Cultura

495 ANOS DO BATISMO DE CATHARINA PARAGUAÇU EM SAINT-MALO, FRANÇA (TF)

Descendentes da Catharina sustentaram economicamente conflito de 1822, a guerra de cerco da Independência da Bahia
Tasso Franco ,  Salvador | 29/07/2023 às 15:15
Réplica da nau no Porto de Saint-Malo que levou Catharina da Bahia à França
Foto: BJÁ
  Os 495 anos do batismo da tupinambá Catharina Paraguaçu serão comemorados com missa no mosteirinho da Graça pelo arquiabade dom Emanuel d'Able, domingo, 18hs. Para muita gente pode não ser relevante esse evento religioso, mas é muito importante para relembrar a história da Bahia de uma personalidade que só é lembrada no 2 de julho, como a cabocla dos festejos do conflito da independência.

Catharina, no entanto, é muito mais do que isso, esse lado folclórico e quase místico de uma cabocla simbolismo de uma raça quando, a rigor, era uma nativa tupinambá que se juntou a um português Diogo Álvares - até hoje, sem uma identificação de que localidade era originário e morou no que se constituiu Salvador entre 1509/11 e 1577, a mais antiga família brasileira, como diz Francisco Antonio Doria em "Caramuru e Catarina - ledas e narrativas sobre a Casa da Torre de Garcia d'Ávila", dominadra de "três dos cinco século de existência".

  No século XVI e princípio do século XVII - os Caramurus, Moréias e Moribeas; nos séculos XVII e XVIII - Ávilas da Casa da Torre, os Aragões e os Guedes de Brito. Segundo Doria todos "parte de um mesmo clã, dos descendentes de Camarumu () ...a gente que mandou no Brasil desde o século XVI". 

  "Foram alcaides mores, comandantes de armas, vereadores em Salvador e irmãos de maior condição da sua Santa Casa de Misericórdia() ,.. quando faltava o governador nomeado pelo rei de Portugal, exercia a governança da terra durante a interinidade", comenta Doria.

  DIOGO ÁLVARES

Personagem esquecido da história da Bahia, deste português chamado Diogo Álvares descende quase toda a classe dominante baiana durante o Brasil Colônia e Império e mesmo na República Velha. Ele teve vários filhos e filhas, duas delas com Catharina: Genebra Álvares e Apolônia Álvares.

Há poucos documentos em fonte primária sobre Diogo: um deles data de julho de 1526 quando D. Rodrigo de Acuña em diário de bordo - transcrito por Inácio Accioli - fala de Diogo e de "estar na terra havia uns 15 anos; e outro, de 13 de março de 1531, quando a esquadra de Martin Afonso de Souza aporta na Baía de Todos os Santos e Pero Lopes irmão do comandante da frota em seu diário escreve que "nesta baía achamos um homem português, que havia 22 anos que estava nesta terra, e deu razão larga no que nela havia"
Há, ainda, do donatário Pero de Campo (de Porto Seguro) que o cita em carta ao rei de Portugal "como um galego língua" que "daqui foi (Porto Seguro) em um caravelão à dita Bahia que se fora daí com uma nau de França havia dois ou três dias". Este último documento (único que ainda existe no original) deixa claro que Diogo era português do Norte de Portugal vizinho a Galícia (daí o termo galego língua) - sabe-se que os portugueses e galegos desta região falam até hoje quase a mesma língua. Mas, não natural de Viana do Castelo a terra de Pero de Campos.

Até hoje a dúvida continua em aberto e eu já estive em Viana do Castelo (Portugal) e Ponte Vedra (Espanha) tentando encontrar alguma pista e nada consegui; como também já estive em Saint-Malo, na França, donde saíram as expedições de Giovanni Verrazano e Jacques Cartier, creio, que foi numa dessas que Diogo foi deixado na Bahia para fazer o comércio de Pau Brasil. 

Continuo pesquisando e há, ainda, uma remota pista, mas, factível, de que pode ter participado da viagem de Binot Paulmier de Gonneville que iria para as Índias e diante tormenta vagou pelo Atlântico e foi parar com sua nau L'Espoir, em 5 de janeiro de 1504, no litoral de Santa Catarina, em São Francisco do Sul, na terra dos nativos Guarani (Carijó).

Em livro organizado por Silvio Coelho dos Santos, Analiese Nacke e Maria José Reis (Editora da UFSC, 2004) cita-se que era comum comerciantes e navegadores de Honfleur, Dieppe e Rouen estabeleceram relações com Portugal ()...as idas de embarcações dessas cidades para Lisboa eram frequentes" e, há, também a citação que, após 6 meses em São Francisco do Sul e consertadas as avarias da nau, Gonneville resolveu regressar a Honfleur, levando o jovem Içá-Mirim (um dos filhos do rei de Arosca, Carijó) e outro chamado Namoa.

No regresso a Honfleur comentam que, no Nordeste do Brasil, fizeram paradas para abastecimento de víveres e de produtos comerciáveis. Não há uma referência se essa parada foi na Baía de Todos os Santos e se Diogo fazia parte dessa exposição.

O certo é que Namoa morreu na viagem e Içá-Mirim foi batizado em Honfleur e, em 1521, com o nome de Essomericq Binot Paulmier e se casou com uma parenta do navegador (diz-se com sua filha) com quem teve 14 filhos e viveu até 1583, alcançando mais de 90 anos de idade.

Binot havia prometido ao mayoral Carijó pai de Içá-Mirim que levaria ele de volta a São Francisco do Sul. Mas, com sua viagem foi um fiasco (dos 60 ou mais homens embarcados em Honfleur) só voltaram 28, os financistas não bancaram uma nova viagem às Índias e muito menos ao litoral de Santa Catarina, na época, sem qualquer riqueza.

VOLTANDO A CATHARINA

São descendentes de Diogo + Catharina: Genebra Álvares e Apolônia Álvares. De Genebra descendem a Casa da Torre, os Ávilas e os Pires de Carvalho e Albuquerque; os Aragões e Monizes, os Moribecas - sergipano descendente de Melchior Dias; e de Apolônia, casada com João de Figueiredo Mascarenhas (o Buatacá) - ou cobra fogo descende a Casa da Ponte, segundo Dória, "gente quase tão rica quanto os Ávilas; descendem também alguns Vasconcelos, aparentados a Colombo e aos descobridores da Madeira no século XV"

A GUERRA DE CERCO DA INDEPENDÊNCIA DA BAHIA

Foi essa elite de Diogo + Catharina que sustentou política e economicamente mesmo após a decisão de dom Pedro I em se envolver no conflito das lutas pela independência da Bahia contra a tropa comandada por Ignácio Madeira de Mello, em Salvador, 1822/1823, inclusive com o governo provisório instalado em Cachoeira sob o comando de Elesbão Pires de Carvalho e Albuquerque, presidente; Joaquim José Pinheiro de Vasconcelos, secretário; Joaquim Ignácio de Siqueira Bulcão, José Joaquim Moniz Barrêto de Araújo, 

Antônio Augusto da Silva, Manoel Gonçalves Maria Bitencourt e o coronel Felisberto Gomes Caldeira, vogais.
Há de se dizer que foram os mestiços, os negros, os brancos e os caboclos que lutaram e isso é verdadeiro, mas, em todo conflito, em toda guerra, e na Independência da Bahia não houve guerra clássica com muitas mortes e sangrenta como se apregoa, tem que haver um comando e nesse caso havia um comando militar, inicialmente, coordenado pelo general Pierre Labatut e no mar por Lord Crochane, e um comando político e econômico, dividido entre Eslesbão (descendente nato de Diogo Álvares + Catharina) e Dom Pedro I. (TF)