Política

OS SUPERPODERES DE UM JUIZ NO BRASIL, POR EL PAIS, NAIARA GALARRAGA

Veja análise da correspondente internacional do El Pais no Brasil
Naiara Gallaraga , El País, Espanha | 22/01/2023 às 09:43
Os superpoderes de Alexandre de Moraes
Foto: STF
  Se há uma pessoa em todo o planeta que os bolsonaristas brasileiros odeiam mais intensamente do que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva – a quem eles detestam embora reconheçam sua astúcia – é Alexandre de Moraes, 54, um juiz que se tornou o super-herói do democratas brasileiros. O togado é o terror tanto dos ultradireitistas que invadiram o coração institucional quanto daqueles que criaram o terreno fértil para a invasão. O magistrado do STF Moraes concordou em investigar se o ex-presidente Jair Bolsonaro incentivou a invasão. Ele acumula um poder monumental ao mesmo tempo em que encadeia decisões inéditas em sua missão de neutralizar os ataques do bolsonarismo ao quadro institucional e preservar o Estado de Direito. Na posse de Lula, ele foi saudado como um astro do rock. Mas os mesmos analistas e editoriais que aplaudem sua atitude corajosa e determinada apontam para o risco de que suas decisões abram um perigoso precedente.

Nas horas seguintes ao assalto na Plaza de los Tres Poderes, o juiz Moraes tomou uma série de medidas contundentes. Ele ordenou a prisão dos flagrados dentro da Presidência, do Congresso e do prédio onde ele mesmo trabalha, do Supremo Tribunal Federal e também dos bolsonaristas do campo golpista em frente ao quartel-general do Exército em Brasília. Quase 1.500 pessoas... um dos maiores ataques de que há memória.

Num país onde a prisão provisória é rara, a menos que seja pobre, já mandou para a prisão provisória quase mil suspeitos que nunca imaginaram estar numa tal situação e que não param de reclamar do seu tratamento. “Não deixe que os terroristas que se revoltaram no domingo e que agora estão presos acreditem que a prisão é um acampamento de verão. E que não acreditem que as instituições vão vacilar”, declarou à imprensa em evento após prometer que todos os envolvidos serão punidos: “Quem cometeu os atos, planejou, financiou e incentivou com ações ou omissão”. Outras cerca de 500 pessoas estão livres com acusações.

O magistrado do Supremo Tribunal Federal pretende acusá-los formalmente de terrorismo, embora a Procuradoria Geral do Estado não veja com clareza que as ações dos agressores se enquadrem na definição legal. O ex-presidente Bolsonaro, que ainda está nos EUA, é acusado de incentivar a invasão por causa de um vídeo que postou nas redes não antes, mas dois dias depois do ataque, e que apagou em poucas horas. Na mesma tarde da invasão, adotou a decisão inédita de afastar do cargo, de ofício e por 90 dias, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, aliado de Bolsonaro. Ele é acusado de conluio e omissão, assim como o outro líder político das forças de segurança do DF, o ex-ministro de Bolsonaro que está preso —e em silêncio— desde que se entregou à polícia ao voltar dos Estados Unidos. Entre o pouco que falou, esqueceu o celular na Flórida.

Joel Pinheiro da Fonseca, colunista da Folha de S. Paulo, descreveu o dilema dos democratas na segunda-feira: “Não há contradição em afirmar ao mesmo tempo que: 1) sem as decisões às vezes questionáveis ​​de Alexandre de Moraes, a democracia brasileira estaria em risco. 2) os próprios precedentes que abrem essas decisões são riscos para a democracia”.

O magistrado vem do mundo das leis, mas já esteve na vanguarda da política. Ele foi um passageiro ministro da Justiça do centro-direita Michel Temer antes de ser enviado ao mais alto tribunal com apenas 48 anos, quando um dos juízes morreu em um acidente. Anteriormente, havia sido secretário de Segurança Pública de São Paulo. Um torcedor de braços fortes, ele era conhecido por seus modos de xerife.

Moraes é, sem dúvida, o juiz do STF com maior destaque político nos últimos anos. Concentra casos altamente midiáticos, como o que investiga a máquina de espalhar boatos do bolsonarismo —o chamado gabinete do ódio—, ou agora, os derivados da invasão de instituições. E também na última campanha estrelou diariamente os noticiários porque teve que presidir o Tribunal Superior Eleitoral, encarregado de zelar pela limpeza das eleições em uma disputa acirrada e infestada de notícias falsas.

Em um país com prazos frouxos e longos, demorou menos de 24 horas para analisar o recurso do derrotado Bolsonaro contra o resultado eleitoral. Ele rejeitou, acusou-o de má-fé por continuar insistindo na fraude sem provas e multou seu partido. Tampouco seu pulso tremeu então, ou agora, para silenciar impiedosamente as contas nas redes sociais de influentes apoiadores de Bolsonaro com milhões de seguidores que ele acusa de encorajar, com desinformação, ataques à democracia. O fato de ter feito isso sem aviso prévio ou possibilidade de recurso já lhe rendeu acusações de censura do jornalista americano Glenn Greenwald, que mora há muitos anos no Brasil, entre outros.

Sua ascensão acelerada ao Olimpo relembra a carreira de outro ex-juiz, expulso da disputa. Sérgio Moro, 50, que já foi um reverenciado herói anticorrupção e ministro de Bolsonaro, caiu em desgraça por não ter sido imparcial no julgamento de Lula, razão pela qual os processos contra o atual presidente se desfizeram como um torrão de açúcar e ele conseguiu voltar ao escritório. Moro agora se refugia discretamente na cadeira do Senado que conquistou nas últimas eleições.

* Naiara Galarraga Gortázar

É correspondente do EL PAÍS no Brasil. Antes, ela foi vice-chefe da seção Internacional, correspondente de Migração e enviada especial. Trabalhou nas redações de Madri, Bilbao e México. Durante uma pausa na carreira do jornal, foi correspondente em Jerusalém do Cuatro/CNN+. É graduada e mestre em Jornalismo (EL PAÍS/UAM).