Como o futebol ajudou nas relações sociais e nas atividades de lazer nos bairros de Serrinha
Tasso Franco , Salvador |
31/05/2023 às 09:30
Equipe do Ipiranga EC, 1958, Bocage como masconte; Ana como patroness
Foto: Arquivo do autor
Em 30 de junho de 1891, 168 anos depois de Bernardo da Silva comprar as terras do Sítio Serrinha da família Guedes de Brito (Casa da Ponte) e mudar-se com a família de Tamboatá para este local cercado de pequenas serras onde fez casa de morada e capela em louvor a Senhora Sant'Anna se inicia na área da pousada dos tropeiros (atual praça Luís Nogueira) uma rancharia, anos depois vai surgir um povoado, arraial, distrito e cidade, na data citada acima. Portanto, somente a partir de 1891 que surgiram os bairros.
E, mais adiante, em 1919, José Pinheiro Alves (o futebol surgiu na Inglaterra em 1863) introduz o futebol em Serrinha criando os times Botafogo e Guanabara, ainda com nomes em inglês - Sport Club Foot Ball Botafogo e Sport Club Foot Ball Guanabara, com a realização do primeiro jogo em 5 de janeiro na Praça Miguel Carneiro. Vocês podem ter uma ideia das dificuldades que foi formar os times, organizados em 2018, realizar os primeiros treinos e ensinar algumas regras básicas do novo esporte, fabricar as chuteiras nos sapateiros locais e conseguir meiões, camisas e calções.
Nessa época, Serrinha tinha entre 1.500 a 2.000 habitantes na sede e 10.000 a 15.000 na zona rural. Em 1940, censo oficial, a sede tinha 2.765 habitantes e a zona rural 22.475.
Foi uma epopeia: O Botafogo de camisas vermelhas e calções brancos e o Guanabara camisas verdes e calções brancos assim estrearam. É provável que Pinheiro tenha sido o juiz e o Botafogo venceu por 2x0. Pouco mais de um mês depois, Pinheiro fez uma seleção com jogadores dos dois times formando o Serrinhense Foot Ball Esporte Clube para enfrentar o Esporte Clube Rio Branco, em dois jogos, o primeiro na Praça Miguel Carneiro e o segundo em Alagoinhas.
O time da Alagoinhas foi recebido na gare do trem por dezenas de pessoas e saudado pela Filarmônica 30 de Junho ficando hospedado no Hotel Maciel. Antes do jogo os jogadores dos dois times compareceram a um ato cívico na Câmara sendo saudados pelo jornalista Reginaldo Ribeiro. O jogo terminou 0x0 e à noite houve um baile no Paço Municipal. Nas décadas seguintes (1920/1930) o futebol ganhou impulso extraordinário surgindo os times América, Iris, Central, Veneza, Flamengo, Vasco e Vitória.
Vocês hão de perguntar o que o futebol tem a ver com os bairros. Diria que tudo. Com o advento do futebol e a proliferação das equipes surgiram nos bairros os campos de jogar bola, uns maiores, outros menores; em descampados, nas praças, nos distritos, onde houvesse lugares para instalar traves de madeira ou marcações de gols com pedras e até chinelos, para a prática do futebol.
Essa febre, na inicial, além do campo da Miguel Carneiro (praça da Catedral), a turma do Iris fez um campo no largo da Matança (área da Igreja Batista) e o América em frente à casa de Manoel Chileno (hoje, Semes) e nasce a organização do futebol em Liga e a Prefeitura construiu o Estádio André Negreiros onde depois se existiu ACS (o Clube), hoje, Policlínica.
Quando eu era garoto e depois adolescente joguei bola na praça Miguel Carneiro, nessa época Largo da Usina, no campinho junto ao tanque de João Devoto, no Largo do Ginásio, na área do Jardinzinho, no campo da Estação ao lado da casa de Aurelino Paes e no campo ao lado do cemitério paroquial. E, já havia, campos na Rodagem, na Coruja, na Bomba, no Cruzeiro e nos povoados Tanque Grande, Bela Vista, Pau da Bandeira, Muribeca, etc, e nos distritos Raso (Araci), Manga (Biritinga), Lamarão, Barrocas e Pedra (Teofilândia).
A Liga Serrinhense de Esportes Terrestres (LSDT) foi fundada em 1947 e Pedro Burgos o primeiro presidente. Na década de 1950, Paulino Santana (Biêta) fundou uma linguinha do futebol base com 4 times - Ypiranga, Serrinhense, Bahia e Flamengo. E, nesta década, o clássico serrinhense era Fluminense x ACEC com o futebol popularizado aos domingos, torcidas, bandinhas, mulheres e homens à beira do campo aplaudindo os atletas.
Depois da criação da ACS o campo de futebol passou para uma área ao lado do cemitério, hoje, residências e Escola Normal; e depois para uma área atrás do ginásio onde está a AABB até que o governo do Estado, no governo Roberto Santos, construiu o Marianão.
O futebol, portanto, foi fator de integração e expansão dos bairros e atividade de lazer. Alguns deles, como o Bahia da Rodagem com organização liga própria e assim por diante.
E AS MULHERES O QUE ACONTECEU COM ELAS?
É uma pergunta bem interessante. Durante 250 anos da existência de Serrinha até a década de 1960 as mulheres não praticaram nenhum tipo de esporte. E qual era o lazer delas? Quando meninas, brincar de bonecas e arrumar casas, praticar o jogo da amarelinha ou macaquinho, cantigas de rodas, etc, e quando adolescentes e adultas esperar as festas populares - Sant'Anna, São João, Carnaval, Natal, bailes no Paço, etc - se arrumarem com vestidos novos e irem paquerar.
Isso só veio a mudar com o surgimento dos clubes Só Falta Você, da Marieta; e da ACS e com a chega do Ginásio, em 1953, quando no currículo escolar havia uma matéria chamada Educação Física ensinada pelo tenente PM Brito. As jovens que eram estudantes do GERN usavam saiotes, tênis (galopim) e passaram a se exercitar, mas, ainda, de forma muito precária. Nas décadas de 1960/1970, aí, sim, surgiram equipes de volei e handebol femininas.
E isso prejudicou as mulheres? De forma alguma. Vamos aos exemplos: minhas avós nasceram no século XIX (1880), Leonor e Rosa; Rosa não teve filhas e Leonor teve três: minha mãe Zilda (1917), e minhas tias Celina (1920) e Dalva (1915); e depois vieram a terceira geração minhas irmãs Celeste (1942) e Laís (1950). Nenhuma delas e suas colegas dessa época praticaram esportes nem aprenderam a nadar.
Serrinha, como vocês sabem, não tem lago, mar, rio, floresta, nada. É um município do semi-árido, seco, e as atividades náuticas nunca existiram e a cidade só foi ter piscinas na década de 1970. Então, esportes neste campo tanto para homens como para mulheres foi zero. Os homens ainda se arriscavam a aprender a nadar de cachorrinho nos tanques, na Bomba e no Gravatá.
Observe, no entanto, que as mulheres de Serrinha entre 1723/1970, quase 250 anos, não sofreram tanto como se pode imaginar por falta de esportes, hoje, academias, pilates, etc, etc, pois, em regra geral viveram muito: minhas avós morreram as duas acima de 80 anos; minha mãe 83, minhas tias uma com 96 e outra com 90 anos. E cheguei a conhecer várias amigas de minha mãe todas velhas e que viviam numa boa. E, minhas irmãs, hoje, estão com 80 anos e 73 anos, vivas.
Portanto, essa conversa de que esporte é bom pra saúde, pilates é uma maravilha e outras narrativas, têm limites. De fato, são saudáveis, ajudam, mas, a maioria é conversa fiada e marketing. A falta de esportes não significa dizer que as pessoas não vivam bem e saudáveis. E as mulheres de Serrinha em todos os bairros são um exemplo disso, na sede e na zona rural. Na zona rural as atividades sociais são ainda mais complexas nas relações entre as famílias, uma vez que cada distrito ou povoado funciona como uma espécie de bairro, único.
Então, em resumo, o que quero mostrar é como o futebol se enraizou nos bairros e ajudou nas relações sociais das famílias serrinhenses, ainda hoje, um dos poucos esportes praticados na cidade ao lado do judô, que é outra onda, outra atividade esportiva importante na cidade.