Pela primeira vez na história da humanidade acontece uma guerra onde se mesclam as velhas tecnologias militares - bombas convencionais, tanques, canhões, metralhadoras, helicópteros, morteiros, etc - e as novas tecnologias militares - bombas de vácuo, caças a jato de última geração, armas nucleares, perigo de explosões em usinas nucleares de energia, etc -; e os mecanismos de ações dos bloqueios econômicos e sanções nesse campo também envolvendo as velhas tecnologias - fechamento de empresas, bloqueios a rotas marítimas e compras de gás e petróleo - e as novas tecnologias da Web 2 envolvendo, inclusive a exclusão de sete bancos russos do sistema de pagamento internacional Swift, vetos na Rússia ao Twitter e ao Facebook.
Veja, portanto, que estão no tabuleiro da guerra iniciada pela Rússia no último dia 24 de fevereiro com a invasão a Ucrânia, supostamente para apoiar os dissidentes pró-Rússia no país, e, na real, anexar a Ucrânia ao domínio político-militar da Rússia evitando uma aliança de Kiev com a União Europeia e adesão a OTAN revivendo a velha 'cortina de ferro'. E mais: ampliar o poder da Federação Russa como no pós II Guerra Mundial - a volta da União Soviética. Estão, portanto, no cenário da guerra, quatro elementos tecnológicos como nunca se viu até então.
Se passarmos a régua nas guerras e batalhas mais recentes, a do Afeganistão ocupada pelos Talebans, 2021, a do Iraque cuja invasão data de 2003 com os Estados Unidos, o Reino Unido e um punhado de nações aliadas lançando uma pesada campanha de bombardeamento e destituindo Saddam Hussein, foram usadas apenas as velhas tecnologias militares - tanques, bombas convencionais, etc - e um dos elementos associados aos bloqueios também somente das velhas tecnologias.
Na II Guerra Mundial, se recuarmos para 1945, podemos observar que foram usados as velhas tecnologias de guerra - canhões, bombas, tanques, navios, etc - e pela primeira vez as novas tecnologias militares, as bombas atômicas lançadas pelos EUA em Hiroshima e Nagashaki que mataram, rapidamente, mais de 200.000 pessoas forçando o Japão a se render.
Foi neste pós grande guerra que parte do mundo foi dividido no território europeu entre Alemanha Ocidental, com capital em Berlim - domínios dos EUA, Reino Unido, França, Canadá, etc - e Alemanha Oriental, com capital em Boon e domínio da Rússia formando a União Soviétia - Polônia, Hungria, Austria, Bielo-Russía etc. A cidade de Berlim foi dividida ao meio por um muro que caiu em 1989 com a abertura da perestroika de Korbachev.
Observe que os dois novos elementos que permeiam o atual cenário da guerra da Ucrânia - bloqueios econômicos tradicionais e os bloqueios da Web 2 (Swift etc) e que, um deles (bloqueio tradicional) já aconteceu na Síria, no Iraque, no Afeganistão, Venezuela, etc - não estiveram presentes na II Guerra Mundial.
Hoje, no entanto, esse cenário que inicialmente se reservava ao boicote econômico sem mexer nos bancos de dados, agora, entrou esse novo elemento, capitaneado pela internet que é devastador. A Rússia sofre o pão que o diabo amassou inclusive tentando conter o Twitter, o Facebook e outros bancos (Telegram, Linkenen, etc), que pressionam a sociedade russa.
No bloqueio econômico a UE e os EUA pouparam o maior banco da Rússia, o Sberbank, e um banco de propriedade parcial da Gazprom, uma empresa estatal de energia russa. O bloco também decidiu proibir a transmissão dos veículos de comunicação estatais russos RT e Sputnik. Com essa última medida, a Rússia está perdendo feio a 'guerra' da comunicação/informação e a contra/informação. Isso representa uma perda enorme junto à opinião pública mundial, hoje, majoritariamente contra a Rússia, até na própria Rússia.
O banco estatal VTB Bank e o Bank Rossiya estão entre os bancos que foram excluídos do sistema de mensagens que permite transações no valor de trilhões de dólares em todo o mundo. As outras instituições da lista são Bank Otkritie, Novikombank, Promsvyazbank PJSC, Sovcombank PJSC e VEB.RF. Alguns países, incluindo a Polônia, pressionaram para que mais bancos fossem incluídos na medida.
Essa é a grande novidade da guerra em termos de novas tecnologias da Web 2 (o sistema Swift) uma vez que envolvem negócios de bilhões de rublos, dólares, euros, iens, reais e outras moedas, pois os pagamentos e recebimentos não são mais feitos com entregas de tesouros entre as partes, mas, via on-line.
O jogo é calculado milimetricamente pelo mercado mundial e o Sberbank, poupado da exclusão, porque o Banco Central Europeu (BCE) havia alertado que as filiais europeias dele, que é o maior banco da Rússia, estão em estado de "falência ou provável falência" diante da "deterioração da liquidez".
Vários países, incluindo a Alemanha, argumentaram que é importante garantir que alguns bancos permaneçam no Swift para ajudar a Europa a pagar as importações de energia da Rússia e permitir outras transferências importantes. Esse é o outro lado, que, na balança beneficia a política de Putin, o qual já ameaçou inclusive deixar os europeus no frio suspendendo o fornecimento de gás.
O sistema é amplo e envolve vários tentáculos, como um polvo. O RDIF, o fundo de investimento direto russo que criado em 2011 por Moscou para promover o investimento estrangeiro na Rússia, é conhecido, entre outras coisas, por ter financiado o desenvolvimento da vacina russa contra a Covid, a Sputnik V. Ele é dirigido por Kirill Dmitriev, um colaborador próximo do presidente russo que também foi adicionado à lista de pessoas afetadas pelas sanções britânicas.
No geral, essas medidas visam isolar a Rússia do mercado global, controlar de forma rigorosa a exportação e impactar diretamente o acesso do país à tecnologia de ponta. A Rússia, portanto, enfrenta esse outro "campo de batalha" - não apenas dos canhões e tanques - para tentar proteger o seu sistema financeiro.
Os especialistas mundiais em finanças atentam que o Banco Central russo tem US$ 630 bilhões de reserva internacional. Provavelmente, vai ter dois terços investidos em títulos públicos dos Estados Unidos, países da Europa, Japão. Mas o dinheiro está preso, a Rússia não consegue usar.
Como funciona então o boicote? Exclui a conexão do sistema financeiro dos EUA com a maior instituição financeira da Rússia, o Sberbank, incluindo 25 subsidiárias, e impõe sanções de contas correspondentes e a pagar. O plano do governo dos EUA é restringir o acesso às transações feitas em dólar do banco, que detém quase um terço dos ativos gerais do setor bancário do país.
O Reino Unido também impôs uma série de sanções contra o setor bancário russo. Além dos cinco bancos já afetados por sanções anunciadas na terça-feira (22), o gigante VTB entrou na mira e teve os ativos congelados em território britânico. As novas medidas "permitirão excluir por completo os bancos russos do setor financeiro britânico", disse o primeiro-ministro Boris Johnson.
As medidas também impedirão que empresas públicas e privadas obtenham fundos no Reino Unido e limitarão a quantidade de dinheiro que os russos podem ter em suas contas bancárias britânicas. No total, 100 novas entidades estão no alvo das autoridades do Reino Unido.
Até a Suiça quebrou sua neutralidade histórica e adotou sanções contra a Rússia, aderindo aos pacotes de sanções impostos pela UE em 23 e 25 de fevereiro. O país também adotou sanções financeiras contra o presidente russo Vladimir Putin, o primeiro-ministro Mikhail Mishustin e o ministro das Relações Exteriores Sergei Lavrov.
No Japão, o primeiro-ministro Fumio Kishida informou que as autoridades monetárias vão suspender a emissão e negociação de novos títulos soberanos russos e congelar os bens de alguns cidadãos.
Os Estados Unidos limitaram as exportações para a Rússia de produtos de tecnologia destinados aos setores de defesa e aeronáutica. A Casa Branca declarou querer "sufocar a importação russa de bens tecnológicos críticos". Ou seja, deve negar as exportações de tecnologia sensível ao país. Em especial, de produtos dos setores de defesa, aviação e marítimo.
Após a reunião de cúpula de seus líderes, a União Europeia também anunciou um endurecimento das sanções contra a Rússia. De acordo com a agência AFP, as medidas incluem o veto à exportação de tecnologia, peças e serviços de aeronáutica e aeroespaciais, assim como de equipamentos para reforma de refinarias de petróleo.
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Noutra ponta, a Comissão Europeia lançou uma página web para informar os refugiados que fogem da invasão russa da Ucrânia sobre os seus direitos na União Europeia (UE), incluindo o regime de proteção temporária. O site está disponível em inglês e ucraniano lembrando que já somam mais de três milhões de refugiados.
Na República Tcheca, onde vivem 50 mil russos, atos hostis aos expatriados são frequentes e o deputado conservador Tom Tugendhat, que preside o Comitê de Relações Exteriores da Câmara dos Comuns, defendeu a expulsão dos cidadãos russos do Reino Unido.
A onda de cancelamentos tem efeitos devastadores na cultura. Filmes russos foram banidos de festivais; artistas, de exposições que já estavam programadas, disseminando, desta forma, a ideia de que o russo comum é o verdadeiro inimigo.
Nem Dostoiévski, que morreu há 141 anos e foi preso sob acusação de conspirar contra o Czar Nicolau I, escapou da censura: a Universidade Bicocca achou por bem suspender o curso de quatro aulas que o escritor Paolo Nori daria sobre a obra do autor russo.
O objetivo da reitoria era evitar confusão pelo momento tenso, mas a medida atraiu tanta polêmica que a universidade acabou por voltar atrás e manter o curso. O Carnegie Hall e o Metropolitan Opera de Nova York anunciaram que não apresentarão mais artistas que apoiaram Putin.
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Veja, ainda, a dimensão da guerra noutras esferas geradas por ações que acontecem com a ajuda da internet. O fantasma de Kiev, por exemplo, seria uma peça da Web 2 ou ele existe mesmo? O perfil do Estado Maior das Forças Armadas da Ucrânia publicou na última sexta-feira (11) uma foto que seria do "Fantasma de Kiev", um piloto que teria derrubado mais de seis aviões russos, segundo rumores que circulam na rede.
Desde o início da invasão dos russos ao território da Ucrânia existem especulações sobre a existência ou não do "Fantasma de Kiev", até mesmo em perfis oficiais do governo ucraniano.
"Olá, vilão russo, estou voando pela sua alma - Fantasma de Kiev", diz mensagem postada junto à foto do piloto pelo órgão ucraniano. A postagem tem milhares de compartilhamentos.
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As Forças Armadas da Rússia deverão vencer a guerra devido ao seu poder de fogo muito maior do que as Forças Armadas Ucranianas e têm, no campo militar, tecnologias mais avançadas. Porém, a Rússia perderá a guerra no campo das novas tecnologias com o uso da internet e das redes sociais com a opinião pública mundial majoritariamente contrária as ações comandadas por Vladimir Putin, hoje, já considerado um novo Hitler.
Esse efeito já chegou a sociedade russa mesmo com toda a censura a Web 2 a ponto do pianista russo Luka Safronov se algemou, no último domingo (13/3), à porta de uma loja do McDonald's em Moscou e milhares de outros serem presos diante protestos contra a guerra na casa grande da Rússia, a capital Moscou.