Cultura

A ALMA DA SENHORA AVENIDA SETE, CAP 1: UMA CAMINHADA FANTÁSTICA (TF)

Novo livro de crônicas do jornalista Tasso Franco: leia em Cultura e também no www.wattpad.com
Tasso Franco ,  Salvador | 02/05/2024 às 09:56
A avenida mais representativa da cidade do Salvador
Foto:


   Coloquei o nome neste 4º livro de crônicas que escrevo sobre Salvador de "A Alma da Senhora Avenida Sete" e justifico. A alma é a essência, o princípio vital. Há quem veja na percepção popular como algo sobrenatural, amedrontador. No caso em tela é o eixo, a base, o âmago. Senhora é etimologicamente falando a esposa do senhor feudal. Em nosso título, senhora é figurativo de uma mulher madura, entendendo que sendo a Av. Sete de Setembro o caminho mais antigo da capital baiana, originalmente chamado de Caminho da Vila Velha, numa referência criada na época de Thomé de Souza (1549), o governador geral do Brasil e coordenador da fundação da cidade, nas suas andanças com o mestre de obras Luís Dias e outros entre a Vila Velha do Pereira, sede da Capitania Hereditária (1538) localizada no atual Porto da Barra até a área onde foi erguida a Fortaleza, atual Praça Thomé de Souza ou Praça Municipal, simbolizando o movimento dessa alma (antigamente dizia-se que a população de Salvador - e de outras cidades - tinha xy almas; e Avenida Sete representando Av. Sete de Setembro (nome completo da via e homenagem a independência do Brasil de Portugal a 7 de Setembro de 1822), uma vez que a população de Salvador no seu dia a dia só a chama de Avenida Sete: "Vou as compras na Av. Sete; vou ao dentista na Av. Sete; "À tarde, o desfile ao 2 de Julho será na Av. Sete", etc. Ninguém fala: "Vamos a Avenida Sete de Setembro".

   Feita a justificativa do título quero situar que se trata de um livro de crônicas tipo reportagem jornalística sem interpretações ou citações de conceitos antropológicos, sociológicos, filosóficos e demais. Embora contenha história, geografia, sociologia, psicologia, antropologia e outros na medida em que, quando falo do movimento de personalidades e de como está a avenida e sua gente no ano de 2024 faço também observações históricas e descrevo comportamentos diversos.

    Também não forçarei a barra para lado algum. Vou descrever a Sete e sua gente, monumentos, residências, casas comerciais, templos religiosos, biroscas, etc, como eles são na minha óptica. Na crônica, como no ensaio, no romance ou em qualquer texto há espaços para contestações e críticas diversas, embora, alguns pontos serão incontestáveis como as datas e outros.

     Pode-se avaliar de diversas maneiras o propósito do então governador José Joaquim Seabra (JJ Seabra) e do engenheiro Arlindo Fragoso nos méritos de realizar a grande obra inspirando no modelo parisiense do Barão Haussmann, mas a data de inauguração, em 7 de setembro de 1915, é imutável.

   A Senhora Avenida são várias - do comércio, dos serviços, do lazer praiano, da religiosidade, da contemplação, da arte poética, do perambular com inteligência (flanar), da gastronomia, do sexo, dos momentos cívicos, do carnaval.

   É constituída por três espaços básicos: um que vai da Ladeira do São Bento ao Convento das Mercês; um corredor residencial - Campo Grande, Corredor da Vitória, Largo da Vitória, Ladeira da Barra, Porto da Barra e Farol da Barra; e um misto de comércio, lazer e turismo com 2 museus, 1 hospital e 2 fortes militares e uma área de praia - entre o Porto e o Farol de Santo Antônio, ainda que o endereço deste farol seja Largo do Farol da Barra. A avenida termina antes, na esquina com a Rua Afonso Celso, ao lado da Cabana da Barra (clube da Marinha) e na outra ponta a balaustrada e o mar da Baía de Todos os Santos, o inicio da Baía.

   A população de Salvador - de uma forma geral - identifica e aponta a Av. Sete como sendo o trecho que vai a partir do Convento de São Bento à Mercês, sendo o coração da senhora o trecho entre o Relógio de São Pedro e a igreja de Nossa Senhora do Rosário. O trecho inicial da avenida, a população chama de Ladeira de São Bento e Largo de São Bento onde existe o frontispício da Basílica de São Sebastião (pouca gente sabe disso e só se refere como Igreja de São Bento), sendo que o prédio onde se inicia a Sete, no Sopé desta ladeira, inaugurado em 1940, o SULACAP tenha o número 62, primeiro a direita do antiga Praça da Feira, Largo da Quitanda e/ou Largo do Teatro (São João), hoje, Praça Castro Alves; e há quem diga que a Sete propriamente dita só vai do Relógio de São Pedro até a Casa da Itália; o trecho que segue a partir daí até o Campo Grande onde se situa o Palácio da Aclamação - em frente ao palácio há uma praça com busto de Dom João VI – e uma lateral do Forte de São Pedro cujo frontispício dá para a Rua Gamboa de Cima, ora se entende como Praça da Aclamação; ora como Grande (o prédio ao lado do Hotel Wish (antigo Hotel da Bahia se chama Aclamação; o Largo 2 de Julho (Campo Grande) se entende como a área que vai da Rua Banco dos Ingleses até Mansão dos Cardeais ou antigo palácio de residência do arcebispo um casarão inglês ...; segue pelo Corredor da Vitória que já trecho de sobrados e está repleto de edifícios de alto padrão - o metro quadrado mais caro da cidade - e é também área cultural com três museus - MAB, Geológico e Costa Pinto - sala de cinema e música, casa do estudante universitário da UFBA; o instituto alemão Goethe; um shopping center, 1 restaurante café (coofe town); depois vem o Largo da Vitória onde há uma segunda residência de estudantes da UFBA e a igreja da Vitória e uma clínica ortopédica; segue-se a Ladeira da Barra num misto de residência, comércio, serviço e lazer onde há dois restaurantes, 1 clube social (Yatch Club da Bahia), um templo religioso (Igreja de Santo Antônio da Barra); o Porto da Barra, local onde chegaram as naus portuguesas para fundar a cidade, em 29 de março de 1549, área de lazer e turismo com dois museus, vários restaurantes, 4 hotéis, centro de artesanato e bares; e o trecho do Farol que compreende o Hospital 2 de Julho (antigo Espanhol), uma Vila Gourmet, a residência da Marinha (antiga casa de Frederico Edelweiss) e residências, e o calçadão contemplativo e o mar da Baía de Todos os Santos.

   Veja, por conseguinte, que a Sete percorrer 12 bairros e/ou sub centros distritais: São Bento, Relógio de São Pedro, Piedade, Rosário, Mercês, Aclamação, Campo Grande, Corredor da Vitória, Largo da Vitória, Ladeira da Barra, Porto da Barra e Farol da Barra.

   Bem, existem algumas peculiaridades que só os andarilhos e os moradores de longo curso sabem. Por exemplo: o Cartório do Registro Civil de Pessoas Naturais do Subdistrito da Vitória, fica na rua Martagão Gesteira, Graça (mais Chame-Chame do que Graça), o que significa dizer que quem nasce na Sete na Barra e Vitória se registra na Graça; e observando as praças da Piedade e do Campo Grande (oficialmente praça 2 de Julho) a parte sul fica na Sete e a parte norte, o subdistrito da Praça da Piedade o endereço é 2 de Julho (praça Inocêncio Galvão) e o Santuário Arquidiocesano de Nossa Senhora da Piedade o endereço é praça da Piedade, Barris, e não Av. Sete; e o prolongamento da via do convento é Direita da Piedade; e no Campo Grande onde está o Teatro Castro Alves o endereço Praça 2 de Julho s/n; e o corredor adiante Rua do Forte de São Pedro. O Campo Grande já foi chamado de Outeiro Grande e Campo de São Pedro devido capela para este santo no Forte de São Pedro.

   No meu livro vou abordar apenas o que há e acontece na avenida Sete embora sei, como cronista, que o mundo da Avenida Sete é bem mais amplo e engloba tudo que a envolve ela como se fosse o rio majestoso e todas essas pernas como seus afluentes: a Rua da Forca se inicia no Largo 2 de Julho (Praça general Inocêncio Galvão) desagua na Piedade; as ruas do Areal de Baixo, do Areal de Cima e do Sodré chegam ao Mocambinho e ao Beco do Cabeça ao Relógio; do outro lado a população que usa a Estação da Lapa avança pela Joana Angélica e Conqueiro da Piedade e chega na Sete; quem vem da Junqueira Aires e da Direita da Piedade, e dos shoppings Piedade e Center Lapa, idem-idem; subindo-se a Ladeira das Hortas chega-se ao São Bento; Atravessando o Paraíso ou a Nova de São Bento dá no Relógio; na Direita da Graça atinge-se o Corredor da Vitória; e do Banco dos Ingleses ou das Gamboa de Baixo e de Cima, ao Campo Grande; enfim, a Senhora acolhe a todos e suas pernas se estendem a Direita do Palácio (Chile), Ajuda, Baixa dos Sapateiros, Ladeira do Gabriel, Faísca, Paraiso e outros. É um mundo com 13 becos a saber: Maria Paz, Onze de Julho, Coqueirinho, Cabeça, Mocambinho, Forca, Farmácia (ou Mijo), Pedro Autran, Garganta do Rosário, Quebrança (Travessa Jonathas Abot), Abaixadinho (Travessa Hugo Wilson), da Costureira (Ladeira da Barra) e Leite de Camelo (Cesa Zama).

   Claro que o andar por todas essas ruas e becos para chegar na Sete e também o andar na Senhora tem movimentos distintos, posturas, vestes, ritmos, a depender da época do ano e donde se encontra. É raro ver uma pessoa de biquini na Sete comercial, porém, comum no trecho do Porto da Barra, que também tem um ritmo na temporada de verão e na baixa estação, assim como o andar da população na semana que antecede o Natal e o réveillon na área mais comercial (São Bento a Mercês) o ritmo é acelerado e há um congestionamento de  transeuntes; e também observa-se que os pedestres do Corredor da Vitória e da Ladeira da Barra são diferentes - em parte - das Mercês ou Rosário, embora as madames ricas e os senhores de colarinho branco não andem pelas calçadas (usam sempre veículos ou lanchas - os prédios do Corredor tem peares) salvo quando vão fazer “cooper”; o que também ocorre entre o Farol e o Porto. Faz-se “cooper” na área comercial, muito raro, salvo na Piedade, cedo, hoje repleta de moradores de rua. Há, ainda, aposentados que usam os bancos da Piedade e os “flaneurs” e poetas que são poucos.

   Vale ainda observar que trechos da Sete no Carnaval e nas festas cívicas do Sete de Setembro e do 2 de Julho têm movimentos distintos (carnavalescos e marciais militares), assim, como, com frequência, a Sete é palco de passeatas de sindicalistas, da Parada Gay, de movimentos feministas e outros. Na Parada Gay, por exemplo, o tom é carnavalesco com vários trios elétricos e ações performáticas. Poucas são as procissões religiosas – a de São Pedro e Nossa Senhora da Vitória.  Assim como, os devotos que vão com frequência as missas em São Bento, São Pedro, Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora da Piedade, Nossa Senhora da Vitória e Santo Antônio da Barra tem andares mais vagarosos e há uma distinção, no São Bento, por exemplo, dos fiéis que frequentam a basílica nos dias normais da semana (pessoas do povo) e aos domingos (classe média que vai de carro)

   Vê-se, pois que o mundo da Sete é extremamente múltiplo, plural, complexo, um retrato bem sintomático do que representa Salvador e vem sendo objeto de estudo dos acadêmicos há muitos anos e tem uma bibliografia enorme sobre vários temas, desde sociologia a urbanismo, antropologia e história.

   Não vou entrar nessa seara pois sequer tenho competência para isso. Minhas observações são de um cronista, século XXI, ano 2024/2025, com 79 anos de idade e 61 anos que ando pela Sete.

   Tenho, no entanto, que fazer essas observações iniciais, um vez que se formos olhar o sentido Haussmanniano (do barão Georges-Eugène Haussmann, prefeito de Paris (1853 a 1870) conhecido como “o artista demolidor” que teria inspirado JJ Seabra e Arlindo Fragoso, ao que dizem os alguns analistas, Seabra e Fragoso teriam copiado o modelo da reforma de Pereira Passos no Rio de Janeiro, pois, a Sete não tinha abertura para um bulevar tipo Sébastapol ou o bulevar Raspail, ambos em Paris, que são bem mais largos e teriam sido feitos também com o objetivo de evitar as frequentes barricadas de revoltosos nas antigas ruas (Paris é uma cidade de história sangrenta), o que não existia em Salvador na época de Seabra, embora a cidade tenha sido bombardeada em 1912; e também, ao contrário do que alguns acadêmicos sugerem algo para beneficiar a burguesa instalada ao Sul da cidade. Em parte, sim, isso aconteceu porque ela sempre se beneficia, mas, em 1915, eram poucos os veículos particulares em circulação em Salvador cidade e o transporte implantado na avenida foi público, o bonde elétrico.

     Então, digamos assim, todos foram beneficiados o povo pode ir ver o mar da Barra de Bonde ainda que, também nessa época, a prática do banho de mar (lazer) ainda não tinha sido implantada e o mar, a praia – era terapêutica, medicinal.

    Você é convidado a embarcar nesta viagem. É longa e nem eu sei onde vai dar. Mas, com certeza será fantástica.