Colunistas / Filosofia Popular
Rasta do Pelô

Mulher do Rasta entra na era da Inteligência Artificial Tempos modernos

Tempos modernos chegam a casa do Rasta do Pelô e dona Céu no bairro da Caixa D'Água, em Salvador
03/10/2017 às 22:33
   Quando casei-me com dona Céu a gente comprava café em grãos numa tenda da Sete Portas e a tal triturava-os num pilãozinho de madeira para produzir o nosso café do dia-a-dia, pela manhã, que os gringos chamam de 'breakfast', e pela noite. Depois, com os tempos mais modernos passamos a comprar o pó de café na Padaria de Sêo Tadeu, aqui na Caixa D'água, um produto chamado Canário. 

Nunca entendi esse nome. O dono da padaria dizia que seu café era tão saboroso como o canto do canário. Aí foi que não entendi mesmo. Mas, o café era bom. Depois, descobri, que, de fato, uma xícara desse café me deixava mais leve e eu ia para o trabalho cantarolando, cantando como um canário da terra.

Hoje, o tempo é outro. Dona Céu, recentemente, se orgulhava em telefonema a irmã Rilza Cervejão, que, se ela nunca ouvira falar em Inteligência Artificial, essa nova era mundial, pois, sua máquina de fazer café, a Mini Me Dolce Gusto, representava isso e produzia cafés com o apertar de um botão nos modelitos curto, expresso, com leite, capuccino, longo, achocolatado e assim por diante.

Cervejão então ponderou que a Dolce Gusto não chegava a ser uma máquina inteligente porque não processava sinais de vozes, nem tinha sistemas computadorizados. 

O que Céu contestou com convicção: - Ela é inteligente sim. Se peço um curto e ponho a cápsula da Nescafé nela, produz um curto e não um expresso. 

- Irmã, ponderou Cervejão!, você não está entendendo o que significa Inteligência Artificical. A Dolce só seria inteligente se você pedisse a ela por um canal de voz que produzisse um expresso, sem você colocar a cápsula, e ela ouvisse seu comando e estendesse um braço mecânico, pegasse a cápsula e produzisse o café. E mais, lhe avissasse num viva voz, que o café estava pronto.

Céu relutou em compreender, desligou o fone e pediu ajuda ao sábio da Casa, eu. Estava assistindo Botafogo x Vitória, ouvindo também a conversa entre as duas e dava razão a Rilza, mas, esperei ser consultado.

Então, dirigiu-se a mim: - Minha irmã quer ironizar minha máquina Dolce Gusto dizendo que não é inteligente, que ela só produz o café com a minha ajuda, o que seria semi-inteligente. Contestei porque não existe a Era da Semi-Inteligência Digital.

- Sem entrar no mérito da questão - tirei uma de doutor Zéu, nosso advogado - e disse: - Sua irmã tem razão. Se nós vivermos mais tempo, ai, sim, poderemos ter um robô japonês aqui em casa para varrer as dependências, arrumar a cama, servir a mesa e produzir o café.

- Você vai ver isso só se for no outro mundo porque aqui no país tupiniquim, onde o tema principal lá onde os mangangões decidem, só se abordam a corrupção, a ladroagem e os batons nas cuecas, vai demorar um bocado.

- Lá no Planalto Central é o mundo irreal. Agora, a Inteligência Artificial é um movimento global e ninguém vai escapar dele. Há dois anos, você mesma tinha um celular que parecia um tijolinho. E, hoje, está com smartphone com o mundo em suas mãos. Dai que a gente ter um robô, que já tenho até o nome para ela, para nos servir é questão de dias.

- E que nome você colocaria nessa 'nossa nova secretária' se é que podemos chamar assim? - questionou Céu dizendo que o robô de nossa casa se chamava vassoura e seu parente e companheiro, o escovão.

- Vassoura e escovão são coisas do passado. Essa sua assadeira de beijus pode jogar fora na próxima semana e esses espetos de assar carne atire-os no lixo.

- Endoidou. E quem vai fazer nosso churrasco, quem vai esquentar minhas torradas e meus beijus, quem vai encerar nossa sala? - perguntou bravamente.

- Será trabalho de Nélia, nossa robô, e você vai cuidar dos seus negócios no Pelô, produzindo seus tererês em turistas, quiçá organizar uma stratups com dicas de alisamento em cabelos, encaracolamento, apliques e outras mumunhas e entrar de vez na era da Inteligência Digital, o que vai sobrar mais tempo para nosso lazer.

- Imagina. Você deveria consultar nosso conselheiro Badu, o intelectual de bigode, e falar dessas suas ideias malucas e acordar mais cedo para trabalhar, vendar suas toucas na Ladeira do Pelô e pintar seus quadros mambembes.

- Isso também vai ser coisa do passado. Já estou bolando uma stratups ensinando como pintar sem usar pincéis com uma tinta especial que estamos desenvolvendo e aí vai ser correr pro abraço, Porto Moreira três vezes na semana, fim do mês no Tívoli de Costa do Sauipe naquele resort chique e viagens a Paris.

- Você vai querer virar o pintor Ed Ribeiro, aquele que pinta orixás usando método sobrenatual e vendendo quadros aos gringos?

- Vou fazer coisa melhor. Exportar minha técnica via internet pelo mundo, sem sair aqui da Bahia. O camarada do Google mora lá na Califórina e a gente usa a sua ferramenta todos dias sem conhecer ele, sem saber sequer seu nome. Daí que poderei fazer o mesmo daqui de casa e do Pelô onde vou instalar minha empresa.

Conversa vai; conversa vem o Vitória vira o jogo contra o "Fogão" aos 49 minutos do segundo tempo, 2x3. Dei um grito tão alto de gol que a mulher saiu correndo de dentro da cozinha pensando que eu tinha sofrido um infarto, tropeçou em Tifão - nosso cão - e derrubou o último latão que havia em casa.

Brava, Céu rodou a baiana, chamou-me de visionário e determinou que eu pegasse o pano de chão e o balde d'água para limpar o chão da casa. - Después (ainda charlou em espanhol) use el escovon.

Sem minha cerveja - o que restava do latão derramou no chão ; com a padaria de Sêo Tadeu fechada, onde poderia comprar outro latão (domingo não abre) e ainda sem a Robô Nélia, não tive outra alternativa. 

E ainda ouvi o seguinte lero: - Limpe pra ficar o chão espelhado como aquele cenário alí  (apontou para a TV) da Dança dos Famosos, seu programa predileto aos domingos.

Como diz a baiana faceira: É coisa! 

Na era da Inteligência Artificial, final de domingo do século XXI, e eu com escovão lustrando sala.