Política

200 ANOS DA INDEPENDÊNCIA DA BAHIA - 3: A FUGA DO GEN MADEIRA DE MELLO

A ocupação da cidade do Salvador se deu de forma pacífica a partir de Pirajá, numa segunda frente pela estrada de Brotas, e numa terceira pelo Rio Vermelho
Tasso Franco , Salvador | 28/06/2023 às 09:37
Brigadeira general comandante português, Luiz Ignácio Madeira de Mello
Foto: REP
 
  Na série que estamos publicando sobre os 200 anos da Independência da Bahia, na primeira matéria mostramos como Pedro Labatut, general que organizou o Exército Pacificador a mando de Dom Pedro I foi destituído da função de comandante em chefe, preso e substituído pelo coronel José Joaquim de Lima e Silva; e na segunda matéria, como se deu o acordo entre este novo comandante do exército e o brigadeiro português rebelado Luiz Ignácio Madeira de Meloo, o qual retornou a Portugal com boa parte de sua tropa, negociantes, autoridades e outros sem serem molestados, no dia 2 de Julho de 1823.

  Nesta terceira matéria abordaremos o que aconteceu após a fuga consentida de Madeira sinal dado com um tiro de canhão do Forte de Santo Alberto (cidade baixa também chamado de Forte da Lagartixa) e ao romper do dia 2 de Julho a cidade quase deserta o coronel Antônio José Soares "ocupou guardas que estavam abandonadas, comunicando achar-se a cidade livre das tropas luzitanas", mensagem levada a Lima e Silva pelo coronel João de Souza Moura Girão.

  Lima e Silva, mesmo assim, enviou - segundo os historiadores Ignácio Acciolli e Braz do Amaral - "um corpo de exploradores comandado pelo coronel Antero José Ferreira de Brito, que passou a ocupar os pontos e trincheiras abandonadas pelos luzitanos.

  A partir de Pirajá, seguiu-se a este corpo o coronel Lima e Silva, comandante em chefe, com seu estado-maior, o tenente-coronel José de Barros Falcão, comandante da Divisão de Direita, o Batalhão do Imperador comandado pelo major Lima (BI composto por 6 companhias e 735 praças); o batalhão de Pernambuco, comandado pelo major Thomaz Pereira de Mello e Silva; seguido de um grupo de pessoas "composto de defensores da pátria, quase no estado de nudez, e descalços, apresentado em si o cunho das privações sentidas"; marchava uma coluna comandada pelo ten-coronel Manoel Gonçalves da Silva, composto do seu batalhão e dos libertos alistados.

  Neste mesmo dia 2 marchava pela estrada do Rio Vermelho , a divisão de esquerda comandada pelo coronel Felisberto Gomes Caldeira, precedida de uma expedição de exploradores tirada do 4º batalhão e comandada pelo tenente Manoel Rocha Galvão; e pelo lado de Brotas passou a ocupar no entrincheiramento da roça de Joaquim José de Oliveira, onde se conservou até dia 3 (julho), em que foi abraçar-se no quartel do convento do Carmo; fechando essa retaguarda o Batalhão 4, comandada pelo capitão Manoel Marques Pitanga, que passou a ocupar a fortaleza de S. Pedro.

  Portanto, a marcha para ocupação de Salvador deu-se em três frentes: a partir de Pirajá pela antiga estrada das Boiadas; pela estrada de Brotas; e pelo Rio Vermelho.

  Os batalhões foram aquartelados (nota 28, Memórias Históricas e Políticas da Bahia) o 1º no Convento do Carmo; o 2º em São Bento; 3º em Santa Thereza; 4º também no convento de São Bento; 5º no Carmo; 6º Hospício da Piedade; 7º no de Jerusalém; 8º e 9º no Noviciado; o Batalhão do Imperador no quartel da Mouraria; força expedicionária de Pernambuco, no quartel da Palma; a da Paraiba e Penedo, no Seminário São Damaso (rua do Bispo); cavalaria e artilharia nos quartéis de Água de Meninos e São Pedro. Total de praças: 8.783; total do exército com oficiais: 9.515 (não foram contados os civis empregados).

  Há citações oficiais de uma companhia de Voluntários da Vila de Santo Amaro (88 homens); da companhia de voluntários atiradores de Armações (voluntários da capital); companhias Bellona Cachoeirense e Mavorte (ambas de Cachoeira); e outras duas formadas por gente de Conquista. Essas companhias foram agregadas aos batalhões  5, 1, 4 e 3.

   Veja, portanto, como os conventos foram importantes no pós guerra, mas as informações são poucos no tratamento que davam aos homens de Madeira de Melo enquanto a cidade estava dominada pelos portugueses.

  Bem, quando o grupo comandado por Lima e Silva chegou na Soledade as freiras prepararam um "arco triunfal" e abriram as portas da clausura para recepcionar os militares; daí seguiu até o forte do Barbalho onde foi arvorado o pavilhão nacional pelo alferes José Adrião.

  Reuniu-se também o povo e tropa no Largo da Lapinha. 

  O comandante do exército em oficio a João Vieira de Carvalho, ministro e secretário dos negócios da guerra, dá alguns detalhes dá ocupação da cidade, só cita os louvores até a praça da Lapinha.

  "No dia 30 de junho recebi uma mensagem do chefe Madeira, que sem solenidade e verbalmente, me pedia, que deixasse embarcar em paz, e tranquilamente. Da coleção das folhas impressas na Vila de Cachoeira, da coleção das minhas ordens do dia, dos originais das proclamações, e bando, e da cópia da resposta por ele escrito dei ao comissão de Madeira, que tudo appareção na cidade momentos favoráveis, verá V.Exa. que foi a marcha que segui até o memorável dois de Julho corrente em que entrei nesta cidade a 1 hora da tarde, havendo recebido às 9 da manhã, em Pirajá, a notícia do embarque de Madeira com as suas tropas, embarque o mais vergonhoso e precipitado que se tem visto" No último apuro da fome, elle largou no caes mais de 20 cabeças de gado, 7 quartos de carne verde fresca, barricas de bolacha, e farinha, artilharia, espingardas, e pólvora, e muitos outros objetos que elle intencionava destruir, ou levar consigo: tudo ficou à mercê do povo e de nossas tropas".

   Nesta mesma correspondência, datada de 6 de julho de 1823, o coronel Lima e Silva solicita ao imperador ir viver junto com a sua família: "Agora, porém, Exmo senhor, que tendo tido a fortuna de haver posto o remate à libertação da Bahia, com a qual me parece haver-se sellado a independência d'este Império, eu requeiro a S.M., o Imperador, que em remuneração dos meus serviços, me dispense do comando em que estou investido, e me permita a ir viver no centro da minha família, cuja subsistência depende do meu braço, e entre ela continue a servir ao estado, a testa do Batalhão que S;M. me confiou".

   No dia 3 de Julho, o Governo Provisório da Bahia comunicou aos habitantes de Cachoeira a sua trasladação para a capital documento assinado pelo presidente Francisco Elesbão Pires de Caravalho e Albuquerque; secretário Joaquim José Pinheiro de Vasconcelos; Joaquim Ignácio de Siqueira Bulcão, José Joaquim Muniz Barretto e Aragão, Antônio Augusto da Silva, Manoel Gonçalves Maia Bittencourt e Felisberto Gomes Caldeira.

  No dia 25 de agosto de 1823, a bordo da galera Mercúrio chega ao Tejo, Lisboa, os representantes oficiais do governo português na Bahia, José Antonio Rodrigues Viana e Francisco de Souza Carvalho, e comunicam oficialmente ao rei Dom João VI, pedindo clemência e apresentando a "Vossa Magestade a cópia inclusa da correspondência relativa ao abandono da dita praça, que ela entreteve com o comandante das Forças de Terra e Mar, o brigadeiro Ignácio Madeira de Mello, e o chefe da Divisão, João Félix Pereira de Campos () espera segundo a retidão do seu Magnânimo Coração, haja de reconhecer que ela esgotou todos os seus meios que a lei lhe concedia para se opor ao sobredito abandono".

  No Rio de Janeiro, o secretário de Estado e Negócios do Império, José Joaquim Carneiro de Campos, em 23 de julho de 1823, determina "todo zelo e energia em promover a segurança e a prosperidade da Província da Bahia", a cidade do Salvador arrasada. Ao contrário do que se imagina, as comemorações ao 2 de Julho foram praticamente restritas a Lapinha, Barbalho e Terreiro de Jesus. Na próxima matéria, a 4ª, vamos falar da ocupação inicial da cidade e quais são os verdadeiros heróis da Independência.