O ACARAJÉ DE CRISTO

Tasso Franco
01/12/2008 às 09:00

Foto: Foto/Div
A baiana autência da série de TV "Ó Paí Ó" que se encerra na próxima sexta-feira
   O Dia das Baianas do Acarajé foi comemorado em Salvador na última semana de novembro com missa na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, samba de roda no Pelô e na Praça da Cruz Caída, chopinho e muito entusiasmo. Dois são os motivos principais: a baiana típica (não necessariamente só a vendedora do acarajé, mas também ela, e, sobretudo ela) é o símbolo da Bahia, e de certa forma do Brasil, por ser Salvador a cidade mãe; e o acarajé, a bola de fogo de Xangô, está relacionado com o ofício das baianas, patrimônio cultural do Brasil por acolhimento do IPHAN.

           
   As baianas convivem numa boa com os baianos do acarajé, homens que se dedicam ao tabuleiro, alguns dos quais, até se parecem com baianas, salvo porque não usam saias rodadas e batons. No mais, são as encarnações das próprias baianas e se dão bem no ofício e no uso do changrim (sandália de couro branco lavrado), trancelim (colar), torços e adereços, além de produzirem e mercarem bons produtos, entre eles, o acarajé, o abará e o bolinho de estudante.

           
   Agora, se você quiser comprar uma briga com uma baiana autêntica diga que seu acarajé é do Senhor ou de Cristo, numa referência a evangélicas que estão colocando tabuleiros em vários pontos da cidade do Salvador, descaracterizando a figura típica da baiana e seus ornamentos e a essência, a tradição do acarajé. Trata-se de produto originário do candomblé, culto que embora ainda mantém suas relações com a Igreja Católica está tão distante dos crentes, como o diabo da cruz.

   
       Acarajé é uma palavras composta da língua ioruba acará, akárà (bola de fogo) e je, jè (comer) e sua origem está explicada por um mito nas relações de Xangô (Sàngó) e suas esposas Iansã (Yásan), Oxum (Òsùn) e Obà. Conta-nos José Roberto Gaudenzi no livro "Orixá (Òrìsá) Uma História" que Iansã foi à casa de Ifá buscar um preparado para seu marido. Ifá entregou o encantamento e recomendou que dissesse a Xangô para comê-lo e ir falar ao povo.

        Desconfiada, Iansã decidiu provar a porção, pois, se fosse veneno nada aconteceria ao seu amado. Esperou o efeito e nada aconteceu. Iansã então seguiu viagem e entregou a encomenda a Xangô com as observações de Ifá. Quando Xangô começou a falar de sua boca saíram labaredas de fogo e o povo passou a saudá-lo. Desesperara, Iansã acudiu o marido e começou a gritar Kawô Kabiesilé. Neste momento, as labaredas também saíram da boca de Iansã, quando o fogo, diante de força imbatível começou a saudá-los: Obà nlá Òyó até babá Inà (grande rei de Oyó, rei de pai do fogo).

           
     O fogo é a grande arma de Xangô, o senhor da riqueza. É inimigo da mentira, o Orixá da Justiça. Daí para os ritos do candomblé quem vai nos contar com precisão e riqueza de detalhes é o professor Vivaldo da Costa Lima que está trabalhando um livro a ser editado pela Editora Corrupio, sobre a bola de fogo de Xangô e comida ritual para Iansã, o acarajé.

     
     Recentemente, na série Ó Pai Ó, na TV, a diretora Monique Gardenberg, que tem mãe baiana e pai polonês, e nasceu na cidade da Bahia embora tenha sido criada em Santos, SP, produziu um dos capítulos com sinalizações da "guerra das baianas" autênticas x crentes, a evangélica retratada na dona da Pensão onde a galera protagonista da série divide espaços, e a negra baiana que faz ponto no pé da Ladeira do Pelô, iniciando-se na curva do Taboão.

     
       Na série, o diálogo é um retrato fiel da Bahia, como diria Riachão, do que acontece na vida real. A disputa de espaços, a ingerência de pessoas que não têm nada a ver com o culto do candomblé, as quais, por necessidade financeira e/ou incentivo do neopentecostalismo entraram na disputa pra valer. O acarajé é feito com feijão fradinho e, embora seja comercializado em locais profanos, ainda é considerado um alimento sagrado para o povo-de-santo e pela maioria das baianas.

            
        Em Salvador, dados da Associação das Baianas do Acarajé, estima-se que existem entre 2.500 a 4.000 pontos de baianas do acarajé, entre os afiliados à Associação e os clandestinos ou mesmo tabuleiros de pessoas mais pobres que atuam nos bairros mais distantes do centro. Há, ainda, uma ilusão de que toda baiana de acarajé é rica. Nada, trata-se de uma minoria da minoria.


        Mas, no geral, representam uma força de trabalho importante para a cidade e assume, na maioria dos casos, a família matrifocal, onde quem manda na casa é a mulher porque paga as contas, roda a baiana e a colher de pau.

        
    E olhe que colher de pau de baiana parece uma "Fanta" de soldado da PM. Brinque com uma colherada dessas e a força de Xangô.