Cultura

VENCEU A PROPAGANDA NA CAMPANHA ELEITORAL NA TV, POR MARCO GAVAZZA

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| 07/10/2010 às 09:10
Os vastos campos de agricultura irrigada na campanha à reeleição de Wagner
Foto: DIV

Acabou a campanha eleitoral, estou de volta à conversa semanal com meus leitores, se é que restaram alguns após três meses de afastamento.  Mesmo correndo o risco de contrariar meu amigo e editor Tasso Franco, por meter a colher em assunto que não é da minha competência aqui no BJá, não posso deixar de comentar a campanha eleitoral depois de ter vivido apenas isso nos últimos tempos.  Prometo limitar-me aos aspectos da comunicação. Na verdade, nem tenho outro assunto no momento para abordar.  Vamos lá.


Na minha percepção, o mais notável nesta campanha 2010 foi a indiferença do eleitor e cidadão a respeito da sucessão de cargos públicos importantes e da própria política em si.  Parece que as pessoas cansaram. Não foram poucas as ocasiões -algumas até já bem próximas ao domingo dia 03.10- em que ao comentar que estava trabalhando na campanha de Geddel, ouvia a pergunta: "Ele é candidato a que?"  Ao responder que ele disputava o governo da Bahia, fatalmente seguia-se outra pergunta: "Ele e quem mais?".  Acreditem.


Este diálogo sempre acontecia com pessoas não pertencentes ao círculo dos seres estranhos que se alimentam de informação, notícias, formação de opinião, propaganda e assemelhados. Pessoas que vivem suas vidas preocupadas com o cotidiano e seus compromissos. Vizinhos bancários, parentes industriários, amigos comerciantes, jovens universitários, conhecidos prestadores de serviços etc. Pessoas "normais".  


Mesmo com a campanha já iniciada, com a propaganda nas ruas, o horário eleitoral no ar e os debates acontecendo, permaneceu visível o desinteresse. Alguns debates não ultrapassaram os 4 pontos de audiência, sendo que o número de aparelhos ligados já era bem reduzido. Revolta contra os carros de som, reclamações contra a infinita quantidade de placas espalhadas pelas avenidas da cidade e irritação com a alteração dos horários da programação da televisão eram as manifestações mais "politizadas" que se ouviam vindas da população.  Às vésperas da eleição, inúmeras pessoas estavam pedindo sugestões sobre "em quem votar".  Engajamento espontâneo mesmo, só no Twitter.


Em meio a esse clima de absoluto "tô nem aí" para eleições, acentuado por outros acontecimentos mais importantes para a população, como a derrubada das barracas, das roskas, das cervejas e do peixe frito nas praias; os partidos e suas coligações partiram para o árduo trabalho de convencimento do eleitor.  Ainda por cima, enfrentando um cenário político nacional dos mais esquisitos, em que pela primeira vez um presidente da república abandonou o cargo para fazer campanha para sua candidata. Além de alianças estranhíssimas e fenômenos de difícil tradução para a maioria, como o tal "palanque duplo". Tudo isso embalado por uma verdadeira guerra entre jornalistas e políticos, uns acusando os outros de falta de ética.


As campanhas de Geddel e Paulo Souto seguiram o seu destino oposicionista com ênfase em dados, estatísticas, números, percentuais, fontes etc. reservando boa parte do tempo que lhes era destinado na TV para assumir um formato essencialmente jornalístico e apontar o que consideravam falhas e incompetências do candidato à reeleição, Jaques Wagner.  Já a campanha deste ignorava solenemente números oficiais e seguia no mais puro estilo publicitário, onde se fala muito dos benefícios que o produto oferece e ignora-se a concorrência. Tendo como patrocinador oficial Luiz Inácio Lula da Silva.


As campanhas oposicionistas, portanto, para obterem sucesso dependiam de um público atento, bem informado e bem articulado, capaz de avaliar diferenças de crescimento do PIB entre estados do nordeste, renda per capita, redução da desigualdade social em bloco e nominal, diferença entre custeio e investimento, aproveitamento dos programas federais etc. Mas não existia esse público. Ao menos, não em volume suficiente para ganhar uma eleição.


Já a campanha pela reeleição passou ao largo disso tudo e mostrou vastos campos de agricultura irrigada, estradas maravilhosas, hospitais impecáveis, escolas novíssimas, farto abastecimento de água, empregos à escolha e uma Bahia livre de analfabetos já, já.  Não deu a menor importância à origem dos números apresentados e quando estes foram contestados pelos adversários, continuaram mantendo as mesmas afirmativas. Aplicou-se a mais pura tecnologia publicitária para vender um "estado de espírito" onde os sonhos, mais que a realidade, fazem a força da argumentação. A propaganda usa isso o tempo todo.


A família feliz dos comerciais de margarina e de cervejas são exemplos clássicos.  As pessoas compram a "possibilidade" daquela felicidade que é antecipada pela propaganda. Isso convence porque não exige raciocínio. Pega pelo emocional. Você já viu algum comercial de margarina tentando provar por (a+b)² que a tal família feliz mostrada por outra marca não existe? Que eles brigam o tempo todo e na verdade nem é uma família mesmo?  Vocês já viram comerciais de margarina argumentando que a sua marca contem menos glicídios e lipídios que a outra e assim poderá fazer a "família" ser feliz de verdade? Difícil.


Claro que este tipo de motivação por impulso se aplica aos produtos descartáveis e de constante renovação. Ninguém compra um apartamento de um milhão de reais por causa de uma foto de alguém sorridente numa piscina. Numa eleição, onde se escolhe quem decidirá se vamos crescer,  ficar parados ou andar pra trás pelos próximos quatro anos, a análise deveria ser ainda mais crítica e profunda que no caso do apartamento, já que para este, se não ficarmos satisfeitos, sempre existe a possibilidade de revende-lo.


Mas como o estado geral de interesse da população pela campanha eleitoral era o mesmo de um camelo pelo oceano, a propaganda funcionou muito mais que a informação documentada. As campanhas oposicionistas estavam certíssimas ao tratar de um assunto tão relevante com a devida importância e precisão de informações. Acontece que o povo não estava mesmo dando a mínima e seguiu assim até a boca da urna: indiferente, sem qualquer entusiasmo, votando por votar ou elegendo Tiririca e achando ser isto uma forma de protesto. 


Aí a equação da comunicação técnica desandou e a propaganda pura e bem feita, ganhou.  Não é a primeira vez na história de humanidade que isto acontece, nem será a última.  Como está dito num filme de John Ford, "Se a versão é mais interessante que o fato, publique-se a versão".