Política

A ALMA DA SENHORA AV. 7, CAP 29:O FIM DAS BANCAS DE REVISTAS E JORNAIS

Houve uma mudança de comportamento dos leitores com o uso da internet e os jornais e revistas impressos perderam os clientes leitores
Tasso Franco ,  Salvador | 21/11/2024 às 09:42
Banca do Alemão, Corredor da Vitória, vende também doces e cigarros
Foto: BJÁ

     Quando Steve Jobs lançou o iPhone, em 2007, disse que aquele aparelhinho que estava em suas mãos faria uma revolução nos costumes e no comportamento das pessoas, mundialmente. Parecia uma dessas profecias absurdas que surgem, eventualmente, defendidas por alguns gurus e que nem sempre (ou quase sempre) não se concretizam.

    Jobs (que faleceu em 2011) falava com conhecimento de causa baseado na tecnologia que já vinha trilhando por esse caminho com a Apple, juntamente com seus companheiros da área de informática e conhecia com profundidade o mercado de dados e os mecanismos que a internet propiciava alterando procedimentos nas prestações de serviços, nas práticas da engenharia, da física, da matemática e assim por diante.

   Nós, os leigos, não tínhamos esse conhecimento e fomos surpreendidos com essas mudanças e algumas pessoas, no início dos anos 2010, ainda insistiam em contestar os avanços tecnológicos e resistiam em aprender a manejar os algoritmos. Mas, todo mundo foi vencido pelo óbvio, pelo fato de que, quem não se engajasse no novo esquema perderiam negócios, conhecimentos e outros benefícios.

   É claro, também, que no rastro de tudo isso, das atividades comerciais, industriais e de serviços, bem como nas profissões algumas iriam desaparecer e outras surgir para compensar as perdas. E isso se deu e (ainda está em processo, agora com o avanço da IA) de maneira brutal. Quem não se adaptou, se ferrou. Quem demorou de se reciclar também perdeu muito. E, como todo processo em tecnologia é um moto contínuo, necessário se exige reciclar permanentemente.

   Faço essa abertura para mostrar o que aconteceu com as bancas de revistas e jornais da Avenida Sete, a partir da implantação da via, em 1915, quando a sociedade passava por mudanças tecnológicas com a chegada da energia elétrica e a instalação do transporte público por bondes, as construções em ferro e vidro, o uso do cimento e os costumes que eram nitidamente europeus na forma de se educar, se vestir e se comportar. É também dessa época que vem o incremento da telefonia (desde Dom Pedro II, 1876, incentivador da invenção do telefone e seu uso no Brasil) e avanço da imprensa escrita (o rádio só vai surgir na década de 1920 e a TV só chega em Salvador na década de 1960). 

   Os jornais eram o top, o must, os orientadores da sociedade. E, claro, surgiram os profissionais da área nos vários campos – da oficina à redação; e os jornaleiros avulsos e as bancas de jornais e revistas. Na década de 1960/1970, com Roberto Civita, a Editora Abril, atulhou as bancas com revistas as mais variadas, desde a semanal Veja (de notícias) as de entretenimento (Caras, 1993). E foi num crescendo impressionante com centenas de publicações levando a empresa, em 2018, ser atropelada pela internet e solicitar proteção contra a falência acumulando um débito de R$1.6 bilhão, recuperação judicial que se encerrou em 2022.

   Civita faleceu em 2013 e ainda chegou a presenciar o definhamento de sua empresa assim como outros empresários dos impressos também o viram e não souberam (ou não entenderam) como seria devastadora a mudança de comportamento da população e dos leitores.

  Lembro que quando trabalhava em A Tarde, final dos anos 1980, fechando o jornal de domingo juntamente com Junot Silveira, nessa época e no decorrer dos anos 1990 a circulação era um enorme sucesso, mais de 110.000 exemplares só no domingo. Nos dias normais o jornal fechava a primeira página meia noite e o editor era Reynivaldo Brito e no sábado o fechamento se dava até às 19h. Era uma correria. O jornal tinha que chegar as bancas da capital e as principais praças do interior no sábado à noite e/ou madrugada de domingo.

   Vendia feito água. O segundo caderno rodava de tarde e na boca da noite de sábado uma dezena de homens postados numa imensa mesa encartava folhetos de imobiliárias, supermercados, farmácias, revendedoras de automóveis, etc, deixando o jornal gordo de anúncios. Quando o primeiro caderno saia das máquinas era uma loucura na complementação dos encartes, no movimento de várias kombis e caminhonetes já preparando o envio dos jornais para as bancas e para o interior do estado.

   E tinha bancas como a do Campo Grande (Cultural) e a do Porto da Barra – só para citar duas da Avenida Sete que é o foco do nosso trabalho – que vendiam, no domingo (fora os outros jornais inclusive do Rio e SP), cada uma delas, entre 100 e 150 exemplares, isso num curto espaço de tempo entre 6 da manhã e o meio dia. O reparte da banca do Campo Grande era de 120 jornais no domingo.

   Bem amigos, o avanço da internet, o aperfeiçoamento dos celulares, o surgimento dos aplicativos e das redes sociais, sobretudo a partir de 2010 fez com que os leitores dos impressos migrassem para os computadores de mesa e depois para os celulares. Foi um processo rápido e que durou pouco mais de 10 anos. Quando lancei o www.bahiaja.com.br, em 2006, Salvador ainda engatinhava na internet. Poucas pessoas conheciam esse sistema, nem as agências de publicidade sabiam fazer ‘banneres’. Já tinha sido pioneiro noutro sistema com o Bahia Hoje, 1993, primeiro jornal produzido por computação, o que representou uma mudança significativa aposentando as máquinas de datilografias que operavam há mais de 100 anos, inclusive na circulação, mas, ainda assim, era impresso. O www.BahiaJá.com.br, ao contrário, era (e é) só no meio on-line.

    Na década seguinte 2010/2020 os sistemas on-line avançaram com muita força e surgiram facebook, instagram, podcast, twitter, etc, aparelhos de celulares mais baratos, a cultura do uso do celular se universalizou e a circulação dos impressos diminuiu substancialmente. E esse efeito foi dramático para os donos das bancas de revistas e jornais que era um bom negócio, disputado, e foi se transformando num agouro. Isso forçou os seus proprietários a mudarem de estratégias e diversificarem seus negócios acrescentando aos mix de jornais e revistas, doces, pasteis, sucos, cigarros, água, refrigerante, cerveja em lata, coco verde e assim por diante.

   A Avenida Sete que chegou a ter 15 bancas de revistas e jornais, hoje, conta com 10 – a “Coelho” , na Barra, em frente ao Hospital 2 de Julho; a “Galdino”, em frente ao Museu Carlos Costa Pinto – vende mais doces e lanches do que jornais; uma ao lado do MAB (sem nome) também ainda vende jornais e revistas e mais doces e lanches; a “Gomes” de frutas e verduras próximo ao Condomínio Barcelona que era de jornais e revistas e hoje só vende hortigranjeiros; a “Alemão” em frente ao ex colégio Odorico Tavares que ainda vende jornais locais e mais água, cigarros, coco verde; banca sem nome que só vende lances ao lado do Vitória Boulevard; a sebo “Ágora” (de livros) ao lado do ICBA; a “Cultura” no Campo Grande ao lado da Mansão dos Cardeais); a banca em frente ao Convento das Mercês; e a do Sulacap (só vende bebidas).

   Desapareceram do mapa bancas que existiam no Porto da Barra, Largo da Vitória, Piedade, Relógio de São Pedro e São Bento. Na Avenida Sete comercial entre a Mercês e a Ladeira de São Bento, hoje, só existe uma banca de revistas e jornais (das Mercês). 

   Vale observar que algumas dessas bancas vendem jornais (pasmem, fornecidos pelas empresas e empacotados) para servirem de mantas para cocos de cachorros e ainda expõem placas do tipo “vende-se jornais para pets”. É deprimente para nós, jornalistas. Houve uma época em que algumas pessoas para nos irritar (os jornalistas) diziam que jornais só serviam para enrolar sabões em barra e outras mercadorias de menor valor em vendas e mercearias. E ficávamos, de fato, chateados com essa pirraça. Hoje, infelizmente, a situação se gravou. Jornais para enrolar coco e mijo.

   Conheço alguns donos dessas bancas. Houve uma época (anos 1980) que ligava para Renato no Porto da Barra pedindo para reservar um exemplar de “O Globo”, de domingo, e depois passava para pegar. A “Cultura”, do Campo Grande (dos irmãos Elias e Antônio, de Amargosa) era outra que vendia jornais do sul e passávamos de carro para comprar. 

   O Joacy Couto de Almeira (proprietário da Banca do Alemão) está na Avenida Sete há 35 anos e viu fundar o Colégio Odorico Tavares (nos primórdios deixou puxar a luz de sua banca para iluminar a área) e também fechar. “É tudo muito triste nossa decadência porque somos empresários de pequeno porte e com essas mudanças provocadas pela internet e o fechamento do colégio houve um abalo sísmico e nossa sobrevivência é complexa”, diz em conversa.

    Também noutra época (2003/2005) quando bancas próximas a colégios eram acusadas de vender drogas a estudantes, Joacy conseguiu um certificado expedido pela SEC e assinado pela secretária Anaci Bispo Paim colocando-o como integrante do colegiado escolar, que se “compromete a desempenhar com dignidade suas atividades inerentes à função”. E Joacy expunha esse certificado na sua banca.

     O giro do tempo e a mudança de comportamento da população que deixou de ler jornais e revistas impressos provocou esse terremoto e os proprietários das bancas buscam a sobrevivência como podem.