Cultura

O TREM QUE MUDOU A HISTÓRIA DA VILA DE NS DE SANT'ANNA DE SERINHA (TF)

Autoridades em linhos e senhoras em longos foram a festa da chegada do trem em 1880
Tasso Franco , da redação em Salvador | 31/07/2021 às 11:15
Trem chegou no dia 18 de novembro de 1880, em Serrirnha
Foto: Museu Pró Memória
   Um dos momentos mais importantes da história de Serrinha aconteceu em 18 de novembro de 1880 no governo imperial de dom Pedro II com a chegada do trem à localidade. Isso foi de um impacto tão grande que a Vila de Nossa Senhora Sant'Anna de Serrinha emancipada como sede municipal de Purificação dos Campos (Irará), em 13 de junho de 1876, se transformou de um sitio rural, patriarcal, num local urbano, acessível à capital Salvador com um equipamento que se igualava ao que existia em Londres, em Paris, em Chicago. A Union  Station de Chicago foi inaugurada em 1881.

  Na inauguração da gare do trem a população compareceu com trajes de gala - os homens em terno de linho branco, gravatas e chapéus; e as mulheres de longo e sombrinhas usando os melhores calçados. Não era pra menos. Até então, uma viagem para Salvador só era feita com uso de burros e durava, ao menos, 5 a 10 dias, via Água Fria (a quem Serrinha estava subordinada paroquialmente), Alagoinhas, beirando o rio Pojuca até a capital. Com o trem esse percurso foi reduzido para 6 horas.

Em 1º de junho de 1838, Serrinha conquistou à condição de freguesia com a capela de Senhora Sant’Anna sendo elevada à condição de igreja matriz, canonizada pelo arcebispo dom Romualdo Antônio de Seixas. O primeiro capelão Antônio Manoel de Oliveira chegou a vila montado num burro e fora nomeado por dom frei José de Santa Escolástica, já rezava missa desde 1814, e foi substituído pelo padre Francisco Furtado de Mendonça, o 1º a atuar na matriz. A igreja no formato atual data de 1780, onde estão os restos mortais do fundador de Serrinha e da capela, Bernardo da Silva, 1750. 

  O trem - as locomotivas a vapor - os trilhos de ferro e o telégrafo representavam o que havia de mais moderno na transição da 1ª Revolução Industrial - máquinas a vapor, têxteis, crescimento das cidade (1780/1840) para a 2ª Revolução Industrial (1850/1945) com o desenvolvimento da indústria química, petróleo e aço. Serrinha se igualava, portanto, com o Rio de Janeiro do Barão de Mauá e a ligação da estrada imperial Rio (Porto de Mauá) a Fragoso, 1854 e depois a Serra do Mar, em 1886. Eram os mesmos equipamentos, a mesma tecnologia, a mesma civilidade com maquinistas de quepes e gravatas, gares com sinos de estações de embarque confortáveis e elegantes.

  Nos trilhos do trem de Serrinha chegaram a engenharia, a medicina, mudança na economia (passou-se a exportar fumo e depois agave), a hotelaria, a cultura, a imprensa, a arquitetura, a moda, a possibilidade de se mudar para a capital, de estudar (para as famílias mais abastadas), de conhecer o mundo. 

   De Serrinha podia-se ir para Salvador e daí de vapor para o Rio e a Europa. Quem teria ido nessa época de final do século XIX? Não há registros. Alguns serrinhenses foram para a I Guerra Mundial (1914/1918)? Não. Registra-se dois que foram lutar na II Guerra Mundial (1939/1945). E sabe-se, de notícias no "Serrinhense" que Antônio Nunes e esposa (prováveis primeiros viajantes de Serrinha para a Europa, a passeio) estiveram em Roma (católicos fervorosos que foram) conhecer o Vaticano e o papa Pio XII, na década de 1950.

   Foi o trem que apressou a criação da cidade de Serrinha 30 de Junho de 1891, a vila passando a essa condição, com a posse do primeiro intendente (cargo, hoje, correspondente a prefeito), Marianno Sylvio Ribeiro (1891/1893), a instalação da Câmara de Vereadores, em 11 de janeiro de 1877, numa mudança social e política que persiste até os dias atuais. 

DO BURRO AO TREM

   E como essas pessoas se apresentaram tão elegantes na inauguração da gare? Os linhos, as sedas, os chapéus, os borzeguins, os lenços, as sombrinhas, botões, linhas, tudo isso chegavam a vila no lombo dos burros trazidos pelos tropeiros que acampavam na praça das Barrigudas próximos à igreja matriz e vendiam aos fregueses. E os alfaiates e costureiras davam o passo seguinte na confecção. Até a década de 1950, salvo que esses produtos vinham pelo trem, ainda funcionava dessa maneira. Não havia confecções e sim artesãos das linhas e algumas alfaiatarias, a mais famosa de Titi Magalhães, na Barão de Cotegipe.   

   E quem eram essas pessoas que foram a inauguração da estação, em 1880? Provavelmente, o capitão José Joaquim de Araújo (Zezinho), presidente do Conselho da Vila, o alferes Joaquim Cordeiro de Almeida, o tenente José Emygdio Ribeiro, o capitão Manoel Simão de Oliveira, as esposas e outros, e também gente do povo. Não há registros da autoridade ferroviária que chegou na primeira viagem. Creio que, com uma pesquisa mais aprofundada conseguiremos saber disso. O certo é que, a ferrovia não estava mais com a concessão inglesa e tinha passado para o Império. 

  A estação em ferro data, portanto, do período imperial sendo governador da Bahia, Antonio de Aragão Bulcão, 3º Barão de São Francisco, que, ao que sei, não participou da viagem inaugural da gare. 

  Esse edifício, em ferro, era o material mais usado na época. A Torre Eiffel em treliça de ferro forjado no Campo de Marte em Paris, França, e que tem o nome do engenheiro Gustave Eiffel, cuja empresa projetou e construiu a torre, foi erguida entre 1887/1889, até hoje, é o monumento mais conhecido do mundo nesse gênero.
  
  No governo Getúlio Vargas a antiga estação do trem de Serrinha deu lugar a uma nova inaugurada em 1941 com o nome do Barão do Rio Branco num estilo clássico - ainda hoje existem seus 'restos mortais' - e dá para ver como era: elegante, sóbria, estação de passageiros nobre, sino, gare de embarque larga, um primor. Infelizmente, o Brasil adotou o modelo rodoviário a partir dos anos finais de 1960 e o sistema ferroviário minguou ou quase desapareceu como é o caso da Leste Brasileiro, em Serrinha, hoje, Atlântico, operando em cargas.

  Tudo o mais foi abandonado: a estação, a oficina, a caixa d'água. Enquanto isso, a Union Station, de Chicago, que data de 1881, com novo prédio de 1926, recebeu ano passado 6 milhões de passageiros. (TF)