A passagem da Coluna Prestes e de jagunços, o medo e a reza que os tornavam invisíveis. Trata-se de algumas histórias que estão na memória das 67 famílias do Território Quilombola de Agreste, na Bahia, que teve o seu Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) publicado, na sexta (15) e segunda-feira (18), no Diário Oficial da União (DOU). O território que tem uma área de 2,3 mil hectares está situado no município de Seabra, na Chapada Diamantina.
Este é o quarto RTID, publicado pelo Incra/BA este ano. "A publicação do RTID significa o cumprimento de uma das partes mais complexas de todo o processo em busca da titulação de um território quilombola. O documento justifica o território que a comunidade ocupa", afirma o coordenador do Serviço de Regularização de Territórios Quilombolas do Incra/BA, Itamar Rangel Vieira Junior.
O relatório, com 105 páginas, aborda a história da comunidade, considera a ancestralidade, a tradição e a organização socioeconômica dos remanescentes de quilombos de Agreste. Ele ainda identifica e delimita o território. Após essa etapa, o Incra/BA inicia a notificação do proprietário de um imóvel rural, inserido no território, que tem até 90 dias para elaborar alguma contestação. O Território do Agreste engloba, além da propriedade rural, terras devolutas, ou seja, de domínio do estado.
História
A comunidade quilombola de Agreste foi fundada por um negro de nome Porfírio Alves, em 1926. Nessa época, a região era só mata e havia animais selvagens. Ele procurava um espaço escondido onde houvesse água.
Os remanescentes dos quilombolas do Agreste lembram-se da passagem da Coluna Prestes e de seus revoltos. De acordo com o documento, a memória dos revoltos da Coluna se mistura com a dos jagunços, pois ambos "impunham poder por meio da violência, saqueavam roças, violentavam mulheres e batiam nos homens".
Sobrenatural
O documento contém o relato de uma ancestral que cozinhava cuscuz e havia uma criança numa rede, quando jagunços chegaram. "Neste momento Damazia inicia uma oração que as tornaram invisíveis, inclusive o cuscuz, aos olhos dos invasores", relata uma dos trechos.
Segundo o RTID, a narrativa sobrenatural tem relação com a necessidade dos ancestrais de manterem-se escondidos e imperceptíveis. "Manter-se invisível estava presente em todas as entrevistas formais e informais. Era uma questão de sobrevivência".
Lembrança
Os quilombolas de Agreste recordaram os momentos mais significativos da própria história. Entre eles, destaca-se "o tempo da fome", em 1932, época de seca e que pessoas realmente morriam pela falta de alimentos. Período de grande sofrimento para as famílias.
Além disso, eles relatam que, em 1950, um casal começou a ensinar crianças e jovens a escrever. Já em 1984, pela primeira vez, um carro chegou à comunidade de Agreste. Eles recordam que, em 2001, tiveram acesso à energia elétrica e a água encanada, em 2007.