Esporte

HISTORIANDO AS COPAS 19: ESPANHA CAMPEÃ DO MUNDO NA ÁFRICA DO SUL 2010

A Copa no Continente Agricano e a vitória da Espanha pela primeira vez na história
ZédeJesusBarrêto , Salvador | 20/12/2022 às 09:52
Espanha entra para o rol dos países vencedores de uma copa do mundo
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                Copa do Mundo não é só o que acontece nos gramados. É uma celebração, uma grande festa de misturas, culturas, congregação humana, em torno da deusa bola. Diante dela, de seu encantamento somos todos iguais, todos crianças. 
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 Foi a primeira Copa do Mundo no continente africano. Única, diferenciada, diferente. São muitos os exemplos e acontecimentos que fazem dessa copa africana um diferencial. O maior deles, certamente, foi o engajamento de vez, e esperamos que para sempre, do mundo do futebol – dentro e fora das quatro linhas – na luta contra o abjeto racismo em toda e qualquer de suas manifestações. Racismo não, nunca!

A África do Sul já tinha decretado oficialmente o fim do abominável regime apartheid, mas os gestos e comportamentos racistas ainda estavam presentes, impregnados, escancarados nas ruas, ambientes, cidades sul-africanas, e isso ficou bem claro e explícito durante a Copa, a despeito de tantas misturas e manifestos de respeito humano, também. Taxistas brancos que se recusavam a entrar em bairros de pretos, bares e restaurantes que não aceitavam a presença de negros, etc...
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 - Marcante a presença do arcebispo Desmond Tutu (1931-2021), Primaz da igreja Anglicana da África Austral, Prêmio Nobel da paz em 1984, um guerreiro na luta contra o apartheid. 

- Mais que marcante, emocionante a figura do extraordinário e carismático líder sul-africano Nelson Mandela (1918 – 2013), eterno Nobel da Paz mundial, unanimidade planetária incontestável, exemplar humano. Advogado, líder negro na luta contra o apartheid, prisioneiro político durante 27 anos de vida e presidente da África do Sul de 1994 a 1999, Nobel da Paz em 1993. É o pai “Tatá” da moderna nação sul-africana, o grande “Mandiba”. Ele marcou presença e foi aclamado na Copa Africana. Um mito, verdadeiro, ícone. 
- A Copa do Mundo na África foi um grande aprendizado para humanidade. 

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Festas & Cores 
 Como se não bastasse tudo isso ...  foi a copa das cores vibrantes, das danças, dos ritmos, dos festejos populares, comemorações, misturas humanas de fazeres e louvores. 
- Foi a Copa das estridentes vuvuzelas – aquelas cornetas coloridas sopradas que atordoavam nas transmissões de rádio e tevê. E dos capacetes makerepes – ornatos de cabeça, muito vendidos e usados nos estádios, com as cores das seleções. Foram as  armas do ‘exército sul-africano’ da alegria.

- Foi a Copa da Jabulani (significa celebração, em zulu), a bola colorida de trajetória sinuosa, terror dos goleiros, amante dos atacantes de chutes certeiros e enviesados. Lembra-nos Rivelino, um dos maiores craques do futebol brasileiro, canhoto inigualável, que quando viu, sentiu, tocou na Jabulani seus olhos brilharam: ”Imaginem o que eu poderia fazer em campo com uma bola dessas!”. 

  Mágica Jabulani, de 11 cores, homenagem aos 11 atletas de cada equipe em campo, aos 11 idiomas oficiais do país. Raízes. 
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 Desigualdades 

 - A África do Sul, então a maior economia do mundo sub-saariano da África, já vivendo tempo de uma recessão da economia mundial iniciada em 2018, às voltas com sérios problemas de desigualdades, pobreza, racismo entranhado, violência urbana (insegurança absurda), e uma infraestrutura deficiente, sobretudo na área de transportes.  

 - A copa aconteceu de 11 de junho a 11 de julho, inverno na região - de sol, chuva e ventos-, Joseph Blatter era o todo-poderoso da FIFA, e o nosso Carlos Alberto Parreira  treinava a anfitriã África do Sul. 
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 Os locais da festa  
  Dez estádios abrigaram os jogos, cinco novos, construídos para a Copa e outros reformados, todos em boas condições:

   - O Soccer City, em Johannesburgo, com capacidade para 90 mil pessoas, o maior deles, próximo de Soweto, de comunidade negra.  O Ellis Park, na mesma cidade, a capital do país, para 60 mil. Mais o Free State, em Bloemfontein (48 mil); o Green Point (70 mil) em Cabo, a cidade mais importante depois da capital; o Mbombela (43 mil) em Nelspruit, a cidade dos laranjais; o Moses Mabhiba (70 mil) em Durban; o Peter Mokabe (45 mil) em Polokwane; o Royal Bafokeng  (42 mil) em Rustemburgo e o Nelson Mandela Bay (48 mil) em Port Elizabeth, cidade turística no litoral sul do país.  

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 Um jeito de jogar 

 No campo de jogo, foi a Copa do simples, vistoso e vitorioso Tic-Tac espanhol, um jeito de jogar trabalhado pelo gênio holandês Cruijff (ex jogador e treinador), segundo ele próprio a partir do que viu do Brasil de Pelé, Gérson, Tostão ...  na Copa de 1970. Cruijff, o grande comandante em campo do notável Carrossel Holandês, em 74, foi treinador do Barcelona, depois seguido por Rijkaard, um meio campista holandês estiloso, craque, ótimo técnico. 

 O Tic-Tac, que virou uma febre mundial a partir da vitoriosa escola espanhola, consiste na valorização do fundamento do passe. A troca de passes, a posse de bola e a ocupação inteligente dos espaços do campo, de forma que os jogadores estejam sempre próximos, em bloco, marcando e tocando rápido, tramando de preferência com um só toque na bola, no chão, pondo o adversário na roda, cansando-o, mastigando-o, até achar o tempo e a brecha a enfiada de bola em profundidade, a finalização.  Quem tem a bola joga, quem não a tem corre atrás.  

 O lendário Gentil Cardoso, treinador brasileiro nas décadas de 50 e 60, ensinava: “Quem se desloca recebe, quem pede tem a preferência”. Básico. Então, é preciso ter a bola, sempre nos pés, sem permitir que o adversário tome. E os atletas, todos e todo tempo, devem se posicionar sempre de forma que possa recebe-la livre. Sem a bola, é função de todos recuperá-la, o mais rápido possível, para que se tenha o controle do jogo, a posse do brinquedo, até que, tocando, se chegue ao gol, o objetivo maior. O ‘toco y me voy’ argentino. Parece simples, mas é preciso técnica, precisão, aplicação, vontade, garra e inteligência para que funcione. 

 O exemplo maior da perfeição desse estilo de jogo foi o Barcelona treinado por Luis Henrique e Guardiola, esse um discípulo de Cruijff e Rijkaard, bem executado nos gramados por jogadores de meio campo como Xavi, Iniesta (que tocavam de primeira e quase não erravam passes),  Messi mais adiantado, Busquets, Piquet... 

  Posse de bola, passe correto, deslocamentos e movimentação contínua, com ou sem a bola. Ninguém pode ficar parado em campo, espiando, todos se movimentam todo tempo, com ou sem a bola. Hoje, essa escola guardioliana de jogar está presente – além da Espanha, Barcelona e Real Madrid como maiores exemplos – em vários times do mundo, como o Manchester City, o Bayern de Munique, o PSG francês ...  Algumas equipes brasileiras tentam, como as treinadas por Fernando Diniz, sobretudo.
 Espanha campeã 
 Foi assim, no tic-tac, sem fazer muitos gols mas vencendo os jogos, trucidando aos poucos os adversários, que a Espanha tornou-se Campeã Mundial, pela primeira vez, em 2010, na África do Sul.  E o futebol passou a ser visto, estudado e jogado de forma diferente a partir de então, mundo afora.
 Uma nova era do futebol, que se transforma, como tudo nesse mundo em perene movimento
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 A Espanha, treinada por Del Bosque, estreou mal, perdendo de 1 x 0 para a Suíça, mas recuperou-se cresceu na competição. Venceu Honduras (2 x 0), Chile (2 x 1), Portugal de Cristiano Ronaldo (1 x 0 na cidade do Cabo), o Paraguai por 1 x 0 – gol do artilheiro Villa, a bola batendo nas duas traves antes de entrar, num jogo que teve dois pênaltis perdidos, um de cada lado. Na semifinal, venceu a Alemanha (já com o time-base que seria campeão no Brasil quatro anos depois) com um golaço de cabeça do zagueiro Puyol, raça pura. A final foi contra a Holanda, uma batalha campal, um absurdo de faltas violentas e cartões amarelos, um ‘jogo sujo’, como bem disse Cruijff, envergonhado. 
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 O Brasil petista
 Em 2010, terminava um ciclo de governo petista, oito anos de Lula, e trabalhava-se a continuidade de gestão, tipo sindicalista, com a campanha e eleição de Dilma Roussef, a primeira presidenta do país – bem vendida pelo marketing político comandado pelo mago João Patinhas Santana como uma grande gerente, uma mulher especial, a mãe dos pobres do país. O país, que no primeiro mandato de Lula surfou no boom da economia planetária, no combate à fome no mundo, já começava a sofrer as consequências de uma crise ou recessão econômica que começou em 2008.

 Dilma era uma grande novidade. A nação esperava muito dela, mas a ‘gerentona’ Dilma, até pelo seu estilo, teve problemas sérios de relacionamento com os políticos do Congresso - Câmara e Senado.    

- O governo já preparava o país para receber a Copa de 2014, uma forma de investir e projetar o Brasil mundo afora. A velha e bela Fonte Nova, um complexo olímpico, aberta ao encantado Dique do Tororó – Estádio Octávio Mangabeira -, foi demolida, inteira, com ginásio de esportes, piscinas e tudo, no dia 29 de agosto/2010, para a construção de uma Arena “Itaipava” modelo Amsterdã – que custou milhões, enricou muitos por fora, e endividou o Estado da Bahia – pagamos até hoje e pagaremos ainda por ela não sabemos por quanto tempo.  
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 O Dungão 

  A seleção que foi à África era treinada por Dunga, então técnico vencedor da Copa América e da Copa das Confederações. Os brasileiros questionavam a não convocação de uma dupla de garotos que encantava na Vila Belmiro – Ganso (19 anos) e Neymar (18 anos); e também reclamavam as ausências de Ronaldinho Gaúcho e Adriano. 

Dunga, aquele mesmo craque campeão do mundo e capitão da equipe em 94, era geralmente mal humorado e nada amistoso com a imprensa. Às questões postas, justificou, dizendo que Ronaldinho já estava fora de forma e desinteressado, Adriano tinha problemas disciplinares, fora de campo, e os dois meninos da Vila estavam ainda verdes para encarar uma Copa. 
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 Os convocados:

 Júlio Cesar, Gomes e Doni (goleiros); Maicon, Daniel Alves, Michel Bastos e Gilberto (laterais); Lucio, Juan, Luizão e Thiago Silva (zagueiros); Gilberto Silva, Felipe Melo, Josué, Kleberson, Ramires, Elano, Julio Batista (meio-campistas); Kaká, Robinho, Luis Fabiano, Nilmar e Grafitte (atacantes). 
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 A chave do Brasil para a fase classificatória era uma mangaba: Coreia do Norte, Costa do Marfim e Portugal. 

 Os craques em alta para a Copa: Kaká, 28 anos, do Real Madrid, meio baleado; o português Cristiano Ronaldo, também do Real, 25 anos; e Messi, 22 anos, do Barcelona. Brilharam, de fato, Iniesta e Xavi pela Espanha, Robinho pelo Brasil e um certo Robben pela Holanda. 
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A Campanha brasileira

 - Vencemos a Coreia do Norte, no dia 15 de junho, 2 x 1, com gols de Maicon e Elano.   O segundo jogo, de 3 x 1 sobre Costa do Marfim, no dia 20, com Luis Fabiano arrebentando,  com dois  golaços. Praticamente classificados, empatamos sem gols com Portugal, num joguinho chocho. Passamos pelo Chile, 3 x 0, pelas oitavas, no dia 28 de junho, com gols de Juan, Luis Fabiano e Robinho. 

time parecia que engrenara, tinha uma defesa sólida, que levava poucos gols e os atacantes resolviam na frente. Mas, nas quartas de final...
 Paramos na Holanda, a tal ‘laranja mecânica’, em 2010 comandada pelo manhoso e talentoso atacante Robben e um meio-campista baixinho e bom de bola chamado Sneijder, nas quartas de final, com o meia cerebral Elano machucado e improvisos na lateral esquerda. O jogo foi no dia 2 de julho, data da Independência da Bahia, Brasil. 

 Fazíamos naquela data o nosso melhor jogo na copa. Aliás, fizemos um excelente primeiro tempo, quando vencemos (1 x 0) e desperdiçamos chances claras de ampliar com Kaká, Robinho, Luis Fabiano ...  e descemos para os vestuários, no intervalo, confiantes.  Mas nosso segundo tempo foi surpreendentemente ruim. Bem orientados, os holandeses voltaram pegando duro, matando nossas tentativas com faltas, sem dar espaços, explorando o lado esquerdo, mais fraco, da defensiva brasileira e contaram com erros fatais nossos. Levamos gols e restamos perdidos, irreconhecíveis na segunda etapa.
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Os erros

 Robben, malandro que só, cavou uma falta na intermediária, pela direita. Sneijder bateu pelo alto, fechada, Felipe Melo subiu com Julio Cesar, um de cabeça outro de murro, nenhum do dois acharam a bola, chocaram-se no ar e a pelo morreu nas redes, 1 x 1. A seleção não reagiu e os holandeses aproveitaram-se do momento favorável, abafaram e fizeram 2 x 0, numa ‘impensável’  cabeçada do baixinho Sneijder, alumiado, subindo no meio da zaga, na pequena área, após cobrança de escanteio fechado da direita por Robben – 2 x 1. 

Pra completar, após catimba de Robben, Felipe Melo, descontrolado, o pisou no chão, o holandês caído fez aquela cena! O brasileiro foi expulso, ficamos com um atleta a menos, arriamos. Caímos fora da copa, por conta de detalhes, mas assim é o futebol.  E até hoje perguntamos o que teria acontecido no vestiário, no intervalo da merenda, o papo entre Dunga e seus comandados que retornaram para o segundo tempo tão apáticos, inseguros, com uma postura tão diferente da pegada mostrada na primeira etapa. 
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 A final espanhola     
 
  Espanha x Holanda foi um jogo de 120 minutos - tempo normal e prorrogação - brigado, violento mesmo, com uma arbitragem inglesa pusilânime. Envolvidos pelo irritante tic-tac dos espanhóis, correndo a maior parte do tempo sem conseguir tocar na bola, os holandeses apelaram, baixaram o cacete e alguns espanhóis responderam à altura. O lance mais exemplar do clima de guerra foi a voadora do violento meia De Jong, numa disputa na intermediária espanhola, atingindo o tórax de Xabi Alonso, um escândalo. 

 O jogo brigado proporcionou chances de lado a lado, os goleiros trabalharam muito e bem, sobretudo o campeão Casillas, garantindo o título, fechando tudo atrás; evitou gols de Van Persie e Robben, cara a cara. Na frente, Villa e Torres também desperdiçaram boas chances. 

 O gol do título, no segundo tempo da prorrogação, foi do meia Iniesta, para muitos o craque da copa, completando pela direita, nas imediações da pequena área holandesa, uma jogada coletiva e o  cruzamento vindo da esquerda, garantindo o primeiro título da Espanha - que jogou a final de camiseta azul escuro. 
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   Del Bosque tinha um elenco rico de talentos: Casillas, Sergio Ramos, Puyol (o grande capitão, raça pura), Piquet, Busquets, Xabi Alonso, Xavi Hernandes (um craque, líder do meio campo, não errava passes), Iniesta, o artilheiro Villa, Torres, Pedro ...  
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 O fato é que aquela escola espanhola, campeã em 2010 na África do Sul, continua inspiradora, formando gerações e estabelecendo uma forma de jogar diferenciada, sem chutões, sem excessos individuais, futebol coletivo puro, valorizando o passe, a movimentação constante, a ocupação dos espaços em campo. Um estilo que mudou o jeito de se jogar futebol profissional no planeta. Guardiola, hoje no Manchester City, é o principal treinador e divulgador dessa escola de futebol. 
 Viva a Espanha, viva a África do Sul, racismo nunca! 
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 Curiosidades:

 - O VAR foi criado pelos ‘velhinhos’ engravatados da FIFA a partir de um lance acontecido na Copa da África, no jogo entre Alemanha x Inglaterra, oitavas de final, 4 x 1 para os germânicos. Um gol claro dos ingleses – chute de Lampard, bola no travessão que quicou meio metro dentro do gol – que, pela velocidade do lance, nem o árbitro nem os bandeiras auxiliares viram. E o gol não foi validado. Depois, com as imagens da tevê, constatou-se o absurdo erro. Daí ...  inventaram o VAR.    

 - Outro lance inusitado foi no jogo Uruguai x Gana. Depois de um empate de 1 x 1 no tempo regulamentar (gols de Montari e Forlán), a partida foi para a prorrogação. Já no finalzinho, num ataque massivo dos africanos, o avante uruguaio Suarez (sempre ele) salvou o gol, em cima da linha fatal, espalmando de mão, feito um goleiro. Foi marcado o pênalti e o atacante uruguaio expulso. Só que o astro Azamoah, de Gana, desperdiçou a cobrança (Suarez vibrou de longe, como se fosse um gol). E os uruguaios venceram por 4 x 2 na cobrança de tiros livres da marca do pênalti. Os ganeses nunca vão esquecer de Suarez, enraivecidos. 

 -  E Maradona? O ‘mito’ argentino era o treinador da seleção e, com sua milonga e carisma ofuscou na África do Sul. Ternos finos, óculos escuros, ‘entourage’ de celebridade, caras & bocas, o centro de todas as atenções do ‘hermanos’ queridos. Até que, de susto e lambada, sua equipe levou uma goleada, foi massacrada pela Alemanha, 4 x 0, sem ver a cor da bola. A mesma Alemanha que, quatro anos depois, no Mineirão lotado, enfiou os 7 x 1 no Brasil.  Lembram?  
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