha do Capim, Quinze Mistérios, Roma, Santo Antônio da Barra, São Bento, São Pedro, São Raimundo, São José de Baixo e de Cima, Sete Portas, Tainheiros, Tanque, Terreiro de Jesus e Vitória.

  O livro de Luiz Eduardo Dorea é completo, o mais detalhado possível sobre histórias de Salvador através dos seus logradouros e fala, ainda, dos parques, pontas, portos e cais, praças, praias, ruas, subúrbios, travessas e trapiches. Nada escapa aos olhos do autor.

   Sobre a rua do Açouguinho diz: “Fazia parte do conjunto de ruas cujo batismo tem origem no comércio de gado, nos tempos da Bahia colonial. Designava um ponto de revenda dos subprodutos do abate, que se fazia então no Barbalho. Como entreposto para o consumidor localizava-se mais próximo da área central da cidade primitiva, no então Caminho dos Soldados, hoje, Maciel. É a atual Rua J. Castro Rabelo, primeira à direita de quem desce para o Largo do Pelourinho pela via entre a antiga Faculdade de Medicina e a Cantina da Lua.

   Há, na publicação de Dorea, revelações inéditas e outras que os leitores, em geral, desconhecem sobre a cidade do Salvador uma vez que ele conta a história de baixo para cima, isto é, falando das ruas, becos e avenidas que foram surgindo ao longos dos anos, dos personagens, dos decretos e lei que deram origem a esses nomes, de pessoas comuns, de fatos que emanaram da população (do povo) e que compõem a vida da cidade do Salvador.