A produção literária do autor baiano encontra-se em baixa
Dois momentos distintos da atividade cultural baiana, os fechamentos da Livraria do Autor Baiano e do Theatro XVIII, ambos situados no Pelourinho, revelam, também, como se comportam os artistas e produtores teatrais e os escritores baianos.
O que se vê, de um lado, é uma categoria aguerrida, lutadora, brigando e ocupando espaços na mídia para defender o seu espaço; e uma outra, a dos escritores, calada, amofinada, bem ao estilo baianês do Recôncavo, vendo o Rio Paraguaçu correr para o oceano sem nada fazer, cantando a música de Caymmi sugerindo que é doce morrer no mar.
A Livraria do Autor Baiano foi fechada ainda no primeiro semestre deste ano e salvo alguns piparotes deste cronista e protestos isoladíssimos da mídia, sem mobilização da categoria (se é que existe), ficou por isso mesmo, dentro da "inovadora" proposta da Secretaria de Cultura de atuar em projetos e não espaços de manutenção, como se uma coisa pudesses ser separada da outra.
E o que é mais grave: no final de semana último, o superintendente de Promoção Cultural da Secult, Paulo Henrique de Almeida, numa declaração A Tarde, deselegante, desrespeitosa, chegou a afirmar que o governo do Estado, na gestão Paulo Souto, tinha uma "política de construção de rede de clientes". E, na sua visão prepotente, arrogante, atesta que a manutenção "é ideal para fazer isso. Você fica comendo na mão".
Em outras palavras, a direção da paupérrima Livraria do Autor Baiano estaria "comendo na mão", e assim, também, o Theatro XVIII, o Vila Velha, TCA, Fundação Casa de Jorge Amado, Academia de Letras da Bahia, Museu Carlos Costa Pinto, MAM, Casa da Capoeira e outros mais.
Como nesse governo se fala bobagens que são próprias da petulância, recentemente o chefe da Agecom, Robinson Almeida, destratou todas as ex-primeiras damas do Estado com uma declaração bem nesse estilo, de dono da verdade, imaginar que uma Livraria do Autor Baiano ou um Theatro XVIII, objetos dessa crônica estejam comendo em mãos cavernosas ou endinheiras é de uma irracionalidade sem par.
O autor baiano vive à mingua. Diferente e muito do apoio que recebe os autores mineiros, paulistas, cearenses, pernambucanos, gaúchos, cariocas, só para citar esses seis exemplos, em seus respectivos estados. A Bahia nunca teve uma política nessa direção, quer seja de manutenção ou em projetos, salvo o relevante, porém, ainda tímido programa que criamos com EGBA/Secult na produção do Selo as Letras da Bahia, em 1995, paralisado desde janeiro de 2007.
Os autores baianos são, por natureza, retraídos e acostumados à senzala. E, como dito acima, distantes em propósitos dos aguerridos produtores e diretores teatrais. A Academia de Letras da Bahia é uma casa de notáveis, corporativista, que se move lentamente com poucos projetos de apoio às atividades literárias. O Clube Baiano do Livro acabou. As bibliotecas públicas do Estado e das Prefeituras não compram livros de autores baianos. Salvo raríssimas exceções, a Bahia é um dos únicos Estados de porte da Federação, que não tem editoras privadas.
As livrarias de Salvador, as mais importantes e maiores do Estado, colocam tantas barreiras para lançamentos de livros de autores baianos que é preciso mendigar para que, mesmo conseguindo essa façanha, com bocadas de 35% no preço dos livros, as obras sejam colocadas nas vitrinas. Há pouco tempo a Saraiva abriu uma mega-livraria no Salvador Shopping com micro-espaço para os autores locais. É sempre nessa direção. Porque, segundo os livreiros, o autor baiano não vende nada.
A rigor, salvo raríssimas exceções, o autor baiano (o que mora na Bahia) faz lançamentos para amigos (quase sempre os mesmos) com tiragens máximas de 1.000 exemplares para cada publicação, alguns dos quais, não chegam a vender 100 exemplares nos lançamentos. Essa é a realidade e todo mundo que trabalha nessa área ou faz por abnegação, o chamado amor à arte, ou porque acha que um dia vai conseguir sair desse círculo baiano e ingressar no mercado nacional, com alguma obra que se transforme num fenômeno editorial.
O professor Cid Teixeira, historiador emérito e reconhecido na Bahia por seu saber, tem uma tese (que é também referendada por cabeças de bom quilate) fundamentada no fato de que, a cultura de um Estado se organiza em letras a partir das obras locais, dos apontamentos que são feitos pelos autores da terra, documentando em ficção, em ensaios, em crônicas ou em outros textos, a vida dos seus Estados. Evidente, portanto, que, além do apoio necessário a que isso aconteça (dos setores do Estado e das Prefeituras, da iniciativa privada e de outros mecanismos) os espaços de manutenção são vitais.
A Livraria do Autor Baiano consumia uma merreca do Estado. Era tão insignificante o valor agregado a esse equipamento de manutenção que risível se analisado diante de outros projetos da área cultural. Mas, ruim com ela, com toda a falta de apóio que tinha; pior sem ela. Os autores baianos estão órfãos e pode-se afirmar sem ofender quem quer que seja que, o livro do autor baiano, como produto, não existe. É uma ficção.
Esse quadro tende a mudar? Não vejo perspectivas a curto e médio prazos. Não existem movimentos nessa direção, nem nas áreas estatais e municipais; nem na iniciativa privada; nem entre os autores. Morremos todos. Podem mandar fechar a tampa do caixão. A propósito, Pinras, antes de "morrer", fechou uma das melhores livrarias da cidade e foi vender Pizza na Pituba.