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A NOITE ILUMINADA DO REI PELÉ CONTRA O BAHIA, por ZÉDEJESUSBARRÊTO

O Rei esteve infernal – dribles, arrancadas, passes, chutes, técnica e arte, sua bola era poesia. Aos 30’, fez o dele, pegando da entrada da área, após arrancada de Dorval pela direita.
ZédeJesusBarrêto , Salvador | 31/12/2022 às 10:32
Rei Pelé
Foto: Junior Souza CBF
     
   Vi Pelé em campo pela primeira vez no dia 30 de dezembro de 1959, na Fonte Nova, noite de uma quarta-feira. Era o segundo jogo da decisão da 1ª Taça Brasil, o Tricolor vencera o primeiro, 20 dias antes, de forma surpreendente (3 x 2, gols de Biriba, Leo e Alencar) na Vila Belmiro. Eu com 11 anos, paixão pura por bola e pelo Bahia. Pelé tinha 19 anos, já Campeão do Mundo na Suécia, voando. Sim, ele voava.

  Saí naquela noite da velha Fonte com o coração sofrido pela derrota mas com um sentimento de estranho encantamento, a certeza na alma que tinha presenciado coisas inimagináveis, divinas, sublimes. O que Pelé fez em campo ... ah, era um susto, um deslumbre cada vez que ele tocava na bola. Uma sensação de surpresa, do acontecer imprevisível, de um milagre, como se no fundo a gente se perguntasse, sem fôlego, o coração na boca ‘o que vai acontecer?’. 

  O timaço do Bahia suportou o primeiro tempo, com uma atuação segura e dura de Henrique, Vicente, Flávio e defesas salvadoras de Nadinho. Mas, no segundo tempo... Aos 7’, Coutinho tabelou com Urubatão e Pelé, livrou-se da marcação e fez 1 x 0 – a bola raspou na perna de Vicente e traiu o goleiro Nadinho. O Rei esteve infernal – dribles, arrancadas, passes, chutes, técnica e arte, sua bola era poesia. Aos 30’, fez o dele, pegando da entrada da área, após arrancada de Dorval pela direita.

  Mas, lembro-me, não sei o momento do jogo, de um lance em que a Fonte Nova inteira (mais de 40 mil presentes, só existia o lance de baixo de arquibancadas) levantou-se e aplaudiu de pé o Rei, pelo inesperado, pela plasticidade, pela belezura da jogada: Dorval levou o marcador na velocidade e cruzou da direita, a bola veio alçando nas imediações da meia lua, na linha da grande área, Henricão e Vicente saltaram e não alcançaram e Pelé, atrás, subiu mais que todos, voando, matou no peito e girou no ar, sem deixar a bola cair, desferindo um balaço que bateu no travessão e subiu ...  Ooohhh!  Nadinho só espiou e o torcedor perplexo, mesmo sem querer, levantou de susto e aplaudiu por minutos. Foi no gol da entrada, da ladeira, as imagens continuam vivas na minha mente, mais de 60 anos depois.

  Ah, Pelé, como me fez sofrer! Impiedoso com o meu Bahia, tantas vezes. Mas... como fui feliz, como sou agradecido por ter nascido no tempo de vê-lo, majestoso, absurdo, inexplicável, absoluto, mágico...  enfeitiçou-me a vida. Tantas vezes vi, revi, fui vê-lo onde foi possível, ouvia pelo rádio a narração de seus gols, o cineminha dos lances na cabeça, o Canal 100, os vídeo-tapes, as fitas... o “Pelé Eterno”, cada movimento, cada ginga... a deusa bola como paixão de vida.  “Goool de Pelé!”, gritaram as crianças do mundo inteiro. Gritava eu, com todas as forças dos pulmões, a cada gol do meu time de botões, de acrílico... O botão Pelé, camisa 10, era de acrílico preto, meu artilheiro.

Porque cada gol de Pelé foi um momento de êxtase, coisa do céu, sopro do desconhecido.

 Obrigado Negão, Rei Eterno. Por tudo.