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A baiana autência da série de TV "Ó Paí Ó" que se encerra na próxima sexta-feira |
As baianas convivem numa boa com os baianos do acarajé, homens que se dedicam ao tabuleiro, alguns dos quais, até se parecem com baianas, salvo porque não usam saias rodadas e batons. No mais, são as encarnações das próprias baianas e se dão bem no ofício e no uso do changrim (sandália de couro branco lavrado), trancelim (colar), torços e adereços, além de produzirem e mercarem bons produtos, entre eles, o acarajé, o abará e o bolinho de estudante.
Agora, se você quiser comprar uma briga com uma baiana autêntica diga que seu acarajé é do Senhor ou de Cristo, numa referência a evangélicas que estão colocando tabuleiros em vários pontos da cidade do Salvador, descaracterizando a figura típica da baiana e seus ornamentos e a essência, a tradição do acarajé. Trata-se de produto originário do candomblé, culto que embora ainda mantém suas relações com a Igreja Católica está tão distante dos crentes, como o diabo da cruz.
Acarajé é uma palavras composta da língua ioruba acará, akárà (bola de fogo) e je, jè (comer) e sua origem está explicada por um mito nas relações de Xangô (Sàngó) e suas esposas Iansã (Yásan), Oxum (Òsùn) e Obà. Conta-nos José Roberto Gaudenzi no livro "Orixá (Òrìsá) Uma História" que Iansã foi à casa de Ifá buscar um preparado para seu marido. Ifá entregou o encantamento e recomendou que dissesse a Xangô para comê-lo e ir falar ao povo.
Desconfiada, Iansã decidiu provar a porção, pois, se fosse veneno nada aconteceria ao seu amado. Esperou o efeito e nada aconteceu. Iansã então seguiu viagem e entregou a encomenda a Xangô com as observações de Ifá. Quando Xangô começou a falar de sua boca saíram labaredas de fogo e o povo passou a saudá-lo. Desesperara, Iansã acudiu o marido e começou a gritar Kawô Kabiesilé. Neste momento, as labaredas também saíram da boca de Iansã, quando o fogo, diante de força imbatível começou a saudá-los: Obà nlá Òyó até babá Inà (grande rei de Oyó, rei de pai do fogo).
O fogo é a grande arma de Xangô, o senhor da riqueza. É inimigo da mentira, o Orixá da Justiça. Daí para os ritos do candomblé quem vai nos contar com precisão e riqueza de detalhes é o professor Vivaldo da Costa Lima que está trabalhando um livro a ser editado pela Editora Corrupio, sobre a bola de fogo de Xangô e comida ritual para Iansã, o acarajé.
Recentemente, na série Ó Pai Ó, na TV, a diretora Monique Gardenberg, que tem mãe baiana e pai polonês, e nasceu na cidade da Bahia embora tenha sido criada em Santos, SP, produziu um dos capítulos com sinalizações da "guerra das baianas" autênticas x crentes, a evangélica retratada na dona da Pensão onde a galera protagonista da série divide espaços, e a negra baiana que faz ponto no pé da Ladeira do Pelô, iniciando-se na curva do Taboão.
Na série, o diálogo é um retrato fiel da Bahia, como diria Riachão, do que acontece na vida real. A disputa de espaços, a ingerência de pessoas que não têm nada a ver com o culto do candomblé, as quais, por necessidade financeira e/ou incentivo do neopentecostalismo entraram na disputa pra valer. O acarajé é feito com feijão fradinho e, embora seja comercializado em locais profanos, ainda é considerado um alimento sagrado para o povo-de-santo e pela maioria das baianas.
Em Salvador, dados da Associação das Baianas do Acarajé, estima-se que existem entre 2.500 a 4.000 pontos de baianas do acarajé, entre os afiliados à Associação e os clandestinos ou mesmo tabuleiros de pessoas mais pobres que atuam nos bairros mais distantes do centro. Há, ainda, uma ilusão de que toda baiana de acarajé é rica. Nada, trata-se de uma minoria da minoria.
Mas, no geral, representam uma força de trabalho importante para a cidade e assume, na maioria dos casos, a família matrifocal, onde quem manda na casa é a mulher porque paga as contas, roda a baiana e a colher de pau.
E olhe que colher de pau de baiana parece uma "Fanta" de soldado da PM. Brinque com uma colherada dessas e a força de Xangô.
https://bahiaja.com.br/artigo/2008/12/01/o-acaraje-de-cristo,282,0.html