Aos leigos, pode soar inusitado, mas o tratamento existe e pode ser eficaz em diversas questões clínicas, promovendo, inclusive, melhoria aos pacientes. O transplante de fezes é um dos tratamentos utilizados para combater a chamada disbiose, ou seja, o desequilíbrio da população microbiana intestinal.
A coloproctologista do Serviço Estadual de Oncologia (Cican), Glícia Abreu, explica que esse desequilíbrio está relacionado com várias condições clínicas, incluindo obesidade, problemas cardiovasculares, diarreia, constipação e até mesmo, problemas neurológicos ou psiquiátricos como autismo, ansiedade e depressão. “Em nosso intestino vivem trilhões de micro-organismos que convivem conosco em situação de equilíbrio, o que chamamos de simbiose. Eles ajudam no bom funcionamento do nosso corpo, dando proteção contra micro-organismos patogênicos e fornecendo substâncias essenciais ao bom funcionamento e, por sua vez, nós fornecemos para eles condições necessárias para que vivam e proliferem”, explica a médica, que também é pesquisadora do Centro de Distúrbios Miccionais na Infância, na Escola Bahiana de Medicina.
Por outro lado, prossegue Dra. Glícia, alguns fatores como o envelhecimento, mudança na dieta, ambiente e uso de medicações como antibióticos podem contribuir com a modificação da microbiota, permitindo a proliferação de micro-organismos “ruins”, chamados de patógenos. “Diante disso, estudos vêm sendo feitos objetivando modificar essa disbiose na tentativa de se obter uma melhora clínica”, afirma.
Segundo a proctologista, O transplante fecal é nada mais, nada menos do que a inoculação do material fecal de um indivíduo sadio e, consequentemente, com uma microbiota equilibrada, no indivíduo doente. Ainda de acordo com a Dra. Glícia, recentemente, um estudo na revista Nature relatou uma alteração positiva no comportamento de pacientes com espectro autista após a realização do transplante fecal.
Atualmente, diz a médica, a aplicação clínica que realmente está liberada para uso na prática clínica, inclusive pelo FDA (Food and Drug Administration – agência de saúde dos EUA), é no tratamento para os casos de colite pseudomembrana, que ocorre após o uso de antibióticos, geralmente de largo espectro e duração mais prolongado.
Mas as pesquisas não param por aí. Dra. Glícia ressalta que estudos vêm sendo feitos também em doenças gastrointestinais, como na síndrome do intestino irritável e até mesmo no diabetes. “Dessa forma, embora o transplante fecal seja um tratamento que parece promissor, precisamos ainda ter cautela e esperar resultados mais robustos dessas pesquisas para que sua eficácia em outras doenças seja realmente comprovada”, pondera.