Crônicas da Bahia
É uma bobagem essa associação étnica envolvendo as comemorações ao 2 de Julho, data de Independência da Bahia, e a participação do povo negro nas várias lutas que se processaram entre 1822/23. Mais óbvio do que isso só pesquisa realizada por representantes da Faculdade de Arquitetura da UFBA, alardeada como um feito notável mostrando a cara de Salvador com suas desigualdades sociais, elementos que se conhecem desde os primórdios do assentamento urbano da capital.
A cidade e sua gente, de todas as etnias e camadas sociais, comemoraram os 183 anos da data cívica com o brilhantismo de sempre, este sendo um ano eleitoral, com políticos ocupando espaços com suas charangas e promessas. O 2 de Julho, diga-se de passagem, necessita de um estudo mais aprofundado de sua importância no contexto da história do Brasil, pois, os autores nacionais não lhes dão a menor valia. Ademais, muito do que se fala aqui na Bahia sobre o episódio tem conotações de um heroísmo exagerado.
As reverências ao 2 de Julho até o início do século passado esteve, também, associadas a momentos carnavalescos, sobretudo a partir de 1920 quando o intendente Manoel Duarte, nascido e criado no Santo Antonio, incluiu o bando anunciador na programação reeditando a "velha tradição da mascarada alegre". O Diário de Notícias, segundo a historiadora Walmira R. de Albuquerque em seu Patriotas, Festeiros, Devotos...As Comemorações da Independência da Bahia (1888/1923), considerou a saída dos mascarados como uma "espécie de segunda mi-carême". Ou seja, à volta de uma tradição.
A rigor, as pranchas carnavalescas foram incorporadas ao cortejo do 2 de Julho nas primeiras décadas do século XX. Havia até uma musiquinha que se cantava assim: Quem não bebe neste dia/ Quem não toma bebedeira/ É parente do Madeira/ Conspira contra a Bahia. Visto, pois; a cana corria solta. Em 1903, atesta a pesquisadora Walmira que o intendente municipal convidou "o clube carnavalesco Cruz Vermelha e a Sociedade Euterpe para participarem das comemorações ao 2 de Julho".
Em 1920, A Tarde batizou de "carnaval patriótico" os festejos cívicos daquele ano, mas foi perspicaz ao criticar os excessos publicando a quadrinha: Foliões! A postos! Vamos/ Para a troça e o bacanal/ O Dois de Julho festejamos/ Com farra do Carnaval.
Era, na essência, um carnaval da elite com a presença dos endinheirados e da "gente elegante" vestindo os melhores trajes e utilizando-se dos carrões mais sofisticados da época. Mas o povo também participava.
Cita Walmira que, em 1900, o principal destaque do desfile foi o "distinto industrial Luís Tarquínio em um carro seguido pelo ‘batalhão patriótico vila operária' formado por 280 trabalhadores têxteis". Que maravilha! Já imaginaram, hoje, um representante da FIEB ostentando as suas armas com um grupamento assemelhado! ‘Batalhão patriótico da Braskem'. Não dá mais.
Havia, ainda, bailes nos clubes chics: Politheama, Elite e Euterpe. E aconteciam de tudo: "Os foliões pintavam o sete, o diabo, a manta, os canecos, em muitas danças e no seu predileto maxixe" - frisou o DN - informando, ainda, que a patuscada carnavalesca rompeu a madrugada.
E mais: a festa não se concentrava, como hoje, apenas no centro histórico da cidade com seus dois desfiles cívicos e o te-deum na catedral da Sé, mas também no Bom Gosto da Calçada, Rio Vermelho, Maçaranduba, Plataforma, Brotas e outros bairros e ruas, como nas Castro Neves e Ouro.
Então, a festa dos dias atuais é comportadíssima em relação ao que se passou nesse misto quente de entrudo carnavalesco, batucadas e pranchas decoradas que aconteceu entre o final do século XIX até os primeiros 20/30 anos do século XX.
A ordem na casa teria acontecido na era Vargas, a partir dos primeiros anos da interventoria de Juracy Magalhães e dos novos intendentes nomeados pelo palácio do catete.
Redundante, como hoje, que a ocupação de espaços na festa sempre giraram em torno dos valores da desigual sociedade baiana, com seus hábitos e práticas herdados da base escravista colonial. Nos dias atuais, a comunidade mais pobre se impõe de maneira mais firme, porém continua manobrada pelos políticos.
O 2 de Julho atual ainda preserva alguns dos traços carnavalescos do passado com as presenças de grupos de pagode e reaggae no decorrer do cortejo e em espaços no Pelô, com participações mais populares e integrativas, áreas ocupadas por diferentes etnias e classes sociais.
Ademais, o que era raro nos séculos XIX e meados do XX, aumentou, substancialmente, a presença de estrangeiros integrados ao cortejo ou como turistas. Hoje, o Carnaval desligou-se completamente do 2 de Julho