Política

PARIS AO SOM DO BANDOLIM, CAP 13: LES DEUX MAGOTS, O CHARME DA VILLE

O bistrô objeto de desejo mais cobiçado de Paris, em Saint-Germain des Pres
Tasso Franco , Salvador | 09/10/2022 às 11:18
O bistrô objeto de desejo
Foto: Selfie
  
  Creio que não há necessidade de dizer que Paris é a capital mundial dos bistrôs - cafés restaurantes pequenos quase sempre com o chef proprietário presente no balcão e/ou na cozinha - e que são uma marca registrada da cidade, com modelos espalhados pelo mundo. 

  A história conta que, com o fim do absolutismo e a guilhotinada em 1792 extinguindo a monarquia na França surgiram os restaurantes populares em Paris. Muito dos chefes e cozinheiros que trabalhavam na cozinha do rei Luís XVI e nos ducados do interior ficaram desempregados. A solução encontrada foi abrir restaurantes caseiros, sobretudo em Paris, onde já existiam alguns deles voltados para trabalhadores portuários, profissionais liberais e outros.

  Sem empregos e sem recursos mais substanciais com as economias que tinham criaram pequenos restaurantes nos bairros com poucas mesas e serviços orientados diretamente pelo chef da cousine - o dono - e familiares. Conta-se que, o nome, em sí, advém do início do século XIX na ocupação russa pós Napoleão Bonaparte, a partir de 1812, quando oficiais russos vinham tomar um 'drink' na casa da “La Mère Catherine” e gritavam «Rapido!», «rapido!» (Bistro em russo). Surge, então, o nome «Bistrot». Hoje, popularizado para bistrô.

  Os parisienses passaram a ter o hábito de tomar café, almoçar e jantar nos bistrôs e com o surgimento de uma classe média industrial, do crescimento da cidade, do turismo a partir da Expo de 1900 e da Torre Eiffel foram surgindo restaurantes maiores e mais chiques para atender uma clientela exigente. Hoje, Paris tem milhares de restaurantes - ultimamente muitos asiáticos e italianos ocuparam espaços - mas, os bistrôs seguem como os mais queridos e disputados. Seriam, por dados oficiais, 16.970 restaurantes.

  Esses pequenos restaurantes têm comidas deliciosas, são lugares agradáveis e permitem um papo intimista. E, não cobraram caro, a depender da fama. Para o leigo é dificil distinguir o que é um restaurante, um bar temático e um bistrô. No fundo, se parecem e prestam os mesmos serviços, com as diferenças óbvias de cada ambiente. Os restaurantes são maiores, mais impessoais: os bistrôs, mais aconchegantes. Parece-me, a diferença básica. 

  O café literário e restaurante "Les Deux Magots" (As duas estátuas chinesas) é um dos bistrôs mais badalados de Paris. Localiza-se no distrito de Saint-Germain des Prés em frente a antiga abadia (hoje, apenas de pé a igreja) que deu origem ao bairro no século VI. São três ambientes - interno, varanda e terrase-jardin - disputadíssimos por franceses e turistas, diariamente das 7h30min às 11h30min com le petit déjaneur e depois desse horário até 1h com almoço, jantar, vinhos, champagnes, cervejas, café e drinks variados. 
 
  Há, meu caro leitor, belle leitora, sempre fila de espera monitorada por uma jovem preocupada em acomodar as pessoas, os casais e/ou grupos e uma equipe de ágeis garçons que serve às mesas, aproximadamente uns 200 assentos.

   E por que será que esse bistrô é tão querido e desejado na ville? 

   Ora, por sua história e mesas passaram artistas e escritores como Paul Verlaine, Arthur Rimbaud, Stephane Mallarmé, Elsa Triolet, Louis Aragon, André Gide, Jean Giraudoux, Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre, Ernest Hemingway, Albert Camus, Pablo Picasso, Fernand Léger, Prévert, James Joyce e Bertolt Brecht. E, entre os brasis, alguns famosos como Danuza Leão, Ibrahim Sued, Carlinhos Oliveira, Di Cavalcanti, a condessa Pereira Carneiro, Oswald de Andrade.

   Anualmente, é local de entrega de prêmios artísticos, como o literário Prix de Deux Magots (alternativa ao conservador prêmio Concourt); o de literatura dedicada à música Prix Pélleas; e o artístico Prix Saint-Germain.  

    Se você acha que é pouco sentar-se numa poltrona onde Picasso e Jean-Paul Sartre tomaram umas e outras e Verlaine conheceu Mallarmé; Oscar Wilde e Alfred Jary beberam chás; e Guilherme Appolinaire e Jean Moréas debateram à mancheia, então sinta-se à vontade. Isso conta e muito porque, de repente, o espírito genial de um desses escritores pode baixar na sua mente.

   A história do café começou em 1813 quando monsieur Desabie fundou um magazine de tecidos (a maioria de produtos chineses) intitulada "Les Deux Magots" na rua de Buci, próximo do atual café. O nome era uma referência a uma peça teatral famosa na época intitulada "Les Deux Magots de la Chine". Em 1873, a loja transferiu-se para a praça Saint-Germain-des-Prés. Em 1884, transformou-se num café. 

  Essas lojas chamadas de "passagens" eram locais envidraçados com pisos de mármores nascidas com o avanço da revolução industrial, o uso do ferro e do vidro nas construções e o surgimento, também, dos boulevards haussamianos (do barão Georges-Eugêne Haussmann (Barão Haussmann), prefeito do antigo departamento do Sena, entre 1853/1870) e que foram as precursoras das lojas de departamentos. Era também chamadas de “magasins de neauvitées”.

   O destino do Leus Deux Magots era outro. Um comerciante de vinhos se instala na praça, depois outros dois o seguem. Absinto e licores podiam ser bebidos em Saint-Germain e assim o dono da loja de tecido viu que o negócio mais lucrativo e em moda era vender comidas e bebidas e acompanhou essa tendência, que explodiu com a "belle époque", até o início da I Guerra Mundial, 1914. 
 
   E segue até os dias atuais nessa pisada com as duas estátuas chinesas no mesmo local e a inovadora terrasse (jardin) que funciona de março a novembro.

    Claro que yo não iria perder uma oportunidade dessas estando em Paris por 90 dias de conhecer o "Le Deux Magots". Fomos atendidos, yo e a madame Bião de Jesus pelo garçom Frederic que nos disse amar o Brasil, não sei se para nos agradar ou porque gosta mesmo. O Frederic é um negro esguio que lembra um passista de escola de samba carioca, o qual foi extremamente gentil conosco e trocou palavras em francês com a madame Bião de Jesus, aplicada estudante desta língua.

   A parte interna onde nos acomodamos não estava lotada e ficamos numa mesinha quase embaixo das estátuas chinesas, a marca da casa. Muita gente adentra nesse local só para fazer fotos dos chinas e/ou selfies com os eles. São estátuas bem talhadas e conservadas com todo o carinho.

  Solicitamos a Frederic, um Château La Borie Côtes du Rhône de origem protegida. Vinho suave com notas de frutos vermelhos e um toque picante. A casa oferece uma entrada básica com azeitonas verdes e pretas e nuts salgados e picantes. O rouge desceu redondinho e ficamos a prosar e a imaginar se no local onde estávamos, por imaginação, sentara-se Verlainne ou Mallarmé. Poderíamos perguntar a Frederic, mas, consideramos ser indiscretos. 

  De principais, solicitamos um Tartare de Boeuf Charolais para a madame e uma salada Saint Germain para mim. Andei com alguns probleminhas estomacais, já sanados por Dr Ives Lellouche, um médico bonachão que me atendeu em casa, e o melhor era não arriscar. 

  A salada Saint-Germain, confidenciou-nos Frederic, é a mais vendida no Magots - salada verde, blac de poulet, haricots verts, raisins, bard-boiled, egg, curring dessert - algo bem light; e o tartare é um viandre (carne) típico da França - émulsion d'herbes fraiches et tomates séchées, salade, frites fraîches, premim charolais voeuf tartare, fresh herb dried tomato emulsion, fresch frites. 

  Diria que a comida do “Magots” é apenas politicamente correta, trivial, agradável ao paladar, mas, nada excepcional. Creio que os bistrôs com grande movimentação de clientes - e o “Magots” está sempre cheio de gente - nem dá tempo para os chefs da cozinha e seus auxiliares prepararem algo mais bem elaborado. No "Magots" os garçons se cruzam para lá e para cá numa velocidade de cruzeiro.
 
   O prazeroso no local é esse burburinho de pessoas de todas as idades, tins-tins de taças sem cessar, a presença de jornalistas, artistas, profissionais liberais, decoradores, de uma fauna incrível, tudo isso misturado a um monte de turistas de várias partes do planeta. 

   Achamos o lugar excelente nesse aspecto, um 'point' para causar, bebericar, sentir o clima de uma Paris agitada, em movimento, com gente lendo jornais (a casa oferece gratuitamente vários jornais), lendo livros, escrevendo poemas e ensaios, um local realmente surreal.

   Tudo isso você faz observando as duas estátuas chinesas, a torre da igreja medieval de Saint-Germain, uma elegante mademoiselle de botas canos longos, um despenteado poeta, um casal de velhos bebendo champagne.

   O "Les Deux Magots" é um retrato fiel de Paris em preto e branco ou a cores como você assim enxergar.