Colunistas / Crônicas
Jolivaldo Freitas

A médica e o cachorro

Jolivaldo Freitas é jornalista e escritor
07/08/2018 às 09:37
Quando a idosa saiu do consultório já foi olhando para mim e dizendo:

- Trata a gente como cachorro!

E agora era a minha vez de entrar no consultório da médica para ser atendido e já fui entrando com o rabo entre as pernas, as orelhas baixas e os pelos do cangote eriçados. Bati delicadamente na porta e como não houve resposta fui entrando passo a passo. A médica de olhos pregados na tela do computador sequer esboçou uma boa tarde, mas eu dei uma boa tarde humilde. Mais humilde que pobre às terças-feiras na hora do pão da Igreja de Santo Antônio da Barra e de Nossa Senhora da Piedade. Eu pensei “benza Deus, que mulher é essa?”.

Sentei, sem saber se era mesmo para sentar e já estava esperando o coice, quando o coice se fez:

- O senhor tinha marcação semana passada, não veio e não desmarcou. Isso aqui não é casa de Noca onde qualquer um faz o que quer!

Eu já ia me defender dizendo que tinha ligado, sim. Que a moça que atendeu ao telefone é que não tinha desmarcado, mas pensei rápido e vi que se eu entregasse a funcionária aí sim quem iria se lascar toda era ela, pois provavelmente ouviria umas poucas e boas e poderia perder o emprego. Imagine perder emprego neste mar de desemprego de 14 milhões de almas jogadas ao desespero por Lula, Dilma e Temer (quem lucidamente acompanha política e economia sabe o que estou dizendo, sem nenhum oportunismo, pois também não gosto de Ciro, Alckmin, Aécio, Bolsonaro e nem da direita ou da esquerda, gosto mesmo é de Cristiano Ronaldo, Messi, Suarez e Mbappé, pois sou alienado, agnóstico e eunuco).

Então inventei uma desculpa que não era lá essa mentira toda dizendo que tinha sofrido um pico de pressão e fui internado no Hospital Santa Isabel. Já ia pegar o laudo do nosocômio que está fazendo 120 anos de fundação (até disso lembrei) e ela parecendo acreditar disse abruptamente que não precisava, mas que eu ficasse atento na próxima vez. Aproveitei que ela baixou a guarda e brinquei:

- Da próxima ligo até do necrotério!

Ela franziu a boca e vi ali um escárnio? Um sorriso sardônico? Uma ironia fina? Achei melhor ficar calado e só abrir a boca para responder o que fosse perguntado, conforme a lei imposta por ela e médico sabe que tendo a vida e a morte nas mãos é de uma ditadura e de uma empáfia.... E quando ela abriu os resultados dos meus exames, foi abrindo, lendo folha por folha e senti um vulcão prestes a despejar sua lava e ela veio em borbotões:

- Meu caro, não é possível, está tudo pior do que a última vez que o senhor esteve aqui. Triglicérides parecendo de bunda de abelha. Mais ureia que nas fábricas do Pólo Petroquímico. Mais sal que no Mar Morto. O senhor tem mais potássio que uma bananeira inteira. Nem vou olhar os exames de fezes pois tenho certeza que está cheio de lombriga.

Bastou ela falar para eu ter a sensação de vermes se mexendo dentro da minha barriga e até esperei coceira de caseira – quem já teve caseira sabe como coça e se não coçar enlouquece de vontade – mas felizmente meu exame estava uma beleza e neste quesito passei com louvor e ela disse que “menos mal”: - Parece que pelo menos lava as mãos depois de ir ao banheiro e antes de pegar nos alimentos – concluiu, me passando novos exames, marcando data para voltar, foi quando pedi para tirar minha pressão e ela tendo feito tudo isso sem nem me encarar foi colocando o medidor e dizendo que “não é possível que basta ver um tensiômetro que o povo pede para tirar a pressão e eu perco meu tempo”.

Acho que por causa dela minha pressão subiu e estava 14 por 10 e a médica disse que “bom não está, 
mas também não está tão mal e o senhor queria o quê com tantos resultados ruins? Vá se cuidar e volte”. Eu disse tudo bem e já saindo, eu abrindo a porta e ela quase que gritou:

- Se não puder vir vê se desmarca!

Fechei a porta, olhei o próximo paciente que ia entrar e desabafei:

- Trata a gente como cachorro!
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Escritor e jornalista: Jolivaldo.freitas@yahoo.com.br