Cultura

A HISTÓRIA DOS BAIRROS DE SERRINHA, CAP 8: RODAGEM E A TRANSNORDESTINA

Bairro consolidado e em expansão na zona Norte da cidade
Tasso Franco , Salvador | 04/01/2023 às 10:15
Jardim da Boa Esperança, coração do bairro
Foto: BJÁ
         
  O bairro da Rodagem, em Serrinha, tem seus primórdios com a construção da BR-116 (Rio Bahia Norte) a partir de 1932 no governo Getúlio Vargas, interventor Juracy Magalhães, na Bahia e, em Serrinha, gestão do prefeito André Negreiros Falcão (1930/1938, nomeado). 

  Essa rodovia ligando o Ceará ao Rio Grande do Sul, a maior do país com 4.486 km, modificou o modelo de transportes no Brasil e marcou o conjunto de grandes projetos do presidente Getúlio Vargas (1882-1954). Inaugurada em 9 de novembro de 1941, a então Estrada Federal Getúlio Vargas construída pelo Departamento Nacional de Estradas e Rodagens (DNER), teve diferentes nomes pelos dez estados que atravessou.

  O trecho Fortaleza a Feira era conhecido como Transnordestina e foi inaugurado em 1933. A Feira-Rio (1948), a Rio-São Paulo (1951), a duplicação da Dutra (1967), a duplicação da Regis Bitencourt (2010). A estrada vai de Fortaleza e Jaguarão, RS, na fronteira com o Uruguai. Hoje, está totalmente pavimentada e o trecho entre Serrinha a Feira de Santana (BR-116 Norte) está sendo duplicado.

   COMO SURGIU O BAIRRO DA RODAGEM

  Na parte referente a Serrinha e o surgimento do bairro da Rodagem, as obras entre Serrinha e o distrito do Raso (Araci) começaram em 1932 com muitos operários locais e poucos tratores do DNER. Era época da grande seca em Serrinha (chamada seca de 30) e o governo federal usou  trabalhadores braçais com pás e picaretas no trecho entre Serrinha e o território de Tucano, uma vez que Pedra (Teofilândia) e Raso (Araci) ainda eram distritos serrinhenses e em seu território sediou uma base do DNER.

  É a partir dessa base e dos operários locais e retirantes nordestinos da região que se formou um núcleo residencial adjacente a rodovia, na zona urbana Norte de Serrinha, chamada Rua dos Pobres (atual avenida Boa Esperança) com as casas voltadas os frontispícios para Oeste e os fundos ou quintais para a rodovia, obedecendo-se uma distância de 15 metors, dando o inicio ao que seria, posteriormente, estabelecido como bairro da Rodagem.

  Havia, é verdade, mesmo antes de 1930, algumas famílias que já moravam nessa área da cidade, pessoas de baixa renda e que prestavam serviços de pedreiros, ajudantes e carpinteiros. A rodovia, no entanto, é que vai impulsionar o local.

  A designação vem do fato que de a estrada se chamava Estrada de Rodagem (de roda, movimento das rodas dos tratores e depois dos veículos automotores) e foi abreviado para bairro da Rodagem.

   O trecho saia de Feira de Santana, passava por Santa Bárbara e daí, num retão, chegava a Serrinha atravessando o povoado do Alto, as terras do Matão, a localidade atual de Baú até chegar a cabeceira do campo de aviação e seguir em direção ao centro passando pela atual Av ACM, Praça Luis Nogueira, Rua Direita e atual Av Manoel Novaes daí em direção a Pedra (Teofilândia). Havia, na década de 1950, dois postos fiscais na área urbana de Serrinha, um deles nas proximidades do atual Hospital Antunes, com dois mourões e uma corrente; e o segundo nas proximidades do atual Ponto do Araci, em frente a uma madeireira, também com mourões e corrente. 

   Ou seja, os caminhões que viam de Feira tinham que parar neste posto Leste onde trabalhava Sêo Antonio Pedroza, pai de Dr Gatão (ambos já falecidos) e no Norte, vindos de Pernambuco, salvo melhor juízo, Sêo Nelson. De Serrinha, a estrada seguia para Tucano, Euclides da Cunha, Canudos, Macururé, Chorrochó e Abaré - divisão com Pernambuco, no Rio São Francisco.

   EXPANSÃO DO BAIRRO

   O bairro da Rodagem vai se expandir a partir do final dos anos 1960 quando a BR-116 Norte foi asfaltada e mudou o percurso entre Santa Bárbara e Serrinha passando nas proximidades do distrito das Flores (SB), entorno da Fazenda Lamarãozinho, entroncamento do Lamarão e passando fora do centro urbano de Serrinha, atual Av Lomanto Júnior (Postos Sidel e Guanabara) e no final da Rua dos Pobres (Norte) a aproximadamente 150 a 200 metros. 

  Abriu-se, então, uma ligação com a área urbana de Serrinha nesse trecho pela Av Manoel Novaes (Norte), maior avenida da cidade, que corta daí até a Getúlio Vargas (Sul) na linda do trem no bairro da Bomba.
  Com essa modificação, a Rua dos Pobres que passou a ser chamar Boa Esperança perdeu a posição de prioritária no bairro e as pessoas passaram a construir nos quintas casas comerciais (oficinas e outras) voltadas para a Manoel Novaes, sobretudo depois que esse trecho foi duplicado entre o Jardim Boa Esperança até a entrada da Colina das Mangueiras, onde há, hoje, um posto de gasolina.

  O bairro também se expandiu para a zona Oeste e ganhou sua principal área de lazer, também na década de 1960, o Campo do Bahia da Rodagem, que nasceu na casa de Sêo Eugênio, por seus filhos Dão e Neca. Esse campo de futebol, depois centro social, foi importantíssimo para dar vida ao bairro, integração e visibilidade. Hoje, há um outro centro social da Igreja Católica, na Boa Esperança, obra do ex-bispo dom Assolari.

  CHEGADA DOS AUTOMÓVEIS

   Uma conversa puxa outra. A Estrada de Rodagem trouxe para Serrinha os tratores do DNER. Em 1930, ninguém sabia que 'bicho' era aquele. Teve um impacto visual enorme. Mas, o mais importante foram as chegadas dos primeiros automóveis Ford de Bigode importados dos Estados Unidos, na década de 1930, e os caminhões GM (General Morotrs) também dos EUA, no final dos anos 1930 e sobretudo na década de 1940, que transportavam fumo (e depois sisal) para a gare do trem.

  Esse movimento foi uma 'revolução' em Serrinha - tão forte quanto a chegada da ferrovia em 1880 - e com uma dinâmica maior para os serviços e o comércio. Em 1938, a Leste Brasileiro inaugurou em Serrinha uma oficina de reparos de trens, a caixa d'água e logo depois, em 1941, a Estação Rio Branco. A ferrovia trouxe para Serrinha, a mecânica, a engenharia, a medicina, o telégrafo sem fio, a hotelaria, o sindicalismo e outros segmentos que modificaram o perfil da vila rural para urbana, com uma aproximação com Alagoinhas e Salvador.

  A rodovia resultou num impacto ainda maior porque, se a oficina mecânica da Leste atendia apenas a um cliente, a própria Leste, a rodovia trouxe os veiculos - inicialmente os Ford e os GMs - e depois os utilitários Jeep Willys, as caminhonetes (GM), os ônibus, as motos e o incremento das bikes. 

  Como esses veículos eram individuais, de vários donos, surgiram, assim, diversas oficinas mecânicas ao longo da rodovia nas áreas Leste e Norte, depois as oficinas de chaparia e pintura, as lojas de autopeças, as lojas com bombas de gasolina - depois, postos de gasolina - e por ai seguiu com o avançar dos anos e uma infinidade de oficinas, serviços, borracharias, reformadoras, lojas de pneus e outros. 

  O primeiro mecânico que chegou em Serrinha foi Elpídio Lacerda. Veio de Alagoinhas a pedido de Dr Graciliano de Freitas que tinha um Ford de Bigode que enguiçou na estrada para sua fazenda Sete Ferros. Juntou gente para ver ele consertar o carro. Imaginem vocês a dificuldade na reposição de uma peça que vinha de Salvador, de trem. Elpídio nunca mais saiu de Serrinha e montou uma oficina e foi ensinando a arte a outros e assim se deu sucessivamente com vários mecânicos.

  Nasceu, assim, uma rede de oficinas mecânicas - Napoleão, Osvaldino, Eládio, Eliotério, etc - na prática, os mais velhos e experientes ensinando aos mais jovens (escola da vida), posteriormente, com as de chaparia, pintura, elétricas e outras.

  E, provavelmente, o que foi mais importante em todo esse processo. A cidade organizou - até sem querer - mas por força da demanda e das circunstâncias um 'time' de caminhoneiros que fez história. Criou-se, então, uma nova profissão (muito mais importante do que maquinista de trem porque só servia a Leste) com uma dinâmica bem diferenciada e com três campos: os motoristas de caminhão autonómos (donos dos seus próprios caminhões); os caminhoneiros empregados de empresas; e os caminhoneiros que trabalhavam para empreendedores individuais. Tinha um dentista que possuía um caminhão, embora nunca tivesse dirigido um caminhão.

   Falar dos caminhoneiros daria um novo capítulo, porém, não é objeto dessa análise. Surgiram, também, os taxistas inicialmente dirigindo os jeep Willys. 

   A IMPORTÂNCIA DA BR-116

   A importância da BR-116 Norte para Serrinha, em novo trajeto, foi vital para o seu desenvolvimento, no primeiro trajeto, ainda chamada Transnordestina e passando pelo centro da cidade, e a via atual, que abriu uma nova frente de negócios com postos de gasolina e outros, permitindo, ainda, o nascimento de dois outros bairros, a Cidade Nova, à Leste; e a Vaquejada, a Noroeste. 

  A duplicação dessa via getulista, de um dos maiores presidentes que o Brasil já teve, Getúlio Vargas, deverá provocar um novo impacto no crescimento de Serrinha sobretudo se houver (como se fala) um contorno a partir do Motel Hollywood, cortando pelo FIB e ao Norte do bairro da Vaquejada (proximidades do Trem da Alegria) e saindo na via que dá acesso a Biritinga até se encontrar, novamente, nas proximidades do Cebola Podre até Teofilândia.

   Hoje, em Serrinha, essa é a região que mais cresce com dezenas de loteamentos, galpões de empresas, Assaí e outras. 

  O BAIRRO DA RODAGEM, HOJE

  Está parcialmente consolidado no eixão Avenidas Manoel Novaes e Boa Esperança em contorno com os bairros Abóboras e Colina das Mangueiras, à Leste, mas tem áreas para crescimento a Oeste em direção ao Morro do Fundo e no entorno do bairro Oseas. Ou seja, ainda tem uma área enorme para crescimento à Oeste onde existem várias ruas transversais já calçadas e algumas casas comerciais.

  A Manoel Novaes tem um intenso comércio e está abrindo uma área loteada onde foi o sitio de Netinho Bacelar, figura emblemática do bairro; e a Av Boa Esperança e as transversais são áreas tipicamente residenciais com algumas lojas comerciais e mercadinhos. Na parte baixa do Jardim Boa Esperança é mista de comércio, serviço e residência. E na baixa da Rodagem, onde havia o bueiro residência de um lobisomem, área comercial intensa e o Mercado Municipal, com frente para o bairro Abóboras.

  DUAS FIGURAS POPULARES DO BAIRRO

  Existem várias personalidades populares deste bairro. Falarei de duas delas: Netinho Bacelar e Arnaldão Pintor. Netinho tinha uma venda à direita da Manoel Novaes quando o bairro ainda era noviço. Criou a família em seu sitio e sua 'bodega' - muita gente chamava assim - era também um ponto para a gelada. Sua filha Liu Bacelar ainda mora no bairro e é a maior corretora de imóveis de Serrinha.

  Arnaldão foi uma figura folclórica popular de Serrinha e estive com ele na Boa Esperança, onde morava, pouco antes de falecer. Era altão, fortão e tem muita história sobre ele, desde o dia em que teria sido dado como morto, levantou do caixão, colocou-o na cabeça e foi devolver a Eufrásio.

  Quando eu era criança vivendo no Chalé do Meu Avó na Praça Miguel Carneiro ficava admirado com as mulheres cantadoras de cantigas de roda do bairro da Rodagem que, em épocas de festas - São João, São Pedro e Natal - cantavam nas noites serrinhenses. 

 Outra famosa foi Biuzinha com sua tenda de comidas típicas.

  COMENTÁRIOS DA POPULAÇÃO

  (Antonio Ronaldo De Lisboa Oliveira) - Rodagem, nosso linguajar e/ou rodovia, a Rua da rodagem começa em RJ (Além Paraiba) ou rodovia br 116 na rodovia BR 040 (W.Luiz) e vai até praça Sr do Bonfim em Feira dce Santana BA daí em diante segue como Transnordestina até Pernambuco. Em Serrinha, cruzava a cidade Praça Luís Nogueira rua Rireita então Rua da Rodagem e na altura da Rua das Abóboras onde na esquina há uma casa que foi de meus pais Sinfrônio/Marieta em paralelo a Rua dos Pobres só que essa via dava a entrada de acesso à zona rural (Biritinga/Teofilandia e as fazendas em volta do bairro Quebra Pedra Bambu onde hoje passa a via nova com sentindo Araci onde começa a via para Biritinga, o Bairro das Abóboras já era famoso pela aguada que hoje segue até Igreja Nova, aquela pracinha com margem (Depósito oficina Zá Aras) na margem esquina da rua a casa dos meus pais, no começo/fim (dependendo do sentido) a Rua dos Pobres. Nesse trecho havia a casa sítio de tio Moises e de tio João Dai, na parte de baixo Sinfrônio/Marieta (meus pais) mais adiante tia Loura/Antonio (sergipano) então bairro de minha família e minha vó Horminia de origem Bernardo da Silva familia fundadora de Serrinha. Hoje Rua da Rodagem (Rodovia) é só lembranças nunca mais carretoes e caminhões Rio/S.Paulo para Nordeste. Tenho muitas fotos a memória traiu apesar dos meus 75 anos desde os anos 60 no Rio de Janeiro, só lembranças. Admiro muito Tasso Franco, abraços Antonio Ronaldo. Saudades dessa cidade.

  (Antonio Carlos Batista) Tinha um cruzeiro de madeira pintado de azul, retiraram pra alargar e calçar a rua e não retornou. Lembro me muito bem quando ainda criança que nos fundos da Igreja Nova ficava a padaria do Sr Zinho e descendo em linha reta a rua finalizava no tanque das abóboras e da humilde casinha dos meus avós materno José Marinho sapateiro e Isidora pais do meu tio Antônio de Pinto caminhoneiro da época; de lá eu pude assistir como admiração o transitar dos caminhões na rodagem os quais deixava me em sonhos e curioso com suas configurações belos Alfa Romeus puxando Julieta, a gasolina ainda era o combustível máximo mantendo os caminhões Ford Chevrolet internacional Dodge e outros a Rodagem e seus encantos. Sêo Eugênio era entre outras coisas sapateiro, profissão que legou a seus filhos, jogadores do Bahia da Rodagem e consertadores de bolas e chuteiras - o sapateiro Dão era beque central do Bahia da Rodagem e quando o time dele estava na frente no placar, ele usava uma chuteira preparada com um prego e furava todas as bolas. O Bahia nunca perdia".

  - Grandes histórias viajei no tempo fui criado na rua da Rodagem passei por muitas fases aí depois passou a ser rua Boa Esperança, por muito tempo joguei bola no campo da rodagem onde tinha o time do Bahia comandado por um homem chamado Elpidio, me lembro do Neca e Lidio os dois eram irmãos era uma grande atração dos domingos sempre tinha jogo com times das cidades adjacentes. Hoje, moro em São Paulo, mas me interesso muito pela cultura e desenvolvimento da cidade em que nasci em 1949 há 72 anos atrás graças a Deus. Valeu Serrinha pelo seu progresso.

  (Jorge Matos) Muitos moradores famosos, entre eles, o famoso dançarino e jogador de futebol, Pedro Cabelinho, jogamos bola juntos, algumas vezes.

  (Ray Matos) E o Cruzeiro da Rodagem que íamos após a Procissão do Fogaréu com a lua linda. Eu criança achava tão longe. Existe ainda?

  (Anazilma Lisboa) Moro em Rodagem e acho que é o bairro que mais tem oficinas. Eu sou muito prejudicada. Pra entrar e sair de casa é muito difícil. As pessoas não se tocam e nem sabe seus limites.

  (Joseval Passos) Na Rodagem moraram os ilustres Aristides da cebola, Zetinho, Arlindo Costa, Francilene Silva. Considerado um bairro de muitos bons vereadores e o melhor deles foi o famoso João Grilo hoje a filha o substitui com unhas e dentes
Terezinha Borges

  Foram também lembrados Massu iniciado no candomblé por Manoel Guerê, a Borracharia de Valinho, a Chácara Girassol de Hamilton Calabrichi e esposa D Neolete. 
  
  (Paulino Oliveira) Fiz muitas serenatas nesse sítio juntamente com Aluizio Carneiro que era muito amigo do proprietário Sr.Hamilton.

   (Tasso Paes Franco) Há discussões (estou aguardando uma resposta da Câmara de Vereadores) se a área da Girassol integra, hoje, o bairro da Rodagem ou Colina das Mangueiras. As filhas de Calabrichi são Marialva e Ana Paula e está última (ao que sei) é dentista e tem um consultório em Serrinha ou dá um plantão na Serra. Fui várias vezes a este sítio papear (e bramear) com Calabrichi.