Política

FÓRUM SOS SAÚDE BAHIA MOSTRA OS PROBLEMAS E APONTA AS SOLUÇÕES

Veja o que diz a carta retirada do fórum apontando as possíveis soluções
Tasso Franco ,  Salvador | 01/10/2025 às 11:01
ACM Neto coordenou o fórum
Foto: DIV
CARTA COMPROMISSO COM A SAÚDE PÚBLICA DA BAHIA
Fórum “SOS Bahia” - Setembro de 2025
Quem nunca enfrentou na própria família a angústia de lidar com uma doença? Não bastasse o desgaste emocional, e muitas vezes também financeiro, o povo baiano é obrigado a conviver com longas filas de espera, ausência de assistência adequada e, sobretudo, escassez de leitos hospitalares. A superlotação das emergências em todo o estado expõe não apenas a falência do sistema, mas também a dor e a frustração de quem procura ajuda e não encontra.

A crise da saúde pública na Bahia é resultado de um modelo marcado pela desorganização, pela falta de planejamento e por decisões políticas que deixaram de priorizar a vida. Avaliar um sistema de saúde, e por consequência a eficácia de uma gestão, exige ir além de discursos ou inaugurações. O que deve ser medido é a capacidade real do Estado de garantir o bem-estar da população. Essa capacidade se expressa por meio de indicadores confiáveis, que revelem tanto a qualidade da prevenção quanto a eficiência da resposta diante de situações críticas.

No complexo quebra-cabeça da saúde pública, alguns indicadores se impõem com clareza por seu impacto direto na vida das pessoas. Dois deles são fundamentais: a taxa de mortalidade infantil e a disponibilidade de leitos gerais e de UTI por habitante. Analisados em conjunto, esses dados oferecem um retrato da situação da saúde na Bahia, além de um mapa objetivo dos desafios que precisam ser enfrentados.

A persistência de uma taxa elevada de mortalidade infantil revela falhas sistêmicas que começam ainda antes do parto e se prolongam por toda a cadeia de cuidado: do pré-natal à assistência hospitalar no nascimento, passando pelo acompanhamento dos primeiros dias de vida. Em 2024, a Bahia registrou 15 óbitos infantis por mil nascidos vivos, uma das piores taxas do país.

A média nacional no mesmo ano foi de 12,62. O mais alarmante, porém, é a estagnação: em 2015, a Bahia já apresentava índice semelhante (15,16). Em quase uma década, o estado não conseguiu reduzir praticamente nada desse indicador, considerado um dos mais sensíveis para medir o cuidado com a primeira infância.

Se a mortalidade infantil escancara as deficiências na base do sistema, a oferta de leitos de internação e especialmente de Terapia Intensiva (UTI) revela a precariedade no atendimento de alta complexidade. A ausência de leitos adequados
compromete a resposta do sistema a traumas, complicações cirúrgicas, doenças graves e situações emergenciais, como
epidemias ou acidentes.

Nesse quesito, a Bahia também vive um cenário alarmante. O estado ocupa as últimas posições em leitos de UTI na rede SUS por 10 mil habitantes. Com uma taxa de 1,1 leito de UTI por 10 mil pessoas, a Bahia está bem abaixo da média nacional, que é de 3,6. Em outras palavras: um cidadão baiano em estado grave tem menos acesso a UTI do que a maioria dos brasileiros.

Este retrato fica ainda mais desigual quando constatamos que praticamente metade (48,8%) destes leitos está concentrada em Salvador, enquanto os demais estão espalhados por apenas 37 dos 416 municípios do estado. Esse desequilíbrio sobrecarrega a capital e penaliza severamente quem vive no interior.

Em regiões como o Nordeste (Alagoinhas e entorno) e Centro-Norte (Jacobina e entorno), a taxa de leitos despenca para 0,03 e 0,04 por mil habitantes, respectivamente. Um morador dessas regiões tem até sete vezes menos chance de acesso a um leito de UTI do que alguém da capital ou da RMS.

O resultado são ambulâncias percorrendo longas distâncias por rodovias precárias, pacientes sendo removidos sem a
estrutura adequada, famílias sem poder acompanhar o tratamento e profissionais de saúde sobrecarregados. O sistema de saúde baiano está doente. O que se vê no interior, sobretudo nos últimos 20 anos, vai além da negligência: é uma violação sistemática do direito à saúde.

A Bahia precisa urgentemente de um governo que enfrente essa realidade com coragem e seriedade. Um governo que invista, que integre o território e que trate os baianos como um só povo, sem distinção entre capital e interior. Reverter esse cenário exige diretrizes claras, trabalho articulado com os municípios e valorização dos profissionais da saúde. ]

Muitos municípios simplesmente não têm, hoje, como oferecer sozinhos a estrutura mínima necessária para atender sua população. O Fórum SOS Saúde reúne especialistas da Bahia e de outros estados que se dedicaram a construir um diagnóstico preciso e uma proposta de reestruturação da rede pública de saúde.

A partir de uma escuta ampla e da análise de evidências, elaboramos um conjunto de compromissos que será apresentado nesta Carta. Todos os envolvidos são unânimes em afirmar: a solução exige uma abordagem sistêmica, regionalizada e contínua, com foco na atenção básica, na ampliação da oferta hospitalar e na valorização das equipes de saúde. É possível virar essa página. Mas é preciso planejamento, compromisso e liderança.

Assim como a crise da segurança pública ceifa vidas e fragiliza comunidades inteiras, o colapso silencioso da saúde pública também causa perdas irreparáveis. Crianças, jovens, adultos e idosos têm suas histórias interrompidas por falhas que poderiam ser evitadas. Seja pela violência ou pela omissão no cuidado à saúde, milhares de famílias baianas são deixadas para trás. Isso precisa mudar. A seguir, elencamos eixos estratégicos que precisam ser implantados para garantir saúde de qualidade para todos os baianos:

A seguir, elencamos eixos estratégicos que precisam ser implantados para garantir saúde de qualidade para todos os baianos:

REGULAÇÃO EM PRIMEIRO LUGAR
A reestruturação da regulação precisa ser a prioridade absoluta da saúde na Bahia. Enquanto esse problema não for
enfrentado, vidas continuarão sendo perdidas na fila da morte, em corredores superlotados e em longas viagens na busca de
um leito. Nosso compromisso é mudar radicalmente esse sistema, fazendo da regulação o que ela deve ser: rápida,
transparente e humana.
• Descentralizar e modernizar o sistema, com uso pleno do monitoramento em tempo real dos leitos para agilizar
transferências e ocupação.
• Estabelecer a meta de Fila Zero para socorro à vida, ampliando e regionalizando a rede de urgência e emergência para
casos de trauma, infarto, AVC e partos sem assistência.
• Buscar vagas de forma contínua em toda a rede: estadual, municipal, filantrópica e privada.
• Eliminar a politização, adotando critérios exclusivamente médicos para a decisão sobre vagas.
• Acompanhar cada paciente até a solução, do pedido inicial ao acolhimento final, sem abandono no meio do caminho.
• Realizar concursos públicos para fortalecer a regulação, garantindo equipes técnicas permanentes, qualificadas e com
estabilidade.
• Investir em tecnologia e inovação, com sistemas integrados de informação, inteligência artificial para previsão de
demanda e transparência total no acesso às vagas.
REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE
A Bahia precisa descentralizar sua rede de assistência. Hoje, a saúde continua concentrada em Salvador e em grandes
cidades, obrigando pacientes do interior a percorrer longas distâncias para ter atendimento. Nosso compromisso é levar a
saúde para perto das pessoas.
• Construir novos hospitais regionais em áreas onde há vazios assistenciais.
• Ampliar parcerias com hospitais filantrópicos e privados, contratualizando serviços e leitos gratuitos para quem não tem
plano de saúde.
● Contratar e fixar médicos e especialistas no interior, com carreira estruturada, bons salários e formação continuada,
garantindo equipes completas em cada região.
● Criar o programa Saúde sobre Rodas, com unidades móveis para levar atendimento até distritos, zonas rurais e
pequenos municípios.
● Expandir o uso da Telemedicina, conectando médicos do interior a especialistas de diferentes áreas e agilizando
diagnósticos e tratamentos.
● Fortalecer a Saúde Domiciliar, com equipes multiprofissionais acompanhando pacientes em casa, liberando leitos
hospitalares para os casos mais graves.
● Implantar o Corujão da Saúde, usando a ociosidade noturna dos hospitais para reduzir filas.
● Integrar de verdade as Policlínicas à rede estadual, corrigindo erros de gestão e garantindo que pacientes da regulação
tenham acesso às especialidades disponíveis nessas unidades.
● Implantar um Plano Diretor de Regionalização da Alta Complexidade, com investimentos e cronograma definidos para
ampliar leitos de UTI nas macrorregiões mais desassistidas, garantindo que todas alcancem, no mínimo, a média estadual atual
de leitos por mil habitantes.
● Fortalecer os Hospitais Pólo Regionais, elegendo unidades estratégicas em cada macrorregião e estruturando-as como
centros de referência em média e alta complexidade, com capacidade cirúrgica, diagnóstica e de terapia intensiva, reduzindo
drasticamente o tempo de deslocamento de pacientes graves até um leito de UTI.
● Pacto pela Redução da Mortalidade Infantil, com fortalecimento da Vigilância do Óbito Infantil para investigar casos e
corrigir falhas do sistema.
● Fazer funcionar melhor o que já existe: fortalecer hospitais municipais, ampliar leitos e cofinanciar procedimentos,
transformando unidades estratégicas em referências microrregionais.
● Implantar a Tabela SUS Bahia, programa inspirado na experiência bem-sucedida de São Paulo, que remunera hospitais
privados com valores complementares à tabela nacional. O objetivo é ampliar a oferta de consultas, exames e cirurgias,
reduzindo as filas e garantindo atendimento mais rápido para a população.
● Implantar uma rede de maternidades de referência para gestações de alto risco.
● Garantir pré-natal especializado, transporte sanitário e acompanhamento integral das gestantes.
● Reduzir drasticamente a mortalidade materna e infantil, colocando a Bahia no caminho da dignidade e da vida.
PROGRAMA ESTADUAL PARA GESTÃO DE RISCO
Hoje, a Bahia convive com índices alarmantes de mortalidade materna e infantil. Muitas mulheres não têm acompanhamento
adequado, enfrentam gestações de risco sem suporte especializado e, em muitos casos, perdem a vida por falta de
assistência. Isso é inaceitável. Nosso compromisso é mudar essa realidade:
• Criar centros regionais de quimioterapia e radioterapia, levando o atendimento para perto das pessoas.
• Ampliar a rede de diagnóstico precoce, para evitar que pacientes descubram a doença em estágio avançado.
• Oferecer apoio integral às famílias, reduzindo o deslocamento e garantindo um tratamento mais humano e digno.
ONCOLOGIA PERTO DE CASA
O tratamento contra o câncer na Bahia hoje não é digno. Pacientes do interior precisam viajar centenas de quilômetros até
Salvador para ter acesso a quimioterapia e radioterapia, muitas vezes em condições precárias, longe de suas famílias. Esse
sofrimento não pode mais ser ignorado. Nosso compromisso é descentralizar e humanizar o tratamento:
CENTROS REGIONAIS DE SAÚDE MENTAL E AUTISMO
A saúde mental ainda é tratada como um tema secundário na Bahia. Famílias convivem com a demora no diagnóstico, a falta de
serviços especializados e a ausência de apoio adequado. Crianças, jovens e adultos com transtornos como autismo muitas vezes
ficam sem atendimento ou precisam se deslocar para longe em busca de cuidado. Esse é um problema real, que não pode mais
ser ignorado.
● Criar centros regionais de referência no Transtorno do Espectro Austista, TDAH e outros transtornos do
neurodesenvolvimento, com atendimento multiprofissional.
● Levar a saúde mental para a atenção básica, garantindo diagnóstico precoce e acompanhamento contínuo.
● Implantar uma rede de acolhimento às famílias, com suporte psicológico e orientação permanente.
● Ampliar os serviços de saúde mental, com terapias multiprofissionais e acesso a tratamento medicamentoso.
● Investimento na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), apoiando a criação de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e
a ampliação da oferta de leitos psiquiátricos em hospitais gerais.
● Criar programas de atenção ao idoso no interior e na zona rural, com equipes móveis e telemedicina para garantir
acesso a exames, consultas e acompanhamento.
● Implantar uma rede de prevenção e detecção precoce de doenças crônicas, com exames regulares, vacinação ampliada
e acompanhamento contínuo.
● Investir em serviços especializados para idosos, incluindo cuidados preventivos, reabilitação e tratamento de doenças
crônicas.
● Treinar profissionais de saúde para lidar com as necessidades específicas da terceira idade, com foco em humanização
e qualidade de vida.
SAÚDE PARA TERCEIRA IDADE
A Bahia tem uma das maiores populações idosas do Nordeste, e grande parte dela vive no campo e na zona rural, onde o
acesso à saúde é limitado. Muitos idosos enfrentam longas distâncias para conseguir atendimento ou até mesmo um exame
simples, transformando o direito à saúde em um desafio diário. Cuidar da terceira idade é garantir dignidade e qualidade de
vida a quem já deu tanto ao nosso estado.
Salvador, setembrSalvador, setembro de 2025. Fo de 2025. Fórum SOS Bahiaórum SOS Bahia
COMPROMISSO COM A VIDA E O BEM-ESTAR DOS BAIANOS
A Constituição Federal é muito precisa ao afirmar que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Mais do que cumprir a lei,
assegurar saúde pública de qualidade é oferecer dignidade, respeitar a vida de cada família e assumir o compromisso de cuidar
de todos os baianos. Vamos acabar com a espera angustiante da fila de regulação. Cuidar da vida é nosso maior compromisso.
Nós sabemos como mudar e vamos mudar.