Política

HISTORIANDO AS COPAS 3: ITÁLIA BICAMPEÃ NA GUERRA, p ZÉDEJESUSBARRÊTO

França sediou a Copa graças a sabedoria de Jules Rumet
ZedeJesusBarrêto , Salvador | 30/08/2022 às 07:33
Itália, bicampeã do mundo em 1938, na França
Foto: Museu do Futebol

 O nazismo do Führer (chefe, comandante, grande líder) alemão Adolf Hitler se alastrava pela Europa. Feito uma metástase. Braços dados com o fascismo de Mussolini, na Itália, com Franco na Espanha e Salazar em Portugal. O arianismo racial e o nacionalismo exacerbado em alta. 

 Os alemães tinham abrigado os Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim, e o todo-poderoso Hitler também queria a Copa em seu território. Mas o norte da Europa, de fato, já estava em chamas. Hitler começara a II Grande Guerra, que se tornou mundial, invadindo e anexando a Áustria em março de 1938, os tanques germânicos sentando praça em Viena, sob aplausos. Afinal, o Führer era austríaco de nascimento, a juventude ariana o idolatrava. 

 Daí, a terceira Copa do Mundo terminou acontecendo na França, primeira sede da FIFA, país de um dos maiores desportistas do século XX, Jules Rimet, que deu nome ao troféu da Copa. Uma homenagem, um reconhecimento. 

 O clima hostil, beligerante reinante deixou alguns países fora da competição, inclusive a Áustria anexada. Os atletas austríacos tiveram de vestir, alguns a contragosto, a camisa da Alemanha nazista e a Copa foi realizada com apenas 15 equipes e não as 16 classificadas. 

Ficaram de fora, ainda, a Inglaterra, de mal com a FIFA ‘francesa’, e a Espanha, em guerra civil desde 1937. Da América do Sul, só o Brasil presente. Uruguai e Argentina não foram, também por problemas político-econômicos e desentendimentos com a FIFA. Os argentinos queriam abrigar a Copa, brigaram e perderam para os europeus, daí zangaram-se e lá na França não compareceram. Cuba esteve presente como o primeiro time da América Central na competição; em campo, decepcionou.  

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O Estado Novo 

O Brasil de então ainda era um país rural de 44 milhões de habitantes e que tinha o café como principal produto de exportação. Metade dessa gente não sabia ler nem escrever. Vivíamos o Estado Novo, a ditadura Vargas, que durou de 1937 até o final da Grande Guerra, em 1945. O caudilho gaúcho, ‘o pai dos pobres’ Getúlio Vargas, em princípio, nutria simpatias pelo nazi-fascismo, sabemos. 

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-  Atravessávamos, portanto, também no Brasil, tempos turbulentos, as liberdades individuais tolhidas, censura, perseguições, prisões e também profundas transformações econômicas – na produção, nas relações de trabalho.  Nem existia ainda o salário mínimo, instituído no dia 1º de maio de 1940, plena guerra mundial. 

- Carmem Miranda estava no auge, estrela de Hollywood, era melhor cantora do país; e os fãs choravam ainda a morte do grande compositor Noel Rosa, por tuberculose, em maio de 1937, aos 27 anos. O rádio era o grande meio de comunicação. 

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Nosso Diamante Negro 

  Em 38, pela primeira vez o Brasil foi à Copa com seus melhores atletas. E fez bonito, alcançamos um honroso terceiro lugar. No final, tivemos dois jogadores na seleção da competição: o extraordinário e clássico zagueiro Domingos da Guia e o fenomenal atacante Leônidas da Silva, o ‘homem borracha’ dos gols plásticos de bicicleta, o ‘Diamante Negro’, escolhido como o Craque da Copa. Leônidas foi o artilheiro da competição, com 8 gols marcados. Ainda tínhamos na equipe o lendário goleiro Batatais, os atacantes Romeu, Hércules, Perácio e o cerebral meia driblador Tim. 
Nosso treinador foi Ademar Pimenta. Os atletas:

- Batatais e Valter (goleiros), Domingos da Guia, Machado, Zé Procópio, Martim (Brandão), Afonsinho, Lopes (Roberto), Romeu, Leônidas, Perácio (Tim), Hercules (Patesko).


O rádio

A Seleção Brasileira estreou num domingo, dia 5 de junho, contra a Polônia, vencendo por 6 a 5, na prorrogação.
- Foi o primeiro jogo de Copa do Mundo transmitido pelo rádio para o Brasil, na voz de Gagliano Neto, microfone em punho, de pé, na beira do gramado. Leônidas fez três. A crítica europeia se surpreendia com o futebol “bagunçado, brilhante e acrobático” dos brasileiros. Para eles, algo diferente. 

- Na sequência, empatamos (1 x 1) com a Tchecoslováquia e a vencemos, dois dias depois, por 2 x 1, mas nesse jogo Leônidas machucou e ficou de fora da partida mais importante, contra a Itália (a campeã do mundo em 1934). 

 Sem o nosso artilheiro, levamos 2 x 1 da Itália de Meazza e Piola. O gol de Meazza foi cobrando um pênalti contestadíssimo de Domingos da Guia em Piola. Não tinha tevê (cadê o VAR?) e só o árbitro viu a infração/agressão fora do lance de jogo, sem bola, do elegante Domingos da Guia. O fato é que disputamos o terceiro lugar contra a Suécia e vencemos de 4 x 2, com dois gols de Leônidas.

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Um Bi mussoliniano

Na final da Copa de 38, a Itália, que tinha uma boa equipe, enfiou 4 x 2 na Hungria, no dia 19 junho, no Estádio Olympique de Colombes, em Paris, sagrando-se assim Bi-Campeã do Mundo. 

- Contam que na véspera da final os atletas italianos teriam recebido uma mensagem telegráfica do Duce Mussolini: “Vencer ou morrer”. Os jogadores vestiram-se de preto, cor símbolo do fascismo, e preferiram vencer. Na volta, de trem, os campeões foram recebidos em Roma, no Palazzo Venezia, pelo próprio ditador, e premiados. 

O time da Itália, Bicampeão do Mundo:

- Olivieri, Foni, Rava, Serantoni, Andreolo; Locatelli, Biavati, Giuseppe Meazza e Piola (os dois melhores da equipe); Ferrari e Colaussi. O treinador foi Vittório Pozzo.  

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Por conda da guerra insana de Hitler que se alastrou pela Europa inteira, norte da África, Japão, envolvendo os EUA e também de forma indireta ‘nosotros’ brasileiros (até mandamos tropas pra Itália), só voltou a acontecer uma Copa do Mundo em 1950, cá no Brasil. 

 Aí já é outro capítulo, outro drama. 

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Curiosidades:  
  
- A escolha da França como sede da Copa de 1938 foi por conta da sabedoria salomônica de Jules Rimet, o presidente da FIFA, interferindo na disputa, já num nível de briga feia, entre a Argentina e a Alemanha de Hitler, que já tinha abrigado as Olimpíadas de 36 e queria tudo, o ‘homi’ estava insaciável.

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 Três países europeus, onde se praticava um belo futebol, ficaram de fora:

-  A Inglaterra, por birra, ainda, com a FIFA (os ingleses se achavam os ‘pais do futebol’ e queriam o controle do esporte). 

- A Áustria, que a menos de três meses da competição foi anexada pela Alemanha nazista e teve seus melhores atletas convocados, na tora, para defender a seleção alemã; em consequência disso, um dos melhores jogadores austríacos na época, o ídolo Mathias Sindelar, desgostoso, suicidou-se. 

- Por último, também a Espanha ficou de fora do torneio, por conta da cruel guerra civil que começou em 1937 e que levou o ditador Franco ao poder. 

-  Num quadro assim, a Itália fascista do Duce Mussolini sagrou-se bicampeã, na bola, no apito, sob ameaças, pressões e muitas regalias bancadas pelo ditador. O melhor jogador italiano na época era o manhoso atacante Piola, um mito. 
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 Reflexos da guerra mundial

- Com a Europa e depois o resto do planeta em estado de horror pela guerra (de 1939 a 1945) foi suspenso o calendário da FIFA. O conflito devastou a Europa, alastrou-se pelo norte da África, envolveu a Ásia, as Américas e arruinou a economia do planeta. Com Hitler e o Eixo (Alemanha, Itália, Japão) nazifascista derrotados pelos chamados Aliados (Rússia, Inglaterra e Estados Unidos no comando), o Japão arrasado por duas bombas atômicas despejadas por aviões norte-americanos em Hiroshima e Nagasaki, a humanidade devastada com a morte de mais de 50 milhões de pessoas, a economia mundial em frangalhos, a competição só voltaria a acontecer em 1950, na distante América do Sul, mais precisamente no Brasil. 
 
- Em maio de 1940, às vésperas de Hitler invadir, subjugar e ocupar a França, o presidente da FIFA, o francês Jules Rimet, espertamente, transferiu a sede da entidade de Paris para Zurique, na Suíça, um país neutro. Lá a Taça Jules Rimet foi escondida, dizem que debaixo de uma cama, levada em segredo pelo presidente da Federação Italiana de Futebol,  Ottorino Barassi - a Itália era a Campeã do Mundo, tinha então a posse da taça. Assim, o troféu foi preservado dos saques de guerra. 
É o que se conta.