Política

CCJ DO SENADO REJEITA PEC DA BLINDAGEM E DECISÃO FINAL VAI A PLENÁRIO

Com informações da Agência Senado
Tasso Franco ,  Salvador | 24/09/2025 às 14:22
Senador Alessandro Vieira (MMDB-ES)
Foto: Geraldo Magela, Ag Senado

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) rejeitou nesta quarta-feira (24) a proposta de emenda à Constituição que exige autorização prévia da Câmara dos Deputados ou do Senado para abertura de ação penal contra parlamentares (PEC 3/2021). Os senadores aprovaram por unanimidade o parecer do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) contrário à matéria. A decisão final caberá ao Plenário do Senado.

A proposição altera a Constituição para determinar que os membros do Congresso Nacional não poderão ser processados criminalmente sem prévia licença de sua Casa (Câmara ou Senado). Além disso, o texto estabelece que a deliberação sobre essa licença se daria por voto secreto da maioria absoluta dos membros da Casa respectiva, devendo ocorrer em até 90 dias do recebimento da ordem do Supremo Tribunal Federal (STF).

A PEC foi aprovada em 17 de setembro pela Câmara dos Deputados, Casa de origem do texto. Porém, tanto Alessandro quanto o presidente da CCJ, senador Otto Alencar (PSD-BA), já haviam adiantado em entrevistas que a matéria seria rejeitada assim que chegasse ao Senado.

Foram 26 votos pela rejeição da PEC na CCJ, e nenhum contrário. O presidente da comissão explicou que, por acordo firmado com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, o texto vai ao Plenário ainda nesta quarta:

— Tenho o compromisso com o presidente Davi para que essa proposta seja encaminhada ao Plenário do Senado, para ser apreciada e deliberada, e encerrarmos hoje a análise com a rejeição definitiva, assim como foi na CCJ nesta sessão histórica que enterra de vez a PEC 3/2021, a “PEC da Blindagem”.

Otto considerou a PEC uma falta de respeito ao eleitor e aos brasileiros.

— Há mais de um mês, me posicionei contra essa PEC para preservar o colegiado [a CCJ], tanto do Senado quanto da Câmara, de se contaminar com uma matéria dessa natureza.

Alessandro elogiou o presidente da CCJ “pela coragem de pautar a matéria com a urgência necessária”.

— Vossa Excelência teve a coragem de pautar com a urgência devida essa matéria absurda. Confio que o plenário desta comissão rejeitará a “PEC da Blindagem”, virando uma página triste do nosso Legislativo e homenageando a nítida vontade popular, que clama por mais Justiça — afirmou o relator, pouco antes da votação na CCJ.

“Golpe fatal”
Conforme a PEC 3/2021, no caso de prisão em flagrante de parlamentar, a decisão da Casa sobre essa medida será tomada por voto secreto. A proposta também estende aos presidentes nacionais de partidos políticos com representação no Congresso o foro por prerrogativa de função junto ao STF, nas infrações penais comuns.

Em seu voto contrário à PEC, Alessandro argumentou que a imunidade parlamentar é uma garantia existente, em diferentes formatos, em todos os países democráticos do mundo. Ele ressaltou, porém, que embora a proposta formalmente pareça um instrumento de defesa do Parlamento, é, na verdade, “um golpe fatal na sua legitimidade”.

— Configura-se em portas abertas para a transformação do Legislativo em abrigo seguro para criminosos de todos os tipos — disse o relator.

Alessandro observou ainda que a PEC está sendo contestada no STF por deputados que alegam tramitação e aprovação tumultuadas do texto na Câmara. Além disso, o senador ponderou que o contexto de elaboração da proposta esconde uma “real motivação oposta àquilo que ela deseja implementar”:

—  O exercício do mandato já é suficientemente protegido pela Constituição, com a imunidade material e o direito da Casa Legislativa de sustar os processos que entender abusivos. Assim, a PEC teria o real objetivo de proteger autores de crimes graves, como corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, o que configura claro desvio de finalidade e, consequentemente, inconstitucionalidade.

Imunidade processual
Segundo Alessandro, na prática a PEC recria a imunidade processual existente antes da Emenda Constitucional 35, de 2001, mas em termos “ainda mais benéficos para os detentores de mandato parlamentar”. Antes dessa emenda, a Constituição Federal tinha uma cláusula para salvaguardar parlamentares, para que eles pudessem debater, votar e fiscalizar de modo independente, sem receio de perseguições ou retaliações por parte de outros Poderes. Essa prerrogativa vigorou de 1988 até 2001. O que a PEC 3/2021 faz é justamente subverter essa ordem, argumentou o relator:

— Sob aparência de constitucionalidade, o que efetivamente se pretende não é dar condições plenas aos parlamentares para exercerem sua atividade-fim, mas sim blindá-los das penas e demais consequências legais do cometimento de crimes das mais variadas espécies.

Para Alessandro, a proteção dos mandatos parlamentares não é compatível com a criação de obstáculos para a investigação de crimes como homicídio, corrupção passiva, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Na visão do relator, a PEC representa um “desvio de finalidade flagrante”.

—  O real objetivo da proposta não é o interesse público, e tampouco a proteção do exercício da atividade parlamentar, mas sim os anseios escusos de figuras públicas que pretendem impedir (ou, ao menos, retardar) investigações criminais que possam vir a prejudicá-los.

O senador Omar Aziz (PSD-AM) elogiou a decisão de Davi Alcolumbre de, atendendo pedido dos líderes partidários, ter encaminhado o texto à CCJ, e não diretamente ao Plenário da Casa.

— Essa PEC não é ideológica; ela é imoral. A chamada PEC das Prerrogativas virou PEC da Picaretagem, PEC da Imoralidade, PEC da Bandidagem, PEC do Escudo Parlamentar, PEC do PCC, PEC do Escudo da Corrupção, PEC dos Intocáveis.

O senador Jorge Seif (PL-SC) retirou pedido dele de voto em separado, alegando a pressão popular em torno do tema. Ele apelou, no entanto, para que Otto Alencar coloque em votação a PEC 71/2023, que veda o voto secreto em todas as deliberações do Poder Legislativo. O texto, de  autoria de Seif, ainda não tem relator.

“Erro de mão”
Do total de 27 titulares da CCJ, 23 se inscreveram para se pronunciar sobre o assunto. Um deles, o senador Eduardo Girão (Novo-CE), manifestou o voto contrário à PEC.

Girão defendeu a transparência e disse que o texto vai na contramão dos anseios da população. O senador criticou diversos pontos da proposta e afirmou que os deputados “erraram na mão” ao aprová-la.

— Essa PEC precisa ser enterrada hoje. A diferença entre o remédio e o veneno é a dose, e a iniciativa poderia até ter um objetivo nobre, mas não tem o menor cabimento, em pleno século 21, a gente ter voto secreto para admissão de processos. Há sete anos, o próprio Senado votou e aprovou o fim do foro privilegiado.

O senador Sergio Moro (União-PR) ressaltou que tanto ele quanto sua esposa, a deputada Rosângela Moro (União-SP), são contrários à PEC 3/2021 e considerou a rejeição do texto pelo Senado uma resposta ao anseio da sociedade. 

— Não podemos retroceder. Essa mudança da Constituição [aprovada em 2001] foi um avanço que permitiu que processos represados contra políticos tivessem prosseguimento. Então, aprovar uma mudança do texto como veio da Câmara seria um retrocesso inaceitável.

Moro ponderou, entretanto, que a imunidade material não está sendo plenamente respeitada no relatório de Alessandro Vieira e afirmou que os deputados e senadores devem ser invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. O senador defendeu que a abrangência da proteção seja somente para crimes contra a honra e pediu que a CCJ discuta o tema com tranquilidade, em outro momento.

No entender do senador Eduardo Braga (MDB-AM), além de significar um retrocesso, a PEC desmoraliza o mandato popular. Braga ressaltou que, imediatamente após a aprovação do texto na Câmara, o partido dele se manifestou contrariamente à medida por meio de nota oficial.

Já o senador Oriovisto Guimarães (PSDB-PR) ressaltou que a Câmara merece o respeito dos senadores, mas afirmou que os deputados cometeram um equívoco ao aprovar a proposta.

Sepultamento imediato
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) defendeu a rejeição do texto por unanimidade.

— Essa PEC tem de ser sepultada por unanimidade. É um escárnio com a população brasileira, e quem defende esse tipo de proposta precisa olhar para os olhos da população.

O senador Carlos Portinho (PL-RJ) considerou a proposta “indecente” e disse que o texto não representa a posição de nenhum senador, independentemente do partido ao qual o parlamentar seja filiado.

— Não é uma pauta da esquerda, da direita, ou do centro. É um absurdo para o país. O Senado é a Casa Alta e delibera essas matérias com sensatez. Parem de fazer plataforma política em cima da desgraça do povo, porque o texto foi aprovado na Câmara com voto favorável de deputados de apoio ao governo.

Na opinião da senadora Eliziane Gama (PSD-MA), a PEC 3/2021 nasceu para criar um “muro de impunidade” no país, separando a classe política dos demais brasileiros. Ela destacou o movimento popular contra o texto e disse não haver remédio para a proposta.

— O que não tem conserto nunca terá. Não adianta emenda, nem penduricalho. Precisamos enterrar de vez essa PEC, que aprofundaria a desconfiança da sociedade, e retomar a credibilidade do Congresso Nacional.

Para o senador Rogério Carvalho (PT-SE), o Congresso Nacional estaria passando “a abrigar cometedores de crime sofisticados”, se aprovasse a proposta.

— Há um caminho de consenso de enterrar no dia de hoje essa PEC, que poderia ter o título de “PEC da Blindagem”, “PEC da Bandidagem” ou tudo o que é de coisa ruim, já que ela cria um ambiente para defender membros do Congresso Nacional de diversos tipos de crimes. Este Parlamento não pode patrocinar iniciativas desta natureza. 

CPI
Líder da Oposição no Senado, o senador Rogério Marinho (PL-RN) afirmou que a PEC 3/2021 “não é um projeto da direita barrado pela esquerda” e adiantou que votaria favoravelmente ao relatório de Alessandro Vieira e, consequentemente, pela rejeição da proposta.

Ele ponderou, porém, que a indignação dos congressistas não deve ser seletiva e cobrou a instalação de comissão parlamentar de inquérito (CPI) do Senado para investigar membros do Poder Judiciário por suposta perseguição política a adversários. Com 29 assinaturas, o requerimento apresentado pelo senador Esperidião Amin (PP-SC) para abertura da CPI aguarda leitura em Plenário pelo presidente Davi Alcolumbre.