Colunistas / Filosofia Popular
Rasta do Pelô

CRÔNICA: Dona Céu recebe museóloga famosa para camarões na moranga

Mulher do Rasta do Pelô mostra que a crise não existe quando há compartilhamento
30/01/2017 às 10:16
   Creio que vocês estão cansados de saber que a crise econômica porque passa o Brasil, a tal 'marolinha' dita por nosso ex-rei Sol e que parece não ter fim, não atinge duas classes sociais: os ricos e os pobres. Rico é rico e a gasolina pode ir para R$20,00 que ele não tá nem aí; e pobre tá acostumado e comer chupa molho. E, um mais; um a menos não faz a menor diferença.

   Agora, nós da Classe C, os emergentes, e que estávamos pulando para a clase média levamos um baque enorme, mas, como não somos a classe média alta endividada com seus cartões de crédito a 400% ano, ainda temos alguma sobra de caixa e compartilhamentos para fazermos nossa alegria.

   E assim deu-se com uma tarde de domingo, em nosso dia de folga, quando dona Céu e suas amigas Tina Copo e Rilza Cervejão, se cotizaram, para receber a museóloga e quase doutora Heleninha Pina e seu esposo, editor de livros e personalidade de alto saber, Sêo Pina SãoPaulo, ofertando-lhes uma almoço a base de moqueca de pescada amarela e camarões na moranga.

   Eu mesmo, bom de cozinha, em carne e osso dirige-me até São Joaquim onde adquiri na tenda de Sêo Mocofaia uma moranga das médias com esse objetivo e dona Céu, acompanhada da irmã Cervejão, a qual bancou a pescada com seus recursos próprios de professora adquirida no H Barbosa da Barros Reis, aqui perto da Caixa D'Água onde moramos.

   E diria que foi um almoço dos mais agradáveis, uma vez que dona Tina Copo colaborou conosco trazerndo uma garrafa de Teacher, o velho e bom professor de malte, e Sêo Peixe Dacachi nos ofertou os camarões de seu criatório em Mutá, daí que tive que pegá-los no ferry, mas, isso foi o de menos. Camarões dos bons, sem agrotóxicos, sem depois provocar urina preta.

   Lembrando aos leitores que dona Heleinha é nossa conhecida do Pelô, onde trabalhamos, eu vendendo tocas e dona Céu atuando como cabeleireira de tererê, e esta dignissima senhora atua como técnica de um museu famosos da cidade e como ela havia acabado de chegar de uma temporada de estudos no Porto, em Portugal, onde labuta na defesa de uma tese nesse campo museológico, nada melhor do que homenageá-la.

   Em principio falei com Céu: - Você não entende nada de museu para convidar personalidade tão importante e vai faltar-lhe assunto.

   - Eu entendo de tudo e dona Heleninha, pelo pouco que conhecemos, é uma pessoa simples, ativista dos direitos dos consumidores e pode nos dar boas dicas. Quem sabe posso até mudar minha cabeça que deseja conhecer Buenos Aires e pensar em atravessar o Atlântico até Lisboa, a velha cidade de encantos mil.

   - Você tá ficando letrada, arreliei Céu.

   - Vivendo e aprendendo meu filho. Boas companhias são pra isso, fraseou.

   O certo que não houve derrapagens, afinal não estávamos recebendo nenhuma desembargadora, nem tampouco alguma socialyte dos Mordilho, e o almoço foi super agradável, correu tudo às mil maravilhas, até o cachorrinho da madame, salvo engano de nome de Denis, correu aqui pelo quintal espantando os cardeais que comem do meu milho pisado. O totó, chique que é, só provou palitinhos naturebas´e desprezou um pé de galinha ofertado por Céu.

    Dona Heleninha, diga-se de passagem, com sua simpatia, seu 'farplay' - eu também tô ficando letrado - ganhou duas fãs, as senhoras Tina e Cervejão, as quais tiraram fotos com ela, trocaram zaps e, suponho, acertaram um novo encontro nalgum sitio do Pelô, quiçá no Cuco Bistrô.

   E o que essa senhora nos trouxe de saber, ponderou dona Céu depois do acontecido, foi relevante uma vez que nos ensinou a fazer um supermercado, a pechinchar preços, a olhar marcas e vencimentos dos produtos com a devida atenção.

   Diga-se, dicas anotadas pelas madames congeneres, uma vez que dona Heleninha trouxe do Porto em três grandes malas caixas sabão em pó, latas de sardinhas, queijos, patês, roupas de cima e de baixo, rouges, perfumes, vinhos e vários outros artigos, o que, segundo ela, são muito mais baratos do que comprá-los aqui em Salvador,

   Fiquei astuciando a conserva e Sêo Pina SãoPaulo referendou que sua esposa era assim mesmo, osso duro de roer, e que trocara uma peça de roupa três vezes só porque foi achando-a mais barata noutras lojas e ainda dizendo leros aos vendedores e que sua geladeira de tão cheia de coisas não cabem nem mais os palitinhos de Denis.

   Interferi na conversa também dando meu pitaco: 

   - Então, não me diga que vocês já estão pensando em ir a Portugal, em comitiva, às compras, como essas sacoleiras que vão para o Paraguai e trazem um monte de coisas para revender, perguntei a Céu.

   - É pra pensar, pra analisar, pois, segundo nos narra dona Helelinha dá pra gente ir ao Porto e voltar, curtir aquele lugar que, segundo ela é maravilhoso, e trazer uns queijos e patês pra vender acá e ainda ganhar uns trocados, respondeu.

   - Quiçá trazer umas garrafas de vinho do Porto, bebida nobre por acá e que custa os olhos da cara - aquiesceu Tina Copo.

   - E pelo menos umas duas ou três caixas de cervejas Sagres ou Super Bock que aqui na Berini custam uma fortuna - ponderou Cervejão.

   - Eu, se for, comentou Céu, vou trazer produtos de maquiagem, batons vermelhos e pincéis de qualidade que são o que mais minhas clientes procuram.

   Claro que também fiz minha sugestão dizendo que, se a viagem prosperasse, gostaria de encomendar umas latas de sardinhas portuguesas Gomes e uns azeites Galo.

   Dona Céu cutucou dona Heleinha: - É pobre a até no pedir.

   - Se eu fosse o senhor, Sêo Rasta, pediria as francesas Betechef ou Bon Apetit que são vendidas em qualquer mercearia do Porto a preços de bananas da prata em São Joaquim.

    Sêo Aluzio do Piso, esposo de dona Tina, gargalhou: - Ele não sabe nem o que é isso. Tá acostumado a comer sardinha Coqueiro com farinha e pimenta e mais uns goles de tubaina, vai se entalar com uma cocgne de Bordeaux.

    Risos gerais.

   - Pois eu trouxe foi muita sardinha francesa e até hoje tem em casa, obtemperou Dona Heleninha.

   - E com o tempo elas não estufam? - perguntou Céu.

   - Você já viu alguma coisa da França estufar dona Céu! No máximo exalam algum bom perfume.

   A conversa ia disparada a mil por hora quando a mãe de minha esposa, dona Antonha do Licor, tocou a sineta dizendo que o peixe e a mornaga estavam na mesa.

   Sêo moço, não teve sardinha francesa; nem vinho do Porto, o que se viu foi um avanço na moranga e no peixe estilo as tropas de Napoleão invadindo a Rússia no século XIX, que precisou a senhora madre pedir calma, pois os camarões não iriam correr, saltar da moranga e sair pulando pelo quintal.

   - Se pularem fora, Denis abocanha um deles, narrou uma sobrinha de dona Heleninha. - Esse danado, na casa de minha mãe nunca latiu, nunca correu desse jeito pelo jardim e aqui está nessa esperteza toda.

    A essa altura, a gelada correndo solta, a pescada amarela de dar inveja a François Hollander, a conversa sobre Portugal esmureceu.

    Quando dona Céu serviu a sobremesa, um bolo de milho com fubá Tabajará que confeitei, o Porto voltou a cena, atravessaram o Atlântico em planos e a viagem ficou marcada para quando Dona Heleninha for apresentar sua tese de doutorado.
   - E quando vai acontecer isso, na Semana Santa próxima? - perguntou Céu.

   Sêo Pina SãoPaulo sorriu pelo canto da boca e dise: - Já tem 4 anos que ela defende essa tese.

   - Vixe! Em sendo assim, as sacoleiras só irão ao porto no bicentenário da Independência da Bahia, arreliei.