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Rosa de Lima

ROSA DE LIMA COMENTA O POEMA ÉPICO DA GRÉCIA ANTIGA, A ODISSEIA

Na síntese geral do livro, a descrição é sobre a luta com contornos de pura ficção de Odisseu (na tradição latina Ulisses) para retornar à Pátria depois de 10 anos da guerra que aconteceu na cidade lendária de Tróia,
16/06/2023 às 09:10
  
  Creio que não preciso explicar aos meus leitores que "A Odisseia" (Editora Princips, tradução de Odorico Mendes, 315 páginas, 2020, R$47,00 na Amazon.com.br) é um dos clássicos da literatura mundial mais comentados e analisados no Ocidente e até hoje há dúvidas se o livro foi escrito por Homero ou se nasceu a partir de várias narrativas de autores distintos, mas pela simetria dos poemas divididos em 24 cantos, é provável que tenha sido declamados e colocados no papel por apenas uma pessoa. É tanto mistério em torno dessa obra que o adequado é consagrá-la a Homero, mesmo sem saber se Homero, de fato, existiu.

  Veja, também, que na síntese geral do livro, a descrição é sobre a luta com contornos de pura ficção de Odisseu (na tradição latina Ulisses) para retornar à Pátria depois de 10 anos da guerra que aconteceu na cidade lendária de Tróia, que até hoje os historiadores não conseguem identificar que lugar real da lendária guerra é esse, se nos territórios da Europa ou da Turquia.

 Pelo que leio na internet, há um sítio arqueológico em Hisarik, província turca de Çanakkale, que seria o local onde teria existido Tróia e após essa guerra, de retorno à casa, em Ítaca, Ulisses enfrenta todo tipo de obstáculo, sobretudo os praticados por Poseidon (Netuno) - Deus dos mares - ainda que estivesse protegido por Atena, com o objetivo de voltar aos braços de Penépole, sua esposa, e do filho Telêmaco.

  O retorno é dramático. Ulisses fica preso numa ilha durante anos e quando parte com seus 12 navios é atormentado pela fúria de Netuno, pelo sedutor canto das sereias na batalha contra o Cíclope, o autor o enreda no ambiente caótico com ciladas ardilosas no seu trajeto, a ponto de Telémaco já adulto (quando Ulisses partiu para Troia ele era uma criança) sabendo do sofrimento do pai vai em seu socorro ajudado pela deusa Atena, enquanto Hermes o mensageiro dos deuses desce ao mundo dos humanos e resgata Ulisses da ilha de Calipso (ninfa solidária que tenta conquistar o amor de Ulisses) e o ensina a se livrar dos encantos de Circe, a feiticeira, etc, num poema épico dividido em 24 cantos (nessa época, estima-se, século VI a.C os poemas eram recitados) composto por 12 mil versos hexâmetro, de 13 a 17 sílabas, que variam entre longas e breves, em grego.

  Vê-se, pois, a dificuldade que é ler um livro dessa natureza que, ao lado da Ilíada, compõe o mais relevante da poesia épica grega daquela época. O tradutor, Manoel Odorico Mendes, maranhense (1799-1884), político, poeta, conhecido por ser autor das primeiras traduções das obras de Virgílio e Homero, considerado precursor da moderna tradução criativa no Brasil, um intelectual extremamente gabaritado, produz e anexa um imenso glossário de 50 páginas que o editor chama de notas da edição e notas do tradutor citando traduções atuais de determinadas palavras, do tipo: fado= destino; olhicerúlea = de olhos azuis; siso = juízo, etc; e mais situando que "cava insídia - significando o bojo do cavalo - é uma arrojada expressão que eu não quiz apoucar", comenta Odorico.

 "Acho razão em Rocheford quando opina que há interpolação nesta passagem, por ser indigno de Homero que Helena fosse contrafazer a voz das mulheres que estavam em Troia, nem os maridos podiam acreditar que elas, de um dia para outro, chegassem todas para os excitar", aponta Odorico, essa e outras tantas observações para ajudar os leitores.

  Então, aquele que não é estudioso dessa obra - e até mesmo os estudiosos - precisam com frequência recorrer aos dicionários e as enciclopédias para decifrar os personagens que são centenas de deuses, elfos, ninfas, etc, para que haja uma decodificação do enunciado desses personagens da mitologia grega daquele tempo politeísta com deuses de toda natureza - dos mares, da terra, do ar, do fogo, da água, das plantas, etc, para se entender o que está escrito nos versos.

  Quando ele cita no canto IV: "Despede-o já", repica-lhe Mercúrio: "Nunca irrites a Júpiter, nem queiras/ Irado experimentá-lo. Disse, e foi-se. Dócil a ninfa, se dirige à praia/ Onde Ulisses longânimo gastava/ A doce vida, os olhos nunca enxutos/ Saudoso e enfastiado; pois com ela/ Por comprazer dormia contrangido/ E gemebundo, o ponto contemplado,/Passava o dia em litoral penedo. 

  Trata-se, apenas de um verso (110/115, canto IV) simples, mas que o leitor, no mínimo precisa saber que Mercúrio na mitologia grega é também chamado de Hermes, filho do Deus Zeus (o supremo) e da ninfa Maia e irmão de Apolo, e tinha talento com as palavras e era denominado deus da eloquência e mensageiro de Zeus; e Júpiter, era o deus dos desus.

  Esse é um exemplo simples. Vamos para um mais complexo no canto III: "O cetro alçar. Das Câmaras saídas, / Cercavam-no Equéfron e Estrácio e Areto/E Perseu e o deiforme Trasimedes? Sexto Pisístrato, o menor da estirpe / Era Telêmaco, a importais parelho,/ junto ao régio Nestor que assim começa: "Filhos, eia, a Minerva engrandecemos".

  O autor revela nesse versos que os filhos de Nestor, rei de Pilos, cercavam (Odisseu/Ulisses) junto com o semi-deus (Perseu) e o tirano (Sexto Pisítrato) até que chega Telêmaco (filho de Odisseu/Ulisses) e era preciso agradecer a deusa da sabedoria nascida do cérebro de Júpiter e descrita com um escudo, lança, capacete de guerra (Minerva)

  É isso, se o leitor não fizer essa docidificação não entende patavina do Odisseia salvo as citações mais puramente poéticas tais como: "Pronto o assado e o banquete, os mais prestantes/ O vinho em copos de ouro em pé transfundem/ Repleta a fome a a sede, ei-lo o Gerênio" e assim são tantos milhares de outros.

  Em resumo, a guerra de Tróia, teria nascido na mitologia grega, quando Helena, que era filha de Zeus e da rainha Leda, irmã de Castor e Polux, e casada com o rei Menelau de Esparta. Helena e Menelau viveram juntos e felizes até que um príncipe de Troia viajou pra Esparta a conselho de Afrodite prometendo a ele a mulher mais bela do mundo, e Paris raptou Helena. Quando Menelau regressou de Creta reuniu os líderes da Grécia e uma grande expedição e partiram para Troia iniciando a guerra de 10 anos com fim épico e vitória dos gregos que seduziram os troainos com um imenso cavalo de madeira lançado à praia, onde, no seu bojo, estavam guerreiros.

  No popular, como diz Amelinha em sua música (Mulher Nova Bonita e Caprichosa): Menelau, o maior dos espartanos/Vanceu Páris, o grande sedutor/Humilhando a familia de Heitor.

  Homero, no último canto, poetiza: "O herói, finda a oração, de Eupiteu rompe/ De lança o elmo, à queda o arnês ressoa/ Ulisses e Telêmaco os mais bravos/ Talham de espada e pique, e total fora/ O estrago e perda se a gritar Minerva/ Não contivesse o povo: "Ítacos, basta/já, já dá crua guerra separai-vos".