O fenômeno das massas sem cara política
Recentemente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso publicou um texto intitulado "O Papel da Oposição", na Revista Interesse Nacional, abri/2011, e afirmou que, enquanto "o PSDB e seus aliados persistirem em disputar com o PT influência sobre os movimentos sociais ou o povão, isto é, sobre as massas carentes e pouco informadas, falarão sozinhos".
A expressão povão usada por FHC, no sentido adjetivado da palavra (aquela camada mais pobre e sem uma percepação maior da cidadania), provocou a maior polêmica no meio político e precisou que o ex-presidente se desdobrasse em explicações, mostrando que não havia nada de pejorativo, e que os partidos da oposição deveriam olhar para as classes emergentes, soltas, sem conexões politicas.
FHC, na Ilustríssima, junho/2011, voltou ao tema destacando que não escreveu o texto pensando na ideologia, inclusive porque a direita pode estar entre os mais pobres, mas pensando na "desconexão atual entre a sociedade e as instituições políticas". E, como esta é uma sociedade com muita mobilidade, "tem gente, ou muita gente sem conexão".
A política não está dissociada da sociedade. Pelo contrário: deveria conviver umbilicalmente com ela. Mas, não vive. Salvo rarissimas exceções. É só olhar os projetos que são votados nas casas legislativas, aqui mesmo na Bahia, quase sempre, distantes da realidade da população.
De repente, a morte de uma jovem envolvida no mundo do crime em Salvador, Kelly Cyclone, e um festival de música pagodeira e funk (Salvador Fest), que reuniu milhares de jovens da periferia no Parque de Exposição expressa o dito por FHC, de que há distanciamento enorme da política com essa massa de pessoas.
Um fosso. E isso se dá em todas as esferas, nas casas legislativas, nos poderes executivos, no judiciário e no campo das relações institucionais.
É como se esse pessoal vivesse à margem da sociedade ainda que esteja submetido às leis e às convenções sociais, sem dar muito atenção a essas normas. Para eles, talvez a instituição mais importante, porque integra seu dia-a-dia, é a Polícia. Integra no sentido do confronto: cada qual do seu lado. Polícia cidadã não existe.
E, o que é mais sintomático, pois, essa galera é constituida por 90% de mestiços com matrilínea predominante afro-baiana, está completamente desligada desse sentimento afro puro vivendo numa outra esfera e mais ligada nos movimentos pop e hip-hop norte americanos e europeus, na moda e nos costumes ocidentais, sem essa de curtir a mama-África.
Qual evento que um Ilê Aiyê, Olodum, Muzenza, Cortejo Afro e ponha mais gente ai nesse rol reuniria num final de semana 100 mil jovens dos bairros de Salvador? Não existe. Nem vai existir porque esse pessoal está igual aos políticos, dissociados da realidade baiana e querendo incultir a cultura africana na cabeça de algumas pessoas quando a África é um celeiro de ditaduras e não sintoniza mais nem com a Bahia; nem com o mundo.
Tem até uma idéia de se ensinar cultura da África nas escolas. Veja que locura! Que África seria essa? Benin, Congo, Nigéria, Egito, cada povo desses tem uma cultura diferenciada da outra. Se o Brasil é único, fala a mesma língua, existem diferenças regionais gritantes entre um estado e outro, no plano da cultura, imaginem no Continente Africano, com centenas de linguas e dialetos e várias formas de governo!
Melhor, portanto, seria ensinar nas escolas a cultura baiana, especialmente esse novo movimento, essa percepção do mundo a partir das experiências dessa nova geração, imensa, provavelmente, em Salvador, mais de 500 mil pessoas. Esse é um tema que gostaria que algum dia fosse debatido na Assembleia Legislativa e na Câmara de Salvador e tem muito a ver com a realidade local.
Por enquanto, o que se percebe é que essa massa galera imensa, tem mais relações com a Polícia do que com a Política. E aí, volta-se ao pensamento de FHC, "tem muita gente sem conexão".