Colunistas / Filosofia Popular
Rasta do Pelô

Sonho da esposa do rasta em passar réveillon em Lisboa gorou

Os sonhos de um casal emergente da classe C que nunca se concretizam
26/12/2017 às 11:13
Periquito nunca chega a papagaio. Isso é vero. Não gosto de citar este ditado popular porque é agourento. Às vezes digo a Céu tal palavreado. Melhor dizendo: comento com Dona Céu, minha prendada esposa que, por mais que a gente queira, almeje, sonhe, nem sempre é possível. E cito o tal ditado do periquito só para exemplificar.

   Agora mesmo, nosso sonho de passar os festejos do final do ano na cidade avó do país tropical, Lisboa, a capital portuguesa, assistir o réveillon às margens do Tejo não se concretizou. Fizemos contas e mais contas, Céu moveu montanhas, reuniu todas suas economias, raspou tudo que havia no mealheiro porquinho de cerâmica, mas, não deu. Até conseguiu recursos para a parte aérea, mas, faltou-nos a parte terrreste. E não poderíamos ir a Lisboa para dormir nas arcadas do Paço nem no pátio da loja dos pastéis de Belém.

   Daí que só nos resta três opções, doravante. A primeira é ir ao Réveillon da Boca do Rio pilotado pela Prefeitura da capital; a outra é ir para Cachoeira, a convite de um casal amigo, Sêo Roque e Dona Zélia, assistir a virada às margens do Rio Paraguaçu com a queima de fogos e ceia de maniçoba e bramosas; e a terceira é ir para o réveillon no Largo do Caranguejo, em Itinga, Lauro, onde Mr Brown e a Timbalada do Século XXI vão animar o povão, ficando nós, hospedados na casa de Sêo Carlito, no Jardim Tropical.

   Mas, eu já disse a Céu que o melhor é a gente ficar em casa, até cito que 'boa romaria faz quem em sua casa fica em paz', desgustar nossa Cidra com chester, provar o panetone da Irmã Dulce e mais a sobremesa de pudim de leite, e assistir a queima de fogos do réveillon de Copacabana, Rio, que é melhor e mais bonito do país. E como aqui não tem horário de verão, uma hora depois, assistir a queima de fogos do réveillon da Boca que, dizem será transmitido pela Band, a preço de prata.

   Céu subiu nas tamancas: - Ficar aqui dentro de casa, nem morta. Se não podemos ir a Lisboa, nem a ilha da Madeira, nosso plano B, pelo menos vamos ao plano C, na Boca.

  Expliquei a mulher que a logística para ir a Boca é complicado, temo que nossa fiat brasilia seja surripiada, que vai ter muita gente, que não temos mais idade para aguentar esse tranco, mas, ela resiste.

   E para contrapor o ditado do periquito, que ele detesta e eu só falo para pirracá-la, contrapõe: - A verdade e o jacaré chocam seus ovos com os olhos da força. 

   Ou seja, nunca devemos colocar dificuldades onde não as existem , entendendo ela que ninguém vai levar por descuido nosso automóvel e que podemos ir a Boca, nos ajustar num cantinho e curtir o Vittar e a Ivete Sangalo.

   Céu também ameaçou que se eu não fosse com ela iria com as amigas Andréa Lady Lú e Kaline Berimbau que são boas de festa, que são solteiras e assanhadas, e eu que fosse vê televisão e dormir ouvindo os grilos. Ameaça velada e rodando a baiana.

   Em sendo assim, já que Lisboa ficou apenas no sonho, quiça para 2019 a depender do avanço da economia no governo do Michel, topei a parada e Céu organizou logo uma ida a Baixa dos Sapateiros para comprar um look branco na loja de Sêo Beto Macacão, perto do antigo Jandaia, e eu já retirei do baú uma bata Goya Lopes que me acompanha em réveillons desde a época do saudoso prefeito Fernando José, que Deus o tenha, e quando a gente participava da virada do ano na praia da Boa Viagem esperando o dia amanhecer para acompanhar visualmente a procissão do Senhor dos Navegantes.

  Teve um ano que estava tão groge de sono que, quando o andor do santo percorreu nos ombros do povo entre a praia e a igrejinha da Boa Viagem, fui de roldão, me perdi de Céu e precisei colocar no serviço de som da igreja que estava esperando-a no Panzuá. Levei foi um tremendo carão e ainda fui chamado de broco quando ela reapareceu.

   Então, para ir ao réveillon da Boca, estou me preparando fisicamente para que não aconteça outro sumiço, e vamos levar nossa comidinha, nossa champagne, nossa bandejinha com rabos-de-tatu, nossa empanada de frango, e vamos chegar cedo, pegar um bom lugar e só retornar à casa quando o dia raiar.
Estou fazendo cooper moderado, suspendi a gelada por uma semana, assisto no canal youtube a performance rebolativa do Vittar, decorei a letra da canção 'poeira' da Sangalo e Céu que me aguarde, que prepare suas canelas porque vou botar pra quebrar. Já coloquei na cachola que vou entrar o ano de 2018 a mil por hora.

   À noite, de retorno da Baixa, Céu experimentou o look para eu ver se tava bonito, palpitei que ela estava parecendo a Lady Gaga, recebi um olhar enviezado, mas, ela nem tchum fez foi um desfile rebolativa na sala no estilo Anitta dizendo que iria arrasar. 

   De quebra, abriu uma sacola com um look para mim, ao que imaginei inspirado no mundo árabe e assim falou: - Experimente e veja se fica moderno, renova seu guarda-roupa mofento. 

   Abri o pacote, estirei a peça de tecido no sofá, um batão branco estilo Saulo Fernandes e aí foi eu que subi no changrim: - Não vou usar uma roupa dessas nem a pau. Essa peça parece-me ridicula e foi ouvir é piadas na Boca.

  - Deixe de ser conservador, de pensar que o mundo ainda está na época do prefeito Heitor Dias, de que homem tem que vestir terno de linho e gravata para ir ai réveillon como na época do vereador Cosme de Farias. Vista vá... ordenou.

   Peguei o batão pela gola, suspendi-o, entrei por baixo do pano, sacudi o corpo, calcei meu changrim e Céu abençoou: - Tá um charme, lindo, um principe árabe, um sheik. 

   Fui até o espelho do quadro conferir o look, dei meia volta volver para observar direito, coloquei um colar de oxalá no pescoço, presente de Ed Ribeiro e conclui: - Que venha 2018 na Boca e Abu Dabi que nos espere em 2019.