Autor contesta que ACM teve influência nas eleições em Salvador nos últimos 50 anos
A pesquisa DataFolha divulgada no último dia 9 sobre a sucessão municipal em Salvador e que tanta polêmica tem causado no meio político, traz por obra e graça inicial da Folha de São Paulo a observação, como se isso fosse relevante, de que o pleito de 2008 se dará, "pela primeira vez nos últimos 50 anos" sem a influência do ex-governador da Bahia e ex-senador ACM (1927/2007).
Trata-se de uma observação que não tem sustentação histórica, uma vez que desde a eleição do prefeito Hélio Machado, o primeiro eleito desde a Revolução Getulista de 1930, até 2007, com a eleição de João Henrique pela coligação PDT/PSDB, em 2004, portanto, os 50 anos aludidos pela Folha com releituras na imprensa local, ACM, a rigor, só teve influência em duas eleições: com Antonio Imbassahy, então PFL, em 1996; e em sua reeleição, em 2000.
Essa é a realidade história. ACM nasce para a política exatamente no governo Antonio Balbino (1955/1959) e sua influência nas eleições de Hélio Machado, Heitor Dias e Virgildásio Sena os prefeitos eleitos até 1964 foi mínima ou nenhuma. A partir de 1964, com o golpe militar, Salvador terá prefeitos nomeados pelo "Sistema Revolucionário" até 1984, 20 anos. Entre Nelson Oliveira e Mário Kértèsz. A partir daí, MK se elege prefeito pelo PMDB sem a influência de ACM (ao contrário, nessa época, rompido politicamente com ele), Fernando José, PMDB (1990/1993) e Lídice da Mata, PSDB (1993/1996).
Então, o que se pode afirmar com absoluta tranqüilidade histórica é que, ACM por ter sido prefeito nomeado de Salvador, entre 1967/1971, e governador nomeado em dois períodos (1971/1975; 1979/1983) e mais uma vez eleito pelo voto direto (1991/1994) formatou o que se chama de "carlismo", exerceu uma influência decisiva no interior e no Estado (aí sim, correto) e conseguiu amealhar algo em torno de 20 a 25% do eleitorado da capital, com sua melhor performance na eleição de Imbassahy, em 1997, com 51%. ACM fez sucessores no governo Estado desde João Durval, 1982, até Paulo Souto, 2006, com grande facilidade, a exceção do momento Waldir Pires/Nilo Coelho (1987/1990).
Em 2004, na sucessão municipal de Salvador, o PFL contratou uma pesquisa do Vox Populi e verificou que o eleitorado estava dividido entre as seguintes opções: PFL, 33%; oposição, PT/PCdoB, PSB, PMDB, 24%; banda larga ocupada por João Henrique, Raimundo Varela e Maurício Trindade, 40%; e mais 3% de nanicos. Esse era o quadro. Houve um desequilíbrio quando ACM impôs a candidatura César Borges a Imbassahy e Paulo Souto; e Maurício e Varela saíram do páreo.
O que aconteceu: Maurício se alinhou como vice de João Henrique, então no PDT/PSDB, e depois teve seu nome detonado após denúncia, sendo substituído na chapa por Nestor Duarte (PSDB). Acontece que, com essa manobra, João perdeu Maurício, mas ganhou sua base eleitoral nas classes C/D. Quando Varela saiu do páreo, João ficou com o restante na banda larga e terminou o primeiro turno com 43.6% dos votos. João era a classe média e conseguiu nesses dois movimentos colocar na sua sacola de votos a pobreza, a periferia de Varela e Maurício.
Houve, a rigor, terminado o primeiro turno, uma inversão na tabela do Vox: o PFL que tinha 33% terminou com 23.8% votos de César Borges no primeiro turno; e a oposição que tinha 24 ficou com os 33% do PFL, somando-se os votos de Nelson Pelegrino - PT/PCdoB (23.3) + os de Lídice da Mata (PSB/PMDB) 10.5% = 33.9%. No mais foi PTB, com Benito Gama, Da Luz e outros menos votados para fechar os 100%. João, repito o que já disse em outros momentos, estava com a eleição ganha, quer tivesse o apoio formal ou não da oposição, pois, esta jamais se alinharia com César Borges/ACM.
E o que está acontecendo com os números apresentados pelo DataFolha, no último dia 9/12? Os protagonistas são os mesmos de 2004, com diferenças apenas de posturas políticas. Antonio Imbassahy, no PSDB, distancia-se do carlismo; Raimundo Varela, do PRB, mantém sua plataforma populista; ACM Neto, Democratas, encarna a herança do carlismo histórico; João Henrique (PMDB), agora na posição de vidraça e sem a bandeira da classe média que abraçara em 2004; Lídice da Mata, PSB, sustentando-se no voto de opinião e na melhoria de sua imagem com a cidade; PT (Nelson Pelegrino e Walter Pinheiro) perdido na indefinição de ser ou não; PCdoB, marcando apenas posição política.
Esse é o quadro: João Henrique, a rigor, para alcançar os 43.6% tem que gastar ainda muita sola do sapato, pois, pontua no melhor cenário do DataFolha com 17%. Raimundo Varela, o líder da pesquisa, com 19/22% é uma incógnita. É o pêndulo da próxima eleição. Mantendo-se na disputa é competitivo e tem alguma chance de chegar ao segundo turno. Mas, Varela, historicamente, sempre começa assim e depois da uma dor de barriga e sai da raia. Se sair, dará uma desarrumada no processo. Aliás, como aconteceu em 2004.
Imbassahy 12/17% tem que melhorar sua performance aliando-se, politicamente, com outros partidos. O PSDB está integrado na base do governo, mas existem desconfianças a prováveis alianças com PT, PCdoB e PSB (e até PMDB) num segundo turno. ACM Neto já colocou na sacola 15% do eleitorado, mas ainda está distante da marca do PFL na última eleição (23.9%) o que poderá acontecer no desenrolar da campanha (ou não). Em posição confortável está a ex-prefeita Lídice da Mata: a única que manteve seu eleitorado intacto 10% e pode se tornar competitiva se tiver apoio do PT.
Finalmente, chegamos ao PT. Um desastre até agora. Na dúvida hamletiana de ser ou não ser, pagando um preço altíssimo por ter integrado a administração municipal numa área vital e que não deu certo, a saúde, (o crime de Neylton vai completar 1 ano em janeiro e mídia voltará à carga), o PT perdeu tudo o que tinha na capital (no melhor cenário Pelegrino tem 4%; contra 23%, em 2004) e o partido pode perder, além da eleição, a sua identidade com o eleitor da capital.
Por enquanto, esse é o cenário. Outras pesquisas virão e a movimentação da preferência do eleitoral se mexe com muita dinâmica. Ainda há, por exemplo, entre não sabe e branco/nulo algo em torno de 30% do eleitorado. Recomenda-se, portanto, gastar sola do sapato. Subir e descer encostas. Falar com o povo. Apresentar-se. Mostrar propostas. Ir à luta porque o eleitor já está de olho no processo eleitoral ainda com muita desconfiança.