Salvador vive amparada em duas muletas: governos federal e estadual
Em entrevista recente à Rádio Metrópole, o prefeito João Henrique (PMDB) acrescentou mais uma expressão de efeito ao mundo político, afirmando que a cidade do Salvador vive amparada em muletas. Embaixo do sovaco esquerdo, a muleta número 1, o governo federal; e sob o braço direito, a muleta número 2, o governo do estado. Sem essas muletas, segundo suas observações, a cidade não conseguiria andar.
Ou seja, Salvador está aleijada, sem conseguir com suas próprias pernas tomar um rumo mínimo que seja, porque é uma cidade paupérrima, quebrada financeiramente, apesar de sua formosura, de suas belezas naturais, das dádivas divinas que fizeram dela um dos pontos mais cortejados do Atlântico, ao longo dos séculos, e, hoje, coitada, vive nesse bangüê, à semelhança e imagem de uma vaca do semi-árido em época de seca, amparada em varal.
Informações dessa natureza passadas à população pelo gestor da cidade, o administrador da coisa pública, causam além do espanto natural, um ar de desânimo, de desalento, como se a aleijadinha não pudesse tomar umas vitaminas C e andar com suas próprias pernas.
O prefeito acha que, parcialmente isso poderá acontecer, desde que a Câmara de Vereadores aprove a revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) que propôs à cidade em regime de urgência, o que melhoraria suas condições de sustentabilidade por si só.
Em certo sentido, o prefeito tem toda razão. Embora, faça-se a ressaltava de que só tenha descoberto esse mal congênito de Salvador, o qual credita a seus antecessores de 10/15 anos que não souberam promover esse vigor físico à capital, dois anos e oito meses depois que assumiu o cargo graças a uma campanha mirabolante onde sustentou, com todas as letras, que seria capaz de administrar a cidade, melhorar a qualidade de vida da população e reduzir os indicadores em áreas sociais crônicas.
Daí que, ao confidenciar que a cidade do Salvador não consegue andar sem as muletas, gerenciando um déficit financeiro que ele próprio criou ao soltar as rédeas dos reajustes salariais dos servidores públicos e promover uma "gastança desenfreada", como classificou seu ex-secretário da Fazenda, Reub Celestino, sobretudo na campanha política próxima passada, o prefeito senão entregou os pontos, deixou claríssimo que somente os governantes Lula da Silva, presidente da República; e Jaques Wagner, o governador do estado, poderão salvar a cidade de presumíveis novas topadas e queda ao rés do chão.
Nesse contexto, vem promovendo reformas em sua equipe de governo, abrindo espaços para o PT/PMDB, entendendo-se aí como uma associação entre o ministro Geddel Vieira Lima e os governos Lula/Wagner, tentando levar sua gestão até o final, obviamente amparado nas muletas.
Qualquer dessas peças, que retire uma das muletas, certamente o prefeito terá dificuldades insuperáveis, até as aqui expostas. E aí, não tem PDDU aprovado que resolva essa questão a curto prazo, até porque, a revisão do Plano Diretor na forma em que está sendo proposta visa, tão somente, atender segmentos empresariais da construção civil na franja adjacente à orla Atlântica, e, portanto, não resolveria um drama dessa natureza.
Por mais que se discuta o PPDU, em colégios de quaisquer amplitudes, pouco vai se resolver em áreas que já estão densamente habitadas, sem planejamento e onde nenhum administrador modificará, ou porque não existem investimentos a fundo perdido para esse tipo de intervenção; ou porque é impossível reordenar áreas como miolo da cidade, a Liberdade, o São Caetano, o Subúrbio Ferroviário, etc., etc., salvo se houvesse um aporte internacional de recursos, um Plano Marshal para Salvador.
O PDDU pode, no máximo, ordenar alguns espaços que ainda restam, como são os casos de áreas do litoral Norte da cidade e nada mais. De sorte que, entre o discurso e a prática, pela vertente PDDU não será possível retirar as muletas. Agora mesmo, independente disso, a cidade não consegue absorver um investimento hoteleiro na área do Comércio, Praça Cayru, entendendo o patrimônio histórico que não se pode mexer num prédio azulejado estilo mexicano, cujo valor histórico parece irrelevante.
O prefeito prometeu e até criou uma secretaria e trazer recursos do Mercado Comum Europeu a fundo perdido para investir na cidade. Ora, todo mundo sabe que um gringo, quer seja europeu, asiático ou norte-americano, etc., não coloca um real num país da América Latina se não for para retirar dois ou mais reais.
Veja o caso do Pálace Hotel da rua Chile que um grupo português comprou para fazer um hotel 5 estrelas. Está com as obras paralisadas há mais de dois anos. Por que? Porque não depende da beleza de Salvador, nem da generosidade do povo baiano. Depende do mercado internacional do turismo. E como o Brasil (e consequentemente a Bahia) está em baixa, aguarda-se um novo tempo para concluir a obra.
Voltando-se, portanto, ao PDDU e as muletas, às vésperas de ano eleitoral com fogo amigo à vista, pele fina concorrendo e companheiros se articulando em candidaturas próprias, o mais sensato é colocar os sovacos no molho e segurar-se no bangüê enquanto é tempo.