Um Irã ressuscitado e um Catar morto, aquele joguinho decepcionante de compadres entre ingleses x americanos e a Holanda entalada com um Equador brigão. A rodada começou morna, sem grandes jogos, ninguém ainda classificado, as seleções dos Grupos A e B apostando mesmo na terceira rodada para garantir vaga nas oitavas. Uma sexta com ares de ressaca nos campos do Catar.
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Joguinho de ‘cumpade’
Inglaterra 0 x 0 Estados Unidos. Parecia aquela luta de boxe em que os contendores passam todos os assaltos trocando ‘jabbs’, sem abrir a guarda e sem bater pra derrubar, esperando a contagem de pontos... no final. Assim foi o jogo na noite (Doha)/tarde (Brasil) da sexta-feira, sexto dia da competição, no Estádio Al Bayt, os ingleses em campo como favoritos, Grupo B. Arbitragem venezuelana. Quase não existiram os chamados “melhores lances”.
Na rodada final, os ingleses, com 4 pontos, encaram País de Gales, jogam por um empate, e os EUA pegam o Irã, e se vencerem classificam. Daí esse joguinho cauteloso, sem ousadia.
No começo, aquela pressão calculada pra cima dos ianques, que resistiram bem, marcando, fechando os espaços, impedindo a finalização dos europeus.
Aos 25’, foram os EUA (de azul) que assustaram, numa conclusão de McKennie, por cima. As 35’ Pulisic acertou o travessão de Pickford. Os americanos chegavam bem mais, ousados. Só aos 44’ os ingleses (de branco) ameaçaram, numa boa arrancada de Shaw pela esquerda, o arremate saiu por cima. Aos 45’, Turner (EUA) espalmou chute de Mount, da entrada da área. Primeiro tempo bem equilibrado.
A mesma disputa parelha no recomeço, depois da merenda, muita marcação e poucas finalizações. A torcida americana empolgada nas arquibancadas: “USA! USA!”... o time azul crescendo em campo, na pressão, 20 min. Os sistemas defensivos superando os atacantes lá e cá. Substituições, tentativas, pouca criatividade, nenhuma ousadia individual, o relógio andando, 35 min, nada aconteceu nas áreas, as zonas de perigo. Aos 90 min, a melhor chance dos ingleses: falta alçada da esquerda, Kane cabeceou pra fora. Muito pouco. Pareceu um amistoso.
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Holanda se engasga com Equador
Empate, 1 x 1, as duas equipes do Grupo A vão para rodada final com chances de classificação. O jogo, brigado nas divididas mas com pouca criatividade na armação das jogadas, aconteceu às 13 h, no estádio Khalifa International. A Holanda abriu o placar logo aos 5 minutos, num belo chute do jovem meia Gapko, da entrada da área, acertando o canto. Mas não conseguiu se impor. Os equatorianos encararam e quase empataram num chute de Valência, aos 32 minutos, forçando uma defesaça do goleiro Noppert, 2m de altura, em seu segundo jogo na copa.
Aos 47’, Estupinãn, na sobra de um escanteio, fez o gol, com a bola desviando na frente do goleiro; o VAR pegou impedimento de atleta equatoriano, que teria atrapalhado o goleiro e o tento foi anulado. Os latinos desceram pro intervalo chiando com a arbitragem.
O melhor desempenho do Equador, já no final da primeira etapa, foi contemplado com o gol de empate de Valência, aos 3 minutos do segundo tempo, pegando na pequena área o rebote do goleiro, após chute forte de Estupiñan. O time equatoriano ainda carimbou o travessão da Holanda, aos 15min. As duas equipes lideram o grupo, com 4 pontos. Valência, artilheiro, 3 gols na copa em dois jogos. Equador e Holanda lideram o grupo, cada um com 4 pontos.
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Irã ressurge, Senegal broca
Bem cedo, 7h, pelo Grupo B, o Irã (que tinha levado 6 x 2 da Inglaterra na estréia) surpreendeu, vencendo por 2 x 0 o País de Gales, no Ahmad Bin Ali. Está bem vivo o Irã, creiam, pode ainda se classificar. Os gols saíram já nos acréscimos, mas os Iranianos foram melhores, acertaram duas bolas na trave de Gales e o país britânico teve seu goleiro Hennessey expulso, na segunda etapa.
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Às 10h, no Al Thumama, o Senegal não tomou conhecimento dos donos da casa, enfiou 3 x 1 no Catar, com superioridade. Os gols foram marcados por Boulaye Dia (no final do primeiro tempo), Diédhiou e Bamba Dieg (Senegal), enquanto Muntari fez pelo Catar o histórico primeiro gol do país-sede em Copas do Mundo. Mas os donos da casa já estão fora das oitavas, com duas derrotas seguidas, darão adeus na rodada final, contra a Holanda.
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Os jogos deste sábado, 26
Pelo Grupo D: - Tunísia x Austrália, 7h, no Al Janoub
- França x Dinamarca, 13h, no estádio 974
Pelo Grupo C: - Polônia x Arábia Saudita, 10h, no Education City
- Argentina x México, 16h, no Lusail.
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Os melhores da 1ª rodada
Inglaterra, Espanha, França e Brasil foram as equipes que mais impressionaram na primeira rodada da Copa. Escolas de futebol distintas, cada uma com um jeito próprio de jogar.
O gol mais bonito até agora, de longe, foi o de Richarlison, pela plasticidade e giro no ar do artilheiro, e também pelo passe de trivela de Vini Jr, uma obra de arte.
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Brasil na fita
Depois de uma estreia consistente e convincente, 2 x 0 sobre a Sérvia, o Brasil volta a campo na segunda-feira, dia 28, 13h, contra a Suíça, no Estádio 974, aquele montado com containers recicláveis. Outro jogo, outra pegada, outra história, embora a Suíça tenha características de jogo parecidas com a Sérvia. Bom goleiro, defesa retrancada, difícil de tomar gols, jogadores altos e fortes, adoram alçar bolas na área inimiga onde são poderosos nas cabeçadas.
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Mudanças na equipe
Neymar e o lateral Danilo, com torções no tornozelo, estão fora desse confronto com a Suíça e certamente serão poupados também contra Camarões. Só voltam, inteiros, nas oitavas de final, começo do mata-mata.
Danilo pode ser substituído por Daniel Alves ou Militão, questão estratégica de Tite. Neymar, uma perda técnica maior, até pela rodagem e inteligência, visão de jogo, pode ser substituído por Fred, com Paquetá mais avançado; ou a entrada de Everton Ribeiro, outro estilo. Tite ganha muito bem e conhece o elenco para decidir pelo melhor. Cada jogo tem sua leitura própria.
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Manifesto de um goleador
Richarlison, o camisa 9 da nossa seleção:
“Eu nunca tive partido político. Para ser sincero, nem me interesso, porque não preciso de um para saber que é errado faltar energia elétrica por 22 dias em um estado inteiro, ou ainda que é um direito básico ter comida na mesa, saúde, educação, segurança e moradia.
- As pessoas de onde eu venho não têm voz nem vez. Poucos, até hoje, procuram saber o que é importante ou o que falta para que eles vivam melhor. No Brasil, é assim, muitos só recebem atenção em época de eleição.
- Eu vejo isso no meu dia a dia como jogador. Meu corpo precisa da ciência e da medicina para que eu possa fazer o que mais amo, jogar bola. A ciência, o conhecimento é nossa única saída em todos os momentos.
- Eu sequer terminei meus estudos. Mas não é necessário um diploma para enxergar que muita gente é intimidada, encurralada e morta pelo racismo todos os dias no Brasil. Li numa matéria que 75% da população pobre é preta e que 76% das pessoas mortas todos os anos também são pretas. Não precisa ser o rei da matemática para concluir o óbvio.
- É por isso que todos os dias agradeço a Deus pela oportunidade e por não ter virado estatística. O futebol me salvou. É por isso que falo, me posiciono e mostro minha indignação: pelo mínimo de dignidade e igualdade para todos os brasileiros que não tiveram a mesma sorte que eu”.
Tudo dito. Deus o conserve lúcido e artilheiro.
Oportunismos ideológicos à parte, o golaço de Richarlison foi de perna direita.
Viva o Povo Brasileiro!
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(Richarlison nasceu há 24 anos, em Nova Venécia, município pequeno localizado no norte do Espírito Santo, perto de fronteiras com Minas e Bahia. Tem 1,84, começou no América MG, passou pelo Fluminense/RJ e atualmente joga no Tottenham, da Inglaterra)