Cultura

LIVRO: ROSA DE LIMA COMENTA HORÁCIO DE MATTOS, POR OLYMPIO BARBOSA

O livro aponta todas essas tramas e também revela (nos primórdios) como Horácio de Mattos entra nesse jogo e nas lutas de campo e do cerco a Campestre (hoje, cidade de Seabra.
Rosa de Lima , Salvador | 17/11/2023 às 10:07
Horácio de Matos, sua vida, suas lutas, por Olympio Barbosa
Foto: BJÁ

A ALBA Cultural republicou recentemente o livro escrito pelo ex-deputado Olympio Barbosa sobre a trajetória política e militar de Horácio de Mattos o coronel que liderou movimentos armados e revolucionários nas lavras diamantinas da Bahia, no início e meados do século XX, foi político e se engajou em ações patrocinadas pelo governo no combate a coluna Prestes perseguindo-a até a fronteira com a Bolívia. E teve um fim de vida trágico e até inesperado ao ser assassinado com um tiro nas costas por um fanático, em Salvador, no Largo 2 de Julho, depois que havia encerrado sua jornada de guerrilheiro, político e militar.

  Horácio de Mattos - sua vida e suas lutas (ALBA/EGBA, 182 páginas, exemplar pode ser solicitado a Comunicação da Assembleia) tem apresentação do jornalista Paulo Bina, que comanda o projeto editorial da ALBA Cultural, e narrado numa linguagem bem parnasiana e rebuscada da época, pelo ex-deputado Olympio Barbosa, que foi contemporâneo e amigo de Horário, e viveu e conheceu de perto esse momento da política baiana. 

  Aí é que se concentra o sabor do livro - se é que podemos falar em sabor em letras - subentendendo-se o prazer em ler um narrador que usa as adjetivações e expressões do início do século passado com detalhes do que aconteceu. Não se trata de uma obra de historiador com cuidados em apresentar números os mais precisos das lutas que travou no campo e nas mesas de negociações e também no parlamento e nos manifestos e cartas que assinou, mas compensa pelo enunciado sincero e veraz. 

         Quando ele diz, por exemplo, que “é necessário, é justo, é humano, é sincero, é leal dizer, afirmar e repetir que Horácio de Queiroz Mattos não foi um mito, não foi uma entidade lendária, não foi um desses desordeiros , desses façanhudos do Nordeste, fecundos só em valentia e depredações, mas um sertanejo de ação e coragem, capaz, é certo, das mais renhidas lutas armadas, mas um homem sociável, cavalheiro, harmonizador, hospitaleiro, prestativo, admirador da família , magnânimo até para com os inimigos, reformador de costumes, a favor do bem coletivo, um homem que, ao entrar na política tendo adversários rancorosos, pode advertir os seus nos seguintes termos, de um manifesto solene que publicou pela imprensa”.

      No manifesto, Horácio pugna pelo respeito às leis e o sentido amplo e determinados da justiça com letras maiúsculas: Justiça, Justiça, Justiça.

    Eis, pois, o fulcro do livro para quem pretende lê-lo com a observação posta pelo autor de que não encontrará uma narrativa que possa se assemelhar a do beato Antônio Conselheiro, nem a um Lucas da Feira, mas, sobre a vida de um brasileiro, nordestino, pouco letrado, mas, com os pés no chão e muito bem assessorado. É o que também diz o jornalista Paulo Bina na sua apresentação: “Nesse cenário turbulento de Norte a Sul do país, Horário de Mattos construiu na Bahia formidável liderança por conta da audácia e coragem, comparáveis unicamente ao padrão de lealdade, senso de justiça e moral com que exerceu o seu enorme poder político, rivalizando mesmo como o de governadores”.

  Bina lembra, ainda, que “os Horácios na tradição política das lavras diamantinas são de fato três: o avô (Horário de Mattos), o filho que está vivo e lúcido (Horário de Mattos Júnior, 96 anos de idade, ex-deputado e ex- conselheiro do TCM e que esteve presente no relançamento do livro), e o neto (Horácio de Mattos Neto, o saudoso deputado estadual Horacinho falecido em 2008) três homens dos seus tempos”.

  O livro contém algumas preciosidades históricas bem interessantes sobretudo sobre o comportamento dos coronéis da Chapada Velha, o mandonismo e os feudos em cada município ou povoado, de como agiam impunimente como verdadeiros mandatários dos seus territórios, mandonismo regrado a balas e inúmeros assassinatos sem que as autoridades do governo central, sediadas em Salvador, tomassem quaisquer providências. Isso se passando no início do século XX desde os governos de Severino Vieira e José Marcelino, do polêmico J.J. Seabra, Antônio Muniz e Góes Calmon até a Revolução de 30 com a nomeação do interventor Juracy Magalhães, donde, no decorrer dos anos seguintes surge e prosperou o “juracisismo” e o desarmamento dos Sertões a mando de Getúlio Vargas.

  Olympio Barbosa faz várias referências e citações desses coronéis da Chapada e de como o jovem Horácio de Mattos iniciou sua jornada de combate a esse coronelismo assentado na República Velha, instalado na Bahia, em que as eleições eram definidas a bico-de-pena e esses senhores autoritários faziam o que davam na telha. 

  Dá-se que, num certo dia no povoado de Olho D’Água, Termo de Remédios, caiu seu irmão Victor Mattos, vítima de tiros de arma de fogo. A partir desse episódio e da impunidade do caso, Horácio tentando que se fizesse justiça pelos os caminhos legais, do Judiciário, e nada acontecendo, se armou para prender os criminosos que se refugiaram em Campestre área do domínio do coronel Manoel Fabrício.

  Essa refrega inicial é o começo de uma jornada que só termina com a sua morte e fim da República Velha e dá-se no tempo do tenentismo de Getúlio Vargas. Olympio tece em sua narrativa como operavam os vários coronéis e suas tropas de jagunços, interesses comuns e divergentes ora juntando-se; ora afastando-se, como a população em geral vivia à mingua e dependente desses senhores e como a lei da bala funcionava na união e na traição, os conflitos, os pactos e as jogadas políticas para o exercício dos mandatos de deputados e senadores.

  Quem não conhece a história da Bahia desse período (anos 1910/1920) vai se deparar com informações valiosas, sutis e dos bastidores da política baiana, como por exemplo, JJ Seabra decidiu na inicial apoiar a candidatura do banqueiro Francisco Marques de Góes Calmon a governador contra Arlindo Leone e no decorrer da campanha já no momento em que se aproximava da reta final decide mudar a casaca e, embora popular como era, vai amargar uma derrota política que lhe leva ao exílio voluntário e ao fim da carreira política e pública.

  A vitória de Goes Calmon foi meridiana e a posse traumática havendo, inclusive, um estado de sitio na Bahia (meio branco, termo usado pelo autor) dirigido pelo coronel Marçal Nonato, e uma tertúlia violenta entre o senador Wenceslau Guimarães (seabrista) x senador Antônio Pereira Moacyr (calmonista), posse que ocorreu em 29 de março de 1924. E, Horácio de Mattos é eleito senador estadual passando a morar na capital.

   O livro aponta todas essas tramas e também revela (nos primórdios) como Horácio de Mattos entra nesse jogo e nas lutas de campo e do cerco a Campestre (hoje, cidade de Seabra, uma homenagem ao então governador JJ Seabra), embora o faça com o dever de fazer justiça e, no decorrer de toda sua trajetória, não se assemelhasse aos coronéis autoritários da Chapada, se torna um deles, ao menos em armas e no modus operandi, e até se alia ao governo Vargas no combate a Coluna Prestes.

  Horácio, no fundo, ao ingressar na política e se tornar senador e, ao mesmo tempo, manter “tropas” sob seu comando na velha estratégia dos guerrilheiros e conhecedores dos terrenos da Chapada, vai se tornar um temível coronel ainda que, como se pode observar, pugnava pela Justiça com J maiúsculo e detestava as injustiças e as perseguições. Teve como escola os ensinamentos do coronel Dias Coelho, de Morro do Chapéu.

    Mesmo com a ressalta de Olympío de que Horário não foi um mito ainda hoje muita gente o vê assim. Por propósito, personalidade bem diferente do filho e do neto. Quem os conheceram na Assembleia Legislativa (Horário Jr e Horacinho) podem confirmar que eram hábeis apenas nas palavras, na oratória e nos bastidores da política sem uso das armas.