Saúde

Médico palestino diz que trafica esperma de presos para atender social

Seria o resultado de uma amostra de sêmen traficada de dentro de uma prisão para um laboratório, desafiando as autoridades penitenciárias israelenses.
Folha SP , Cisjordânia | 14/04/2013 às 12:07
O médico Abu Khaizaran em sua clínica de fertilização em Nablus, na Cisjordânia
Foto: FolhaPress
O palestino Ammar al Ziben, 38, está detido há 16 anos em Israel. Cumpre 27 sentenças de prisão perpétua e está proibido de receber visitas íntimas.

Ammar dizia à mulher, separado dela por um vidro, que já se considerava morto, incapacitado de dar continuidade à linhagem familiar.

Até que um recente esquema de contrabando de esperma e fertilização in vitro culminou, segundo o médico responsável, no nascimento de um pequeno garoto chamado Muhannad. Seu filho.

Seria o resultado de uma amostra de sêmen traficada de dentro de uma prisão para um laboratório, desafiando as autoridades penitenciárias israelenses.

Mas o garoto é também fruto da defesa do médico Salim Abu Khaizaran, 56, de que é preciso mitigar o que considera o drama familiar dos mais de 4.700 prisioneiros palestinos em Israel.

"Somos uma sociedade conservadora e gostamos de ter filhos", diz à Folha. "Há uma pressão muito grande sobre as mulheres. Em alguns casos, se o marido é solto, elas já não estão mais no período fértil e têm de aceitar que ele se case de novo."

A ideia de contrabandear sêmen dos palestinos partiu das lideranças presidiárias, que procuraram Abu Khaizaran para perguntar a ele se a fertilização seria viável do ponto de vista técnico.

O médico, por sua vez, consultou as autoridades islâmicas para investigar se a fertilização seria aceita religiosamente. Seria, e um pronunciamento legal ("fatwa") foi emitido a seu favor.

Foi a vez de Dallal al Ziben, mulher de Ammar, ir à clínica e pedir que Abu Khaizaran lhe ajudasse a realizar o sonho do marido: ter um filho. Antes da prisão, ele já tinha gerado duas meninas.

DOR

A ideia veio a Ammar em 2004, depois da morte de sua mãe, então em greve de fome pela libertação do filho. "Ele queria trazer uma pessoa à vida", diz Dallal, 32.

"No começo eu estava hesitante. Pensava em como as pessoas iriam olhar para mim, grávida, sabendo que meu marido está na prisão."

Encorajada pela família e pelo vilarejo de Maythalun, aceitou. Segundo ela, foram necessárias três tentativas, incluindo um fracasso na fertilização e um aborto natural. "Que ninguém pense que foi fácil. Foi muito doloroso, e não sei se faria de novo", diz.

Muhannad foi recebido com alegria na vila, "como se fosse uma festa de casamento", conta. Para o marido, diz, significou uma razão para lutar pela soltura.

Ammar foi preso em 1997, condenado pela acusação de treinar homens-bomba, de acordo com a sua mulher.

Segundo o médico, outras oito mulheres estão grávidas após passarem pelo mesmo procedimento. Na clínica, diz Abu Khaizaran, existem mais de 60 amostras de esperma de prisioneiros palestinos congeladas.

O médico e Dallal se recusaram a explicar de que maneira o sêmen é traficado e em que condições é retirado.

Procurada pela Folha, a autoridade penitenciária israelense diz que o contrabando de sêmen na prisão seria "muito difícil" de ocorrer. Mas não impossível.

"As condições de visita são restritivas, e só as crianças de até oito anos podem tocar os prisioneiros", diz a porta-voz Sivan Weizman. "Estão sempre sob vigilância."

Mas as crianças não são revistadas ao sair.

Weizman afirma que a proibição a visitas íntimas é por segurança. "Visitantes podem trazer outras coisas, como um telefone, uma arma", diz.