Política

A SUBJETIVIDADE NA TENTATIVA DA VOLTA DE LUTA AO PODER, p TASSO FRANCO

Bolsonaro foi eleito para manter o lulopetismo fora do poder, mas perdeu o rumo no seu governo
Tasso Franco , da redação em Salvador | 28/07/2021 às 07:43
Lula, o retorno
Foto: REP
 
  Tenho visto com frequência nas redes sociais uma propaganda do ex-presidente Lula presumível candidato a presidente, em 2022, com apenas uma frase "Ele está voltando" e sua fotografia. Essa frase remete a subjetividade privatizada porque sinaliza um desejo subliminar, uma possível volta ao poder sem dizer necessariamente isto. Ao mesmo tempo sinalizada um desejo real, a volta do Palácio do Planalto como dirigente máximo da Nação.

  A pergunta subjacente e que ensejou a frase criada pelo marketing petista ideológico se apresenta da seguinte forma: por que o PT acredita que Lula está voltando depois de experimentar o impeachement de sua criação política, Dilma Rousseff, e uma prisão acusado de corrupção pela federal, processos em reanálise, ainda que o STF tenha-o livrado das grades?

  Darei, no meu entendimento, as possíveis razões que possibilitaram essa assertiva - e o que estamos verificando segundo as pesquisas de opinião da Folha de SP e do IPESP, entre outras, é de que Lula já pontua percentualmente à frente do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) até recentemente, um nome que estava na 'pole position' na disputa para presidente versus outros partidos, Ciro Gomes (PDT), João Amoedo (Novo), João Dória (PSDB).

  São 4 as minhas razões. A primeira delas está relacionada ao colapso das experiências utópicas do governo Bolsonaro. Segundo o filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizek (Vivendo no Fim dos Tempos, Bom Tempo Editora) o "sistema capitalista se aproxima do zero apocalíptico" e ele enumera as principais possíveis causas dessa debacle: a crise ecológica, as consequências da revolução biogenética, o desequilíbrio do próprio sistema, e as lutas por matérias primas - água e comida.

  Agora, observe como esse postulado de Slavoj se encaixa no governo Bolsonaro que sofre com uma impiedosa crítica da mídia em relação ao desmatamento da Amazônia e isso grudou na classe média como uma verdade absoluta, mais ainda com o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sendo investigado pela PF, teme-se um desequilíbrio do próprio sistema com vozes internacionais já falando nisso.

E a pandemia do coronavirus expôs a luta pela comida - o governo sendo obrigado a bancar uma bolsa (família) coronavirus para 50 milhões de brasileiros - os invisíveis - que apareceram aos olhos da opinião pública. E, de quebra, já dito por Bolsonaro, a preocupação com a falta de chuvas no sudeste e de água.

   O segundo ponto está imbricado com o primeiro na medida em que Bolsonaro assumiu o governo afirmando que adotaria o liberalismo do mercado em sua fórmula kentiana - sem interferência do Estado - dito diversas vezes pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, apelidado de 'Posto Ipiranga' que privatizaria empresas estatais ineficientes, faria várias reformas estruturantes, enxugaria a máquina estatal, expurgaria os 'marajás' e essa missa não foi rezada nem pela metade. 

   Vendeu-se, pois, a população, com base na maioria dos 53 milhões de votos que amealhou na eleição, um modelo novo de Brasil - e que foi pregado na campanha e a população aprovou - e quando se chegou ao poder não se realizou.

Quando há uma promessa dessa natureza - ensina Slavoj - a população tem que passar por um novo processo de aprendizagem e se isso não acontecer ela se frusta. É exatamente o que ocorre com o volátil governo Bolsonaro uma vez que, além de não ter realizado na área econômica o que se prometera, praticou e difundiu conceitos abstratos e distantes da vida real. E o uso da cloroquina e a negação da ciência no combate a pandemia do coronavirus estão agregadas ao seu pensamento.

   Lula, pois, com sua frase singela, entra no vácuo, na garantia subjetiva (que pode ser concretizada com ampliação do Bolsa Familiar, Prouni e outros projetos) da volta dos programas sociais de ajuda à população com recursos públicos. Essa é, pois, uma, 'subjetividade' (baseada em evidências anteriores) e que não precisa ser dita, pois, o povo entende.

A plebe, no geral, necessitada, não analisa a economia do mercado liberal e o dinamismo das empresas que pode resultar em conquistas sociais a partir de empregos e de suas conquistas pessoais, e pouco está interessada que o Brasil cresça ou não. O que deseja é ser amparada no guarda-chuva estatal para sobreviver. E, subjetivo, já que Bolsonaro não está dando, vamos voltar para Lula.

 O terceiro pressuposto de minha análise está relacionado com a política. Bolsonaro foi eleito ancorado no PSL, um partido pequeno e fisiologista. Óbvio que sabia disso. Na campanha as ações de relacionamento com a população são de natureza amigável, simplista, da necessidade da conquista. No Poder, a situação muda.

No regime federativo brasileiro é preciso compartilhar. Ou seja, dividir o poder com o Congresso Nacional e os partidos, que não são um mesmo ente. O Congresso é uma instituição e os partidos são corporativos dirigidos com mãos-de-ferro e de negócios, todos eles. E esse jogo se dá com os partidos e com os políticos de forma individual e coletiva com bancadas que vão da bala a evangélicos; da indústria farmacêutica a cristão novos.

Bolsonaro entrou na loja de cristais sem observar onde andava se apegando a um grupo ideológico e aos filhos e saiu quebrando as taças e copos rompendo com aliados da campanha, com o partido, com pessoas próximas, se indispondo com 'Deus e o mundo' para usar uma expressão popular. Não seguiu a máxima mineira do sábio Tancredo Neves que, ao trabalhar politicamente na derrubada final da ditadura (1964/1984) dizia, sempre, que era preciso aglutinar e não espalhar. Na Bahia, chegou a unir Waldir Pires, ACM e Carlos Santana.

Essa perda do rumo político desarticulou Bolsonaro no Congresso Nacional e mesmo conseguindo 'fazer' os atuais presidentes da Câmara e do Senado, há em curso uma CPI da Covid no Senado mordendo seus calcanhares na tentativa de derruba-lo ou, ao menos deixá-lo capenga, como se encontra. Presidente politicamente forte e articulado não deixa prosperar CPI. Mata-o no nascedouro. 

E, de quebra, hoje, entregou os anéis dos dedos ao Centrão com a nomeação do senador Cid Nogueira para a Casa Civil. Quando irão os dedos? Uma questão de tempo (ou não).

   O quarto ponto está relacionado a esperança perdida. Jaques Lacan estabeleceu um dos conceitos bem sugestivos sobre a tarefa da psicanálise no sentido de decifrar a linguagem para atingir o inconsciente. Entendo que Bolsonaro usa esse sentimento com frequência e tem uma linguagem especial - nunca outro presidente foi igual - às vezes até desagradável (mas, efetivo, falando aos seus) para manter viva a esperança que conseguiu amealhar para si, em 2018, não criada por ele e sim por um desejo da população temerária do lulismo, do lulopetismo. 

Bolsonaro apenas serviu como intérprete dessa vontade, mas, hoje, não consegue manter esse edifício em pé e parte dele já ruiu e outra parte permitiu a Lula se encaixar novamente na esperança que também destruiu no passado e está conseguindo reedificar.

   Estamos, pois, no limiar do que os técnicos em economia chamam de “Vale das Lágrimas”, um período  obscuro  que países em desenvolvimento têm que passar - e ai entra o senhor autoritarismo em cena, que pode ser da direta ou da esquerda - para atingir uma fase adiante, de desenvolvimento, como aconteceram no Chile e na Coreia do Sul.

  Fared Zakaria postula que a democracia só pega em países economicamente desenvolvidos e se os países em desenvolvimento forem prematuramente democratizados o resultado é um populismo fadado a catástrofe econômica e ao despotismo político.

   Não parece com o Brasil, com o que vivemos agora e com o que está por vir, com uma eleição previamente polarizada com esses dois seres - um à direita; outra à esquerda?

  Slavoj conceitua: - Na medida em que se apaga todo o conteúdo substancial o choque traumático repete o passado, isto é, a perda de substância traumática passada que é constituída da própria dimensão da subjetividade. Ou seja, o tempo da subjetividade é a priori um tempo de estado de emergência.