Cultura

NO MEU TEMPO DE MENINO FAZER BONECOS COM CASCAS MELANCIA ERA UMA ARTE

Será que os meninos 'smarphones' dos dias atuais ainda fazem isso na Serrinha?
Tasso Franco , da redação em Salvador | 31/10/2020 às 08:50
Boneco de melancia
Foto: DIV
  O jornalista Tasso Franco publicou neste sábado, 31, a 30ª crônica do seu livro "No Meu Tempo de Menino, o último apito do trem" (1945/1957), Serrinha, Bahia, e narra uma brincadeira quje era comum entre as crianças naquela época fazer bonecos e assombrações com cascas de melancia. Leia crônica abaixo e todas as demais no wattpad.

   A GENTE FAZIA MÁSCARAS COM CASCAS DE MELANCIA

        O tempo é como a andorinha do sertão: vai passando e a gente não consegue pegar uma delas. É como a água do rio que corre pro mar e não volta nunca mais. Digo isso porque no meu tempo de menino a gente tinha uma brincadeira que era fazer bonecos com cascas de melancia e não saberia dizer se, hoje, com os 'meninos-smartphones', ainda persiste essa usança. 

   Também não falo isso querendo que volte a minha época de criança na pequenina Serrinha, anos 1940/1950, porque nesses 75 janeiros que se passaram muita coisa mudou no mundo e é natural que as crianças de hoje pratiquem outras brincadeiras.

   Lembrei-me das melancias e dos bonecos porque naquela época, tínhamos uma intimidade muito intensa com as frutas, mais do que com as verduras.

   Maçãs, uvas, peras, pêssegos e outras frutas que vemos hoje nas feiras livres da Serra naquela época não existiam. 

  No quintal da casa do meu outro avô, João Paes, existiam mangueiras frondosas na descida da praça Luís Nogueira, mangas espadas e rosas, parte sul da cidade que distava de minha casa menos de 20 minutos. Tudo tão pertinho que a gente ia de um lado a outro da cidade em meia hora e se quisesse completar a hora numa esticada maior ia até o bairro do Cruzeiro que era o mais distante, depois da linha do trem.

   Melancia era uma fruta baratíssima vendida na feira livre do sábado a gente fazia a festa. Usávamos um canivete de fechar bico largo para talhar as melancias. Nunca mais ouvi falar dele. Eram canivetes baratinhos e que a gente comprava no Largo da Federação. 

   Fazer uma máscara com a melancia era uma arte. Tinha um menino, creio que era o Dem, que fazia um buraco na melancia, limpava tudo por dentro, abria dois olhos, um nariz e uma boca e metia sua cabeça dentro fazendo assombrações. Era engraçado.

   A arte mais difícil era fazer um boneco dentuço e feio, esperar a noite chegar, pegar uma vela, acendê-la, colocá-la dentro da melancia para ficar parecendo uma bruxa, uma mal assombrada. E os meninos ainda uivavam feito lobos pra meter mais medo. Mas, ninguém tinha medo de nada, tudo era muito inocente.

  Quando falo que tinha intimidade com as frutas é porque no sitio do meu avô paterno tinha uma cajazeira perto da casa de morada, pés de umbus próximo do tanque, cajueiros, sapotizeiro, mamão de quintal e eu ficava esperando a época que amadureciam para retirá-las dos pés e catá-las no chão. E aí mesmo, sem lavar, sem nada, só passando a mão para tirar alguma impureza chupá-las. Tinha um cajueiro parrudo perto de uma cerca das Abóboras que dava uns cajus amarelos enormes, deliciosos. 

   Umbu era uma fruta que a gente nem precisava subir no pé pra tirar. Tinha um umbuzeiro baixinho que quando carregava tirava-se os frutos com as mãos. A cajazeira era imensa e perigoso subir para tirar cajás. Meu avô avisava logo: - Não suba no pé de cajá que é alto e escorregadio. Cajás eram amarelinhas e tiradas com uma vara imensa.

   A gente dava mais valor aos umbus do que cajás e a umbuzada era maravilhosa. A diferença para os dias atuais, ainda que existiam muitas crianças nas zonas rurais que ainda têm intimidade com as frutas, é que a gente colhia as frutas e devorava-as no local da colheita. Claro que também levava algumas para casa. Agora, o trabalho de colher uma maior quantidade era de vovô e do seu leiteiro.

  Mamão era uma espécie de patinho feio. A gente não dava a menor importância. Comer mamão como se como hoje em dia, fatiado, nem pensar. 

  As mangas, disputadíssimas. Assim que floravam e começam a amadurecer eu ia pra casa de meu avô materno João para retirá-las das mangueiras. Minha avó Eleonor, que a gente chamava de "Filhinha" ou "Filinha" ficava preocupada que eu caísse. Eu e meu primo Franklin, filho da tia Celina e tio Renato, que também gostava de fazer essas estripulias.

   A gente também gostava muito de mangabas mas não sabia donde viam e como colhê-las. Só eram vendidas nas feiras livres aos sábados por senhoras negras, salvo engano do povoado da Mombaça, que apareciam com seus cestos lotados e cobertos com palhas de bananeiras. Apreciávamos mais o suco das mangabas do que as frutas in-natura ainda que também as comesse assim.

   Goiaba a gente também apreciava bastante. Chamava de araçá e os passarinhos disputavam conosco nos pés. Os cardeais e os bentivis adoravam bicar as goiabas. Não eram deliciosas. Tinha uma outra frutinha do campo que a gente gostava muito: o licouri. Comia-os in-natura quebrando os frutos com duas pedras - uma maior na base e uma menor para bater - ou cozidos. Na feira tinha senhoras da roça que vendiam cordinhas de licouris já prontas para o consumo. 

   Outros produtos que a gente gostava muito eram os picolés de frutas. Ninguém fazia geladinho porque não havia geladeiras nas casas. Só lá pelos anos 1960, quando já estava adulto foi que surgiu o momento do ‘abafa-banca’ um geladinho que fez grande sucesso na Serra. Os picolés a gente comprava na Sorveteria Itaúna, que era colocada com a livraria e tipografia de meu paí. Era freguês assíduo, nos sábados, quando íamos à praça, à feira.

   É verdade que muita coisa mudou de lá para cá nesses /70 a 75 anos, mas, alguns meninos nos dias de hoje ainda praticam esses hábitos.