O papel de dom Pedro I na Independência da Bahia e as mortes dele e de Madeira de Mello, em Lisboa, 1834
Tasso Franco , Salvador |
30/06/2023 às 11:08
Dom Pedro I, criou o Exército Pacificador e a base inicial da Marinha do Brasil
Foto: Retrato Simplicio Rodrigues d
Comemora-se no domingo o bicentenário da Independência da Bahia uma guerra de cerco que aconteceu em Salvador e Ilha de Itaparica - palcos de lutas - e em Cachoeira - centro político e sede do governo provisório - e que durou vários meses até a expulsão do brigadeiro-general Luiz Ignácio Madeira de Mello, o comandante chefe das tropas portuguesas em terra e no mar, no dia 2 de Julho de 1823.
Os fatos que aconteceram nessas lutas são bem relatados por diversos historiadores que vivenciaram o conflito e outros que viveram no século XIX. Ultimamente têm surgido algumas publicações sem provas criando heróis e heroínas que não passam de peças de ficção, uma vez que não há uma documentação de lutas com mulheres usando folhas de cansanção; nem de corneteiro que teria tocado toque de avançar quando deveria ter executado toque de recuar.
Essa narrativa de que a independência do Brasil se consolidou a partir do 2 de julho de 1823 trata-se de uma afirmação ufanista e que representa o plano apenas formal, uma vez que Madeira de Mello nunca teve o apoio do rei de Portugal, dom João VI, para reconquistar o Brasil e derrubar Dom Pedro I, príncipe regente que proclamou a independência a 7 de setembro de 1882, em 12 de outubro foi aclamado imperador e coroado em dezembro deste mesmo ano, no Rio de Janeiro.
Vale lembrar que a Bahia não era mais o centro do poder político e econômico desde 1763 quando a sede da colônia foi transferida para o Rio, e nem tinha forças militares sob seu comando para tal.
Quando Madeira decidiu manter-se alinhado com corte em Lisboa na disputa do governo da Bahia com Manoel Pedro de Freitas Guimarães, em 16 de fevereiro de 1822, o rei de Portugal e Brasil era Dom João VI, o qual retornou a Lisboa em 1821 pressionado pelos constitucionalistas do Porto para assumir o reinado, dom Pedro sendo apenas o regente. Madeira nasceu em Chaves (1775) e já tinha lutado no cerco de Burgos (1812), batalha dos Pirineus (1813), batalha de Tolouse (1814), Revolução do Pará (1821). Era um militar de carreira e chegou a Bahia como comandante de uma tropa de 2.500 homens.
Na disputa com Freitas Guimarães houve uma revolta nas ruas de Salvador e um ataque ao Forte de São Pedro episódio que também resultou na tentativa de invasão do Convento da Lapa quando soldados portugueses mataram a soror Joana Angélica, em fevereiro de 1822. Esse episódio acontece antes das lutas pela independência.
Em 3 de junho de 1822, a Assembleia Constitucional e Legislativa determina que Madeira retorne a Lisboa, mas este não a atende. Em agosto, dom João VI, decide fortalecer Madeira e envia uma esquadra comandada pelo comandante em chefe João Félix Pereira de Campos.
Até então, o rei do império Portugal, Brasil e Algarves era dom João VI. A situação vai se modificar no momento em que o príncipe regente, dom Pedro, decide pela independência do Brasil criando o seu império como dom Pedro I.
A Bahia estava rebelada, mas, até então sem lutas. Já havia um cerco as forças de Madeira e Félix estacionadas em Salvador. Dom Pedro - ainda regente - e José Bonifácio de Andrada e Silva contratam os serviços do general Pierre (Pedro) Labatut, o qual chegou ao Rio em julho de 1822 e depois segue para a Bahia onde organiza o Exército Pacificador com ajuda de um batalhão vindo de Pernambuco e outro da Paraíba.
Em novembro de 1822, Labatut já comandando o Exército Pacificador, acontece o primeiro embate entre Brasil x Portugal na batalha de Pirajá, aparentemente vencida por Labatut. Madeira também se proclamou vitorioso. Estabeleceu-se um impasse em trincheiras dos dois lados: nem Labatut conseguiu avançar com seu exército até Salvador; nem Madeira empurrou de volta o Exército Pacificador para o Recôncavo.
Dom Pedro - também ainda como regente - contrata os serviços do almirante inglês Thomas Crochane (diz-se que a preço de outro Crochane estava lutando no Chile - e organiza uma esquadra (base inicial para a futura Marinha do Brasil) chegando a Baía de Todos os Santos dia 25 de maio de 1823 e estacionando em Morro de São Paulo. Uma batalha naval entre as forças da armada de Félix e as de Crochane nunca aconteceu.
No dia 8 de maio de 1823, Madeira assume todos os poderes da capital da Província em reunião do Conselho Militar e declara Salvador praça de guerra, depois de escrever ao rei Dom João VI solicitando reforços, admitindo que o "Brasil poderá se perder".
Mesmo isolado, Madeira resistiu o quanto pode. Em junho de 1823, Dom João havia organizado um novo governo em Portugal, estava enfraquecido, nunca mandara os reforços para a Bahia, e no dia 16 de junho, um despacho do marquês de Palmela, novo ministro dos Negócios Estrangeiros, dá conta de enviar ao Rio emissários com a finalidade de "entregar uma carta que ele dirige ao seu augusto filho com ordem expressa para fazer cessar o derramamento de sangue que resulta da guerra civil entre esses povos"
Organizou-se, assim, a evacuação das tropas portuguesas na Bahia, e depois de entendimentos com o comandante em chefe do Exército Pacificador, coronel José Joaquim de Lima e Silva (Labatut estava preso), essa evacuação aconteceu no dia 2 de Julho de 1823.
As naus sob o comando de João Félix, Madeira e outros chegaram a Lisboa entre 18 de agosto a 16 de setembro. A nau que conduzia o comandante Madeira aportou em 16 de setembro e dom João VI mandou prendê-lo no Forte de São Julião da Barra, até seu julgamento num Conselho de Guerra.
Houve uma sentença de absolvição, mas o conde Sub Serra ordenou que o Conselho de Justiça fizesse retornar o processo para a primeira instância. Madeira saiu da prisão, "mas continuou sua guerra particular para mostrar sua absolvição a sociedade portuguesa e a sua corporação", diz Franklin de Oliveira, em "O brigadeiro português Madeira de Melo e a sua época", Revista Militar número 2637, outubro 2021.
Mais uma reviravolta nos impérios de Portugal e do Brasil. Dom João VI morre em 10 de março de 1826 e deixa o governo entregue a regência de dona Isabel Maria em nome de dom Pedro IV. O dom Pedro IV era seu filho dom Pedro I que morava no Brasil e já era imperador. Que rolo. E agora?
Dom Miguel, filho mais novo de Dom João VI, se rebela e dá um golpe de estado e governa entre 1826 e 1834. Em 1928, dom Miguel dissolve a Câmara dos Deputados mexe em todo governo português e Madeira de Mello é absolvido, definitivamente, em abril de 1828, sendo reformado em 1832, como Marechal.
Dom Pedro I, que era uma personalidade impetuosa, valente, destemida, abdicou o império do Brasil em nome do seu filho dom Pedro II (menor de 6 anos) e viajou para a Europa organizando um exército de mercenários com a ajuda dos franceses e ingleses e vai acontecer uma guerra civil em Portugal derrubando do trono seu irmão Miguel.
Agora vejam como é o destino das vidas. Madeira de Mello morreu em 16 de junho de 1834, aos 59 anos de idade; dom Pedro I, aclamado rei com dom Pedro IV faleceu em 24 de julho de 1834, aos 36 anos de idade, vítima de tuberculose, no mesmo local que nascera no Palácio Nacional de Queluz.
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Fontes: Braz do Amaral, História da Independência na Bahia, 1933; Franklin de Oliveira, Revista Militar; Sérgio Buarque de Holanda, História Geral da Civilização Brasileira; O Império Luso-Brasileiro, coordenação de Maria Beatriz Nizza da Silva; Revista do IGHB; Uma História da Cidade da Bahia, Antônio Risério; História de Portugal, Oliveira Martins; Ignácio Accioly de Cerqueira, Memórias Históricas e Politicas da Província da Bahia.